29 - Saudades

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Eu sempre disse que tatuar a costela é um verdadeiro desafio. A dor é quase insuportável para a maioria das pessoas, e as reações variam de suor frio a desmaios. Mas hoje, a situação é diferente. Bem diferente.

A cliente de hoje chegou com uma presença marcante. Não era só a segurança no andar ou a firmeza no olhar, mas a maneira como parecia comandar o ambiente ao seu redor. Sensual, cheia de vida, e com uma força de vontade que eu raramente vejo. Desde o momento que entrou no estúdio, ficou claro que sabia exatamente o que queria.

— Então, você é o famoso Allan, o cara que não erra uma linha? — comentou, enquanto examinava cada um dos meus trabalhos expostos nas paredes.

— É o que dizem por aí — respondi, com meu tom habitual, um pouco duro, sem tentar impressioná-la.

Sempre preferi que meu trabalho falasse por mim.

Em seguida, se aproximou da mesa, pegando um dos desenhos que eu havia feito para ela.

— Isso aqui... é exatamente o que eu queria. Perfeito.

Sorri de lado e cruzei os braços, observando-a enquanto ela analisava o desenho.

A escolha dela para a tatuagem foi uma Orquídea Phalaenopsis. É uma flor que carrega um significado poderoso: desejo, paixão, elegância. Enquanto preparava o desenho, não pude evitar me perguntar se ela tinha plena consciência disso ou se a escolha foi puramente instintiva, como se a flor estivesse, de alguma forma, refletindo exatamente quem ela é. A conexão era inegável; quase parecia que a Orquídea havia sido feita sob medida, encaixando-se perfeitamente em sua aura e completando o quadro de quem realmente é.

— Como você sabia? — perguntou, ainda com os olhos fixos na arte, mas agora havia uma ponta de curiosidade na voz dela.

— Digamos que enquanto você conversava com a Ava, eu já comecei a esboçar. Sua personalidade é forte, e é fácil entender o que te agradaria.

Em resposta, largou o desenho na mesa, sem desfazer o sorriso. Seus olhos encontraram os meus, e havia um brilho desafiador ali.

— Então, vamos direto ao ponto. Sou toda sua, Allan.

Sem hesitar, ajustei a maca para que ela se deitasse. Tatuar as costelas não seria fácil, e eu estava curioso para ver sua reação à dor.

Lizzie retirou a jaqueta de couro com uma lentidão deliberada, revelando um cropped dourado que deixava à mostra sua barriga e costelas. Sem pressa, deitou-se na maca, ajustando-se com uma naturalidade que transparecia sua confiança.

Agora ali, deitada, seus cabelos pretos caíam lisos pelos ombros nus. A pele suave e clara contrastava com o preto profundo dos olhos castanhos que me observavam.

Cada gesto dela carregava uma energia leve e contagiante, algo que não se via com frequência. Desde o momento em que entrou no estúdio, distribuiu sorrisos sem fim, enchendo o ambiente com uma alegria vibrante que poucos conseguem transmitir.

Enquanto preparava os instrumentos, não pude deixar de notar como a presença dela transformava a atmosfera. Não era só a aparência ou a atitude; era algo mais profundo, algo que parecia irradiar dela naturalmente.

Enquanto preparo as tintas e a máquina de tatuagem, não posso deixar de notar como Lizzie permanece relaxada, sem um pingo de nervosismo, o que só torna tudo ainda mais interessante. Há algo nela que prende a atenção, como se a Orquídea que ela escolheu estivesse ali não só para decorar sua pele, mas para dizer algo que palavras não conseguiriam expressar.

Após organizar tudo, posiciono-me sobre ela, concentrando-me na tatuagem que estou prestes a criar. Faço a aplicação do Stencil na pele dela, que continua imóvel, a respiração tranquila, os olhos fixos no teto como se estivesse em outro lugar, completamente à vontade.

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