07 - Uma cláusula

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A água escorre pelo meu corpo, trazendo um alívio instantâneo após tudo o que passei. Não estou assombrado pelos acontecimentos na clínica, pelo menos não neste momento. Sinto a ardência dos cortes e machucados em minhas mãos e tornozelos, mas a sensação revitalizante continua extraordinária. É como se cada gota que percorre minha pele fosse um bálsamo, um lembrete de que estou vivo, presente, capaz de sentir.

Desço a mão pelo meu abdômen até a pélvis, e o sinal de vida lá embaixo responde, um sorriso ladino e malicioso brota em meus lábios. Coloco a língua entre os dentes, dando uma mordidinha animada. Se o amigo está funcionando, está tudo bem.

Permaneço debaixo do chuveiro por longos minutos, entregando-me ao fluxo incessante de água. É como se cada gota carregasse um peso, um medo, uma preocupação, e me deixasse mais leve, mais livre.

Desligo o registro, observando minhas mãos ganharem pequenas rugas pela água. Ao sair, pego a toalha bege pendurada no pequeno box do banheiro, com ladrilhos brancos. Com cuidado, envolvo-me com a toalha, prendendo as pontas na frente. Ela abraça minha cintura, deixando o restante do corpo nu, e as gotículas de água caem por toda a extensão do meu abdômen.

Caminho até o armário do banheiro, onde meu reflexo no espelho revela a urgência de retomar os exercícios. Estou fraco, magro e pálido - ah, meus cabelos, saudades deles, saudades de muita coisa. Neste estado, estou incapaz de assumir meu lugar de antes.

Abro o armário em busca de uma escova de dentes, mas uma surpresa me aguarda. Entre os itens usuais, encontro o perfume de Giulia.

Pego o frasco, pequeno e delicado em forma oval, na palma da mão, inalando as notas de baunilha e caramelo. Não entendo, mas o perfume dela me acalma. Apesar da minha aversão por ela, algo naquele aroma desperta sentimentos desconhecidos.

Ainda não entendo bem o que acontece; porém, cada vez que penso nela, minha mente se enche de perguntas. Giulia é uma mulher de mau gosto, pobre e mal educada, mas meu coração acelera na presença dela. Ela é tão difícil de entender; parece ter medo de tudo, mas ao mesmo tempo adora me desafiar. Queria que ela se revelasse para mim e queria recuperar o colar que ela me deu, mas que agora desapareceu.

Depois de mais uma inalação do perfume que me acalma, recoloquei-o delicadamente no lugar e encontrei uma escova de dentes nova, ainda lacrada. O som do plástico se rompendo ecoou no banheiro silencioso enquanto eu abria-a e começava a escovar os dentes, tentando focar na rotina para afastar os pensamentos sombrios.

Ao encarar meu reflexo no espelho, os olhos azuis, uma herança de meu pai, trouxeram à tona lembranças dolorosas de sua partida. Sinto saudades dele, da sua voz firme me dizendo que eu precisava mudar, que nunca conseguiria passar sua geração adiante usando as mulheres apenas para diversão. Lembro-me de como ele pedia que eu me abrisse com minha mãe, de como implorava que eu fosse um filho melhor. Lembro-me também de como fui frio com eles, de como não dei a eles o tempo e a atenção que mereciam. E eu sei que poderia ter me esforçado mais, sei que falhei com eles. A dor disso me consome, como uma ferida que se recusa a cicatrizar.

Respirei fundo, decidido a não me deixar levar pela melancolia. Eu sei que preciso seguir em frente, honrar a memória do meu pai sendo uma pessoa melhor, mas a culpa ainda pesa sobre meus ombros, uma sombra constante que me lembra das minhas falhas.

Cuspo a pasta de dente na pia com um suspiro resignado, observando-a escorrer pelo ralo enquanto enxaguo a boca, tentando afastar o sabor abrasivo da pasta. Estico o braço e pego a toalha amarela pequena de rosto que está pendurada ali, sentindo sua textura macia contra a pele enquanto seco meu rosto com movimentos firmes, como se estivesse tentando afastar não apenas a umidade, mas também os pensamentos perturbadores que ainda rondam minha mente.

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