Capítulo 19

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Sanzu enxugou violentamente as lágrimas que desciam por seu rosto, sua mente e coração estavam em completa desordem. Ele sentia raiva, frustração, dor, medo, vergonha e mais um monte de coisas ruins que não era capaz de identificar no momento.

A droga que usou era forte e, dada a grande quantidade que ele havia ingerido, as alucinações eram terríveis. Tão terríveis que ele já não era muito capaz de diferenciar o que era realidade ou não, mas talvez isso fosse o que ele precisava: fugir para outra dimensão.

As pessoas em volta eram o pior. Sanzu escutava suas risadas de zombaria, seus olhares de escárnio e seus cochichos inescrupulosos. Se fosse qualquer outro dia ele não se importaria tanto, porém tudo aquilo que via só lhe servia como um lembrete de que ele era um merda inútil. Todavia, ninguém tinha coragem de interceptá-lo ou provocá-lo diretamente enquanto caminhava a passos rápidos para fora da mansão.

Aquela gente não respeitava Sanzu, mas morria de medo dele.

Quando o Haruchiyo chegou ao hall de entrada e estava quase cruzando a porta para dar o fora dali, esbarrou em alguém que provavelmente estava esperando o próprio motorista vir buscá-lo. Ele lançou um olhar assassino para o homem que fechava seu caminho e disse:

- Saia da minha frente, porra.


- Ei, você sabe com quem tá falando?! - Falou um dos seguranças do sujeito, querendo avançar em Sanzu. 


- E você sabe com quem está falando?

Houve uma comoção entre o grupo de seguranças ao reconhecerem Sanzu, a qual o homem alto e loiro que os liderava parecia se divertir. Afastando seu subordinado, ele perguntou:

- Você deve ser o vice-presidente da Bonten, Sanzu Haruchiyo, estou certo?


- Está, e quem seria você?

Sanzu não conseguia focar a visão e sua mente estava produzindo imagens psicodélicas, até a voz do homem parecia se distorcer em seus ouvidos. Mas a raiva o ajudou a clarear a mente quando ele escutou a resposta.

- Pode me chamar de South.


- Ah! - Sua expressão tornou-se verdadeiramente alucinada. - Então é você o merdinha!

Os seguranças se eriçaram para atacar o Haruchiyo, mas South os deteve.

- Também ouvi falar de você - ele disse. - A besta raivosa de Manjiro Sano.


- Fale o nome dele de novo e eu arranco a sua língua fora.


- Eu não duvido disso - sorriu. - Estou ciente dos seus feitos, você é uma pessoa muito surpreendente. Até hoje tenho pesadelos com o que você fez, nunca imaginei que prenderia alguém na carcaça de um porco.


- Se você prejudicar o Mikey te farei algo muito pior. - Inclinou-se para frente, sua cabeça girava e suas vísceras pareciam líquidas demais.


- Eu ainda espero conversar melhor com você sobre isso, afinal, Mikey pode ser facilmente substituído.


- Você…!

A indignação deixou o semblante de Sanzu ainda mais transtornado, ele deu dois passos à frente e afundou o dedo indicador da mão direita no peito de South, pronto para proferir os maiores xingamentos da história da humanidade. Porém, assim que abriu a boca ele vomitou.

South se afastou com nojo e seus subalternos gritaram de susto. O vômito sujou a parte da frente do terno de South, bem como seus sapatos. Enquanto Sanzu se curvava para terminar de esvaziar o estômago no hall de entrada da mansão, South tentava limpar seu terno com guardanapos. Os seguranças da casa taparam a boca para conter o riso diante da situação e se mantiveram vigilantes aos cantos, para caso algo sério acontecesse eles pudessem intervir.

O Haruchiyo ergueu o tronco e limpou os lábios na manga de sua camisa preta. Inesperadamente ele comentou:

- Não bebam a água da piscina.

Entretanto, antes que South pudesse perguntar o que diabos ele queria dizer com isso, Sanzu avançou em um vaso de flores próximo a porta, tirou as plantas de dentro e virou a água entre os lábios. Primeiro ele enxaguou a boca e cuspiu o líquido no chão, em seguida bebeu o resto. Ao terminar, foi até uma mesa com aperitivos e roubou alguns docinhos, enfiou três goela abaixo e pediu uma bala de menta a um dos seguranças da mansão que - chocado com toda a performance de Sanzu - afirmou ter apenas cigarro de menta. E assim, o Haruchiyo tomou posse de sua carteira de cigarros.

South estava devidamente estupefato com o comportamento naturalmente leviano daquele ser. Ran estava certo ao dizer que Sanzu não era o tipo de pessoa comum que se podia prever.

Sanzu estava tão disperso que quase se esqueceu de South parado atrás de si com uma cara estranha. Ele fez uma careta e agitou a cabeça, na tentativa de afastar as cores e criaturas bizarras que apareciam na frente de seus olhos. O Haruchiyo agarrou o vaso de vidro mais uma vez, o quebrou contra a parede e apontou o lado cortante para South. Isso fez todos os seguranças se mobilizarem e apontarem suas armas para ele.

- Escute bem, pois eu estou ameaçando você - Sanzu declarou. - Se eu descobrir que fez algo contra o Mikey ou que pretende tomar o lugar dele, vou te matar. Vou te matar mesmo. E você vai sofrer tanto antes que pensará que o porco não foi grande coisa. 

Dito isso, ele colocou o vaso quebrado na mesa e deu as costas para um monte de gente armada até os dentes. South encarou sua figura até ele desaparecer porta a fora e franziu o nariz para o cheiro ruim que suas roupas e sapatos emanavam. Maldito fosse aquele maluco.

Impaciente, o Haruchiyo não fez questão de dar uma segunda olhada na cara de South. Não havia nada a ser discutido, ponderado ou esclarecido, se ele encostasse em Mikey, seria aniquilado. Lenta e torturantemente. 

Com um cigarro de menta na boca e os pensamentos a mil por hora, Sanzu expulsou alguns subordinados da Bonten de um dos carros de escolta, entrou no veículo e pisou fundo no acelerador.

Ele dirigiu sem rumo. O desgraçado do rádio tocava músicas românticas extremamente inconvenientes que estavam fazendo seus olhos lacrimejarem, a fumaça que saía de suas narinas embaçava as janelas do carro e os semáforos pareciam balões coloridos - Sanzu não viu problema nenhum em desrespeitar todos eles. Claro que isso quase causou vários acidentes de trânsito, mas ele simplesmente não conseguia se importar, principalmente quando tudo ao seu redor parecia uma aquarela pintada pelo próprio Van Gogh.

Essa droga, fosse ela qual fosse, era potente pra caralho.

Sanzu começou a rir sozinho, incapaz de lembrar porquê estava fugindo ou mesmo quem ele era. Tudo de repente parecia surreal demais, o céu estava caindo e os prédios em torno da avenida eram facas gigantescas. Algumas pessoas na rua pareciam estar riscadas com giz de cera colorido, outras usavam máscaras assustadoras e Sanzu poderia jurar que viu uma gangue de Papais Noéis bater em uma criança com cara de lagarto.

Ele estava tão entretido com as projeções ilusórias da própria mente que não percebeu que o carro, quando havia acabado de cruzar a avenida e entrado na orla, foi em direção a areia da praia. Impressionado com o mar brilhante que se erguia a sua frente, Sanzu esqueceu de pisar no freio. Isso resultou em um pequeno acidente, o carro foi de encontro a uma pilastra de aço de 1m de altura que separava a calçada da areia.

A colisão, embora simples, foi brusca. Por causa dela o Haruchiyo bateu a testa contra o volante e um pouco de sangue escorreu por seu machucado recém aberto, ele resmungou de dor e chutou a porta do carro para sair. Esse acontecimento o fez dispersar um pouco a névoa inebriante da droga e proferir xingamentos estranhos, por sorte já era alta madrugada e a praia estava deserta, então ninguém presenciou a cena de sua pessoa pisando em falso e caindo na areia.

Estatelado no chão, ele deduziu que se levantar seria mais humilhante, então preferiu ficar deitado. As estrelas pareciam dançar sobre sua cabeça, lembrando-o de uma noite específica anos atrás.

A noite em que Mikey assumiu sua persona mais maligna.

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