Meus olhos seguem as sombras que o lustre de teto projeta no quarto. O som do secador de cabelo no banheiro preenche o silêncio. A mulher que amo está ali, a poucos metros de distância.
Giulia me perdoou. Ou pelo menos, é o que diz. Mas não consigo acreditar completamente.
Como alguém como eu poderia ser digno de perdão?
Sou um desgraçado. Arruinei tudo.
Abandonei meu porto seguro no altar, deixei que meu medo, minha covardia, a afastasse. E mesmo assim, Giulia está aqui. Como se tudo estivesse bem. Como se eu merecesse estar ao lado dela, depois de tudo o que fiz.
Devo dizer, sou um homem de sorte. Sorte que não mereço. Aquela dedicada terapeuta é a única coisa boa que já aconteceu na minha vida, e mesmo assim, eu fiz de tudo para destruir isso. Me afundei naquela arena, deixei o sangue escorrer pelos meus punhos, lutei com cada pedaço da minha alma em ruínas. Cheguei tão perto de ceder ao vício de novo, só queria enterrar a saudade, sufocar a culpa com o entorpecimento que as drogas me trariam.
Mas minha Brownie. Com sua maldita terapia e suas palavras sempre me perseguiram. Ela é boa nisso. Me fez pensar, e quem pensa não age por impulso. Eu estava destruído, mas a imagem dela não saía da minha cabeça. Seus olhos, a forma como me olhava, como se ainda houvesse algo de bom em mim.
Isso me fez resistir.
Eu ainda carrego uma dívida.
Uma dívida que vai muito além das cicatrizes no corpo. É uma dívida com cada vida que tirei, com os crimes que cometi, e com a injustiça que fiz à minha própria mãe. Mas o pior de tudo... é Isabelly.
O tiro.
Aquele instante que nunca vou conseguir apagar. Eu falhei com ela, com minha família, comigo mesmo.
Foi por isso que procurei os organizadores da "Rinha dos Condenados".
Não é algo que Giulia precisa saber. Nada mudaria se eu contasse que entrei naquele lugar buscando uma morte fácil, uma redenção que eu não merecia. Ela não entenderia, e eu não quero que entenda. Não quero que carregue o peso da minha busca desesperada por um fim.
Era mais fácil lutar até cair, deixar o destino decidir, do que encarar o fato de que o perdão, para mim, é algo inalcançável.
As lutas ilegais em Kazan são organizadas pela própria milícia local. A justiça deformada daquele lugar. Os que deveriam ser a lei e a justiça escolhem a escória do crime, os piores, e os jogam na arena para pagar por seus pecados.
O vencedor recebe "mimos". O perdedor? A morte. Eu escolhi estar lá. Queria morrer. Queria pagar por tudo o que fiz. Mas, como uma maldição, sou um maldito animal, movido por puro instinto de sobrevivência. E sobrevivi. Um após o outro, eu os derrubei, recusando qualquer recompensa que me ofereciam. Mulheres, drogas, ou qualquer outro desejo depravado que o vencedor quisesse. Eu não queria nada disso. Eu só queria... nada.
Mas a morte não me pegou. Não naquela arena. Eles me observavam, viam que eu recusava os "prêmios" que ofereciam. Mas quem fugisse da luta, esse sim sofreria. Era torturado, pedaço por pedaço, como um exemplo para os outros. Eu lutei, lutei como se quisesse morrer, mas nunca deixei de me defender.
O som do secador para, e por um instante, o quarto mergulha no silêncio. Me levanto da cama, caminhando até o mini bar no canto do quarto. Sirvo um copo de água, sentindo o líquido gelado descer pela garganta. E então, a batida na porta ecoa, cortando o silêncio.
Meu corpo se contrai no mesmo instante. O copo que segurava mal chega a tocar a mesa antes de eu girar nos calcanhares, cruzando o quarto em passos pesados. Abro a porta com um puxão forte, sem nem tentar disfarçar minha impaciência.
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FRUTO CRUEL
Romansa"Novos capítulos toda sexta-feira!" Nossa mente é um labirinto complexo, muitas vezes difícil de compreender. Qualquer gatilho pode desencadear consequências terríveis, especialmente na mente de um dependente químico, onde o medo se torna ainda mai...