35 - Estou de volta

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Observo meu reflexo no espelho. O homem que me encara de volta parece uma sombra do que fui. O terno preto, impecável. Gravata perfeitamente alinhada. A barba recém-aparada, tudo diferente do rosto acabado de anos atrás, marcado por noites de excessos, drogas, bebidas, putaria.

O tempo passou num piscar de olhos, um borrão que me trouxe até este momento. Agora, aqui estou, a minutos de me tornar marido de Giulia. Marido dela. Nem nos meus pesadelos mais violentos pensei que eu, Allan Moretti, o cara que sobreviveu a tanto, suportou muito, estaria com as mãos trêmulas por causa de um casamento. Mas estou. Tremendo. E o que me apavora não é a cerimônia, mas o que vem depois. O compromisso. A responsabilidade. A vida com ela.

Eu a amo. Amo de um jeito que beira a obsessão. Aquela mulher é tudo o que eu preciso, tudo o que eu não posso perder. Giulia me consome. É sensual de um jeito que me quebra, me domina. Me desafia como ninguém. A cada minuto, a desejo mais, como se minha própria sobrevivência dependesse disso. Como companheira, é o que eu sempre precisei: ao meu lado, me apoiando, me mostrando que eu sou capaz. Ela quer o mesmo que eu — uma família nossa, uma vida juntos —, mas ela é diferente. Ela não é uma assassina. Não tem sangue nas mãos, nem um passado criminoso corroendo sua alma.

E eu? Como alguém como eu pode ser o que ela merece? Será que sou capaz de dar a ela a felicidade que tanto procura? Porque, antes de Giulia, eu sequer sabia o que era felicidade. Eu existia, mas não vivia. Ela me deu vida. Agora, não consigo mais imaginar um futuro sem ela.

Respiro fundo, tentando recuperar o controle. O perfume suave das rosas brancas que enfeitam o quarto de hotel preenche o ar, delicado e presente, como tudo que Giulia toca. O tapete de veludo sob meus pés, as paredes adornadas com quadros de arte moderna, a iluminação suave que emana dos lustres de cristal... Nunca a vi tão empolgada quanto nos preparativos dessa cerimônia. Cada detalhe é um reflexo dela. E, mesmo sem vê-la ainda, posso sentir sua presença em cada canto desse lugar, como se seu nome estivesse gravado nas paredes.

Tento focar na imagem dela caminhando em minha direção no altar. No brilho em seus olhos. Na alegria que vai sentir. Mas, de repente, uma sensação me golpeia, pesada, como um soco no estômago.

Meus pais.

O vazio ao meu redor ecoa mais do que eu gostaria de admitir. Steve e Jane... Eles deviam estar aqui. Devia ser o dia que provaria que, depois de tudo que passei, eu finalmente venci. Que sou outro homem agora. Um homem que ama. Um homem que pode, sim, construir uma vida diferente. Mas eles não estão. E nunca estarão.

Meu pai... Ele estaria orgulhoso? Provavelmente teria aquele sorriso discreto no rosto, fingindo que não estava. E minha mãe... Ah, minha mãe estaria chorando. Ela sempre chorava. Lágrimas de felicidade, como se isso fosse a maior vitória dela também. O pensamento esmaga meu peito, como se uma mão invisível apertasse com força, me deixando sem ar por um instante.

Então, algo muda. Um frio incômodo rasteja pela minha espinha, um pressentimento que não sei de onde vem. Algo está... fora do lugar. Meus instintos gritam. Giulia. Eu preciso ver Giulia. Agora. Preciso ter certeza de que está tudo bem com ela. De que o mundo ainda está no lugar, como deveria.

O aperto no peito se intensifica, e minhas pernas começam a se mover antes que eu perceba. Cada parte de mim exige vê-la, tocá-la. As rosas brancas ao meu redor, o brilho excessivo, o luxo quase sufocante... tudo isso começa a se distorcer, como se fosse parte de um pesadelo prestes a explodir.

Não penso duas vezes. Me viro e saio do quarto, movido por algo primitivo. As portas do hotel, deslizam em silêncio quando passo por elas. O corredor está quieto, apenas os passos abafados pelo carpete grosso. Cada passo é um lembrete de que, se eu a vir agora, se puder olhar nos olhos dela, vou saber que tudo está bem. Preciso dessa confirmação, dessa âncora, ou vou me perder no caos que ameaça tomar conta de mim.

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