24 - Trauma

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Observo enquanto Giulia sai da loja de conveniência com uma sacola de papel. A noite está clara e límpida, com uma brisa suave, e o céu está repleto de estrelas brilhantes.

Saio tranquilamente do carro e abro a porta para que entre. Com um sorriso de canto me encara, os olhos brilhando sob as luzes de néon da loja, e se senta no banco do carona. O som suave do tecido de sua roupa roçando no estofado enche o silêncio.

Dou a volta pela frente do carro, sentindo a brisa noturna contra o rosto, e me sento ao volante.

— Quer ir direto para casa? — Pergunto, tentando captar qualquer sinal de cansaço ou hesitação em sua voz.

Entretanto, a vejo balançar a cabeça, os cabelos ondulando levemente com o movimento.

— Fui dispensada do trabalho amanhã. Tenho que levar Alyce a um passeio escolar à tarde, e Isabelly disse que eu poderia folgar o dia todo... Sabe, comecei a gostar daquela ruiva desmiolada — diz, pegando uma garrafa de uísque barato da sacola e abrindo-a com um estalo.

Logo, o cheiro forte e acre do álcool preenche o carro, e a encaro com as sobrancelhas arqueadas. Em resposta, dá de ombros, despreocupada.

— Pode me julgar, Allan, mas depois desta noite eu preciso de uma bebida! — diz, levando a garrafa aos lábios e tomando um grande gole, os olhos fechando-se brevemente enquanto o líquido desce queimando.

— Poderíamos ter pegado algo que eu já tivesse ouvido falar — comento, pegando a garrafa para ler o rótulo.

"Benchmark" está escrito em letras grandes e destacadas, seguido por "Old No. 8 Brand". A embalagem é simples, de péssimo gosto, quase um insulto às bebidas decentes.

Nunca beberia um negócio desses.

A vejo rir, um som leve e contagiante e com um movimento ágil, recupera seu uísque barato das minhas mãos. Em seguida, me alcança uma garrafa de água, a tampa fazendo um leve estalo ao ser aberta.

— Primeiro, isso é para você — diz, suas mãos tocando levemente as minhas no processo, seus dedos são suaves e frios contra minha pele.

Eu aceito a garrafa de água, sentindo a frieza do plástico na minha palma, enquanto ela leva o uísque aos lábios, tomando um gole generoso e fazendo uma careta.

— Segundo, eu vou beber esse uísque podre — declara, seus olhos brilhando com desafio — e você será um cavalheiro e cuidará de mim!

Seguro a garrafa de água, sentindo o frescor contra a pele, e sorrio. A vejo me encarar com aquele par de olhos cerrados, e me sinto impossibilitado de dizer não.

— Você quer ir, onde?

A observo sorrir de canto, tomando mais um gole do uísque, e abro a garrafa de água, levando-a aos lábios. O líquido frio desce pela minha garganta, refrescando-me por dentro.

Após beber, cuidadosamente guardo a garrafa no espaço ao lado da porta, certificando-me de que não caia.

— Me leve a um lugar especial.

Observo o  jeito como seus lábios se movem ao falar, a forma como seus olhos brilham, tudo nela me fascina.

— Como desejar — murmuro, observando-a morder o lábio com um olhar que faz meu coração acelerar.

Giro a chave na ignição e começo a guiar o carro, o motor ronronando suavemente enquanto deixamos a agitação da cidade para trás. A estrada está tranquila, iluminada apenas pelos faróis e pela luz suave das estrelas.

— Você falou sério?

Deixa a bebida no console entre os bancos e, com um movimento lento e deliberado, tira os saltos altos dos pés. Seus gestos são cuidadosos, quase ritualísticos. Os sapatos, antes elegantes, agora repousam ao lado. Os dedos dos pés, visivelmente aliviados, se espalham nos tapetes do carro.

FRUTO CRUELOnde histórias criam vida. Descubra agora