36 - Meu primeiro amor

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A vida tem formas engraçadas de brincar com você. Ela brincou comigo. Quem diria que, um dia, eu estaria aqui, vestida de noiva, prestes a casar com o homem que eu jurei odiar?

O mesmo homem que, por tanto tempo, foi um erro do passado. E, no entanto, aqui estou eu, ajustando meu batom após beijá-lo, perdidamente apaixonada.

Há pesquisas que dizem que o amor e o ódio caminham juntos, como duas faces de uma mesma moeda. Psicólogos como Freud e filósofos como Nietzsche falavam sobre as profundezas da psique humana, que transforma sentimentos intensos de aversão em desejo.

Será que é isso? Um mecanismo de defesa? O ódio que virou obsessão, e a obsessão, inevitavelmente, virou amor?

É assustador pensar o quanto nos sabotamos, nos entregamos ao que é perigoso, ao que não faz sentido. Talvez porque, no fundo, o caos nos atraia. Ou porque a destruição seja mais fácil de lidar do que a vulnerabilidade de amar.

Eu passei tanto tempo estudando emoções, tentando compreendê-las. Ensinei meus pacientes a controlá-las, a lidar com elas, e aqui estou, completamente subjugada pelas minhas. O que as pesquisas não mencionam é o quão longe estamos dispostos a ir quando nossa vida emocional escapa ao controle.

O espelho à minha frente reflete o caos que ele deixou em mim — o vestido branco moldando cada curva, o batom vermelho borrado em volta dos lábios. Meu peito sobe e desce rápido, e um sorriso involuntário nasce no canto da boca. Allan não resistiu. Entrou aqui, mesmo sabendo que não podia me ver antes do casamento. E eu o beijei como se fosse a última vez.

O gosto dele ainda está nos meus lábios, e meu corpo ainda responde. Minhas pernas estão trêmulas, e eu as fecho instintivamente, tentando controlar o calor entre elas, mas é inútil. Sinto a calcinha molhada, como se cada parte de mim estivesse esperando por ele, desesperada por mais.

Aquele beijo... foi intenso. Feroz. Ele me pegou pela cintura com tanta força que quase me tirou do chão, e o impacto de seu corpo contra o meu acendeu um desejo que já estava queimando por dentro. Minha respiração descompassada, o arrepio que correu pela minha espinha, tudo em mim implorava por ele.

A maquiagem destruída? Que se dane. O que eu realmente queria era mais... muito mais.

Pego o batom na mesa, tentando arrumar o desastre. As mãos ainda tremem um pouco — é difícil controlar esse nervosismo. Meu coração bate forte, não só pela ansiedade de subir ao altar, mas também pelas emoções que se misturam dentro de mim. Allan Moretti é o homem que eu sempre amei. E, depois de tudo que passamos, de todas as feridas e mágoas, estamos aqui. Prestes a recomeçar nossa vida juntos.

Enquanto ajeito o cabelo, prendo uma mecha solta e me olho no espelho. Quanta coisa mudou... Eu já estive aqui uma vez. Noiva, ansiosa, cheia de ilusões de um futuro perfeito. Mas aquele casamento... aquele homem... Christopher não era nada do que eu esperava. Meu ex-marido era um tirano dentro de casa. E, de um jeito doentio, por um tempo, eu acreditei que merecia cada tapa, cada grito, como se fosse culpa minha por me casar com alguém que nunca fez meu coração acelerar do jeito que Allan com apenas 16 anos conseguiu — aquele garoto no bar que mexeu comigo desde o primeiro olhar.

Eu tentei com Christopher. Nós éramos inexperientes, cometemos erros, e desse erro nasceu a melhor coisa da minha vida: Alyce. Por ela, eu faria qualquer coisa. Nos primeiros anos, eu até gostava de Christopher. Ele me fazia bem — ou pelo menos tentava. Mas então... ele se transformou. Lembro de quando chegava fedendo a álcool e ao cheiro de outras mulheres, e se deitava na nossa cama como se nada importasse. Eu o repelia, mas ele não aceitava. Me forçava, e cada toque era uma tortura. Eu sentia nojo. Nojo dele, nojo de mim mesma. E esses momentos, essas noites, viraram pesadelos que me assombraram por anos.

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