Capítulo 31

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Sanzu gostava de assistir documentários sobre animais, principalmente sobre tubarões. Ele sempre se identificou muito com eles, os maiores predadores do oceano, mas desastrados e com pupilas tão gigantes que o Haruchiyo se perguntava se havia algum tipo de cocaína aquática que os tubarões usavam. Claro, isso é muito idiota. Os cientistas teriam rido dele, assim como todo mundo. 

Ele tentou pensar em um animal que representasse Mikey também, talvez um leão, mas seu líder jamais deixaria o cabelo tão desgrenhado como uma juba. Não, Manjiro, não se parecia com nada nem ninguém, ele sempre esteve aquém de coisas terrenas.

Quando eram crianças, Sanzu lhe contou sobre seu fascínio por tubarões. Naquela época Mikey o deixava de lado cada vez mais ao longo dos dias que passavam, então ele achou que seu pequeno e incrível chefe não estava prestando a mínima atenção em si. Mas qual foi sua surpresa quando Mikey voltou da escola uns dias depois e lhe entregou um desenho que havia feito na aula de Artes.

“- A professora disse pra gente escolher um animal para desenhar, aí eu lembrei de você. Pode ficar com ele.”

Então ele lhe entregou um desenho de um tubarão torto, cheio de dentes e com pupilas enormes. Mikey jamais soube o quanto aquilo havia significado para ele e o quanto lhe doía o observar cada vez mais distante, até parecer que Sanzu era apenas uma sombra que só era notada em raras ocasiões.

Ele não gostava de pensar nisso, nesses anos em que se viu sozinho e cheio de ansiedade, torcendo para que Mikey lhe desse ao menos um olhar por dia. Foi sufocante. Por isso seu lado predador surgia de surpresa na maioria das vezes.

Foi apenas com a fundação da Bonten que as coisas mudaram. Mikey virou as costas para o passado, Inupi deixou Koko - o que possibilitou que o Haruchiyo criasse um laço inusitado com ele em pouco tempo. Isso foi algo bom, de repente ele não se sentia mais tão mal e desvalorizado. Sua relação com Kakucho era indiferente e Mochizuki demorou para entender Sanzu. Porém, foi apenas com Ran e Rindou que ele sentiu pela primeira vez como era se soltar em uma amizade. Com eles o Haruchiyo não sentia medo ou vergonha, parecia certo.

Mas agora pensar em todos eles doía.

Mikey o enlouquecia; Koko provavelmente temia que Sanzu fosse um traidor; ele tinha vontade de explodir a cabeça de Kakucho; Mochizuki estava morto; e Ran e Rindou o enganaram. 

Então Sanzu realmente parecia um tubarão. 

Um tubarão solitário. 

Ele não queria parar para pensar no que havia feito com Mochizuki, em como havia sido rápido. Sanzu tinha apenas agido sem pensar, tanto que em sua memória parecia haver um lapso de perda de tempo. Ele não sentia culpa, na verdade ele não sentia nada.

Era por isso que era tão obcecado por Mikey, ele foi a única pessoa que fez Sanzu sentir alguma coisa - tão intensamente - pois quando se tratava de outras pessoas o Haruchiyo não conseguia sentir muita empatia. Ele não compreendia as emoções dos outros, mas entendia que ele próprio sofria e era a causa do escárnio dos demais.

Ele teve que escolher desde pequeno entre ser a vítima ou o agressor, e nisso é claro que seu lado violento venceu. E isso o tomou tanto que ele percebeu que gostava, que aquilo era algo que sentia prazer em sentir. Durante muitos anos foi só isso que ele teve, devia ter ficado mal acostumado na Bonten nos últimos tempos porque aquilo de repente não bastava.

Ele queria voltar para casa, rir de besteiras com Koko, fazer alguma coisa ridícula com os Haitani, assustar Mochizuki, brigar com Kakucho e ficar com Mikey.

Mas grande parte disso nunca mais seria possível.

Sua cabeça caiu para a frente, quando retiraram o saco preto, e sua vista latejou por causa da luz artificial do recinto. Então um homem, que Sanzu nunca tinha visto na vida, sorriu na sua frente. 

- Finalmente acordou - disse ele.

O sujeito em questão era Shiro Moriyama, cercando Sanzu cheio de trejeitos estranhos. O Haruchiyo o achou repulsivo, embora não entendesse bem o porquê.

Sanzu avaliou sua situação enquanto aquele doido o inspecionava, ao que parecia estava sentado em uma cadeira e acorrentado no centro de uma sala cheia de luminárias no teto. Não parecia uma cela, mas não havia janelas, apenas uma porta que Sanzu poderia jurar estar cheia de gente armada do outro lado, ele quase conseguia ouvir seus corações batendo.

- Não sei por que aquele idiota quer você - disse Shiro, - não me parece grande coisa. 

Sanzu lhe deu um sorriso cheio de presas, digno de um tubarão, e falou: 

- Chega mais perto então.

Shiro parecia tolo o suficiente para fazer isso. Se não fosse a entrada súbita de South na sala, Sanzu teria arrancado o nariz de Shiro com uma mordida assim que o mesmo se aproximasse. 

- Aí está você! - Disse South, com um sorriso grande demais. - Foi difícil, mas Ran cumpriu o que prometeu. Quase nem acredito nisso.


- Você me queria como decoração? - Sanzu zombou.


- Não posso dizer que é uma visão bonita.

O Haruchiyo rosnou, sacudindo as correntes atadas em seus pulsos e tornozelos, presas no chão.

- Não tem como você quebrá-las, as correntes são de aço - Shiro explicou, - e, ainda que consiga se livrar delas, sugiro que não fuja pela porta. Um passo para fora e pode ter certeza de que não vai sobrar nada de você para contar a história. 

Sanzu ignorou o homem e focou seu olhar irritado em South, que o observava com presunção, ele então disse:

- Já conversamos tudo o que tínhamos pra conversar naquela noite - se referiu ao baile em que estragara o visual de South com vômito. - Não vou aceitar merda de acordo nenhum e, quando eu sair daqui, vou arrancar seus dentes para fazer um colar, seu desgraçado!

South sorriu e disse:

- Acho que eu esqueci de avisar, eu menti sabe. Meu negócio não é com você, na verdade eu não dou a mínima pra você - isso surpreendeu Sanzu mais do que ele achou ser possível. - Claro que seus amigos não sabiam disso, eu tenho talento para contar meias verdades. 


- O que quer dizer com isso? - O Haruchiyo franziu as sobrancelhas, desconfiado. - Se não precisa de mim, por que teve todo esse trabalho?


- Porque meu parceiro de negócios tem dívidas para acertar com você.

Sanzu não teve tempo de falar ou mesmo de ficar indignado com a situação, pois a porta se abriu novamente e um homem entrou. Ele era alto, usava um terno que devia valer uma fortuna, brincos de ouro e um cabelo que em qualquer outra pessoa poderia ser considerado antiquado e fora de moda, mas nele caia super bem. 

A compreensão tomou a face de Sanzu quando o homem sorriu para ele, afinal a última vez em que havia visto Shuji Hamma foi há anos atrás e as coisas acabaram meio sujas de sangue. 

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