Capítulo 72

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Quando era pequena seu pai costumava dizer que atos ruins, levam a coisas ruins. Esse ensinamento nunca teve tanto sentido como no instante que os olhos de Natalia finalmente se abriram para o mundo ao seu redor. Ela acordou no chão da sala com o sol no rosto, o marido certamente havia virado a noite no trabalho, e nem a sensação de que cada osso do seu corpo doía conseguiu apaziguar o peso da culpa. Se atos ruins, levam a coisas ruins, ela sabia que em breve essa dívida lhe seria cobrada.
As lembranças eram uma tortura, e a consciência do que tinha feito todos esse anos lhe tirou qualquer esperança de paz quando pensou no futuro. Precisou se apoiar no sofá para levantar, e caminhou com passos vacilantes até a cozinha. A garganta estava seca, raspando e implorando por uma gota d'água.
Preciso de meia hora para processar as memórias que retornaram, mas esse tempo não foi o suficiente para descobrir o que seria da sua vida dali pra frente. Ouviu passos leves descendo as escadas, e passou as mãos no rosto para afastar toda a confusão mental.

-Mama!

-Lu, já falei pra você não descer as escadas sozinha.

-Tava roncando! -apontou a própria barriga.

Geralmente a babá só chegava depois das nove.

-O que acha de cereal com frutas?

-Aham! -ergueu os bracinhos, feliz.

-Então senta que eu vou preparar.

Enquanto fazia o café da manhã simples, a ex comandante não pode deixar de avaliar a filha de soslaio. Não havia nada de errado com ela, porque Lueny era o seu tesouro, mas sabia que a vida dela viraria uma bagunça quando o pai dela também recuperasse a memória. Afinal, agora ela conseguia lembrar que o seu marido, o homem com quem estava casada, amava a sua irmã.
Colocou a xícara e o prato de frutas na frete da filha, e descidiu que precisa fazer algo a respeito com as informações que sabia. Ela queria proteger a filha, mas sabia que a pequena não estaria segura se esse sistema permanecer vigente. Nessa guerra, deveria tomar partido de um lado, e apesar da força estar obviamente inclinada a favor da presidente, conhecia a sua mãe bem o suficiente pra saber que isso não era um empecilho. Sem contar que a sua família estava lá, e isso influenciou muito a decisão que tomou naquele instante.

-O que acha da gente dar um passeio?

-E o papa?

-Ainda não chegou do trabalho. Vai ser um passeio de mãe e filha, o que acha?

-Solvete?!

-Pode pegar uma casquinha no caminho.-concordou.

-Sim!!

Ela demorou um pouco para arrumar as coisas da filha e dispensar a babá pelo telefone, mas quando isso aconteceu apenas deixou uma mensagem na geladeira para o marido, e partiu em direção a faculdade. Se a sua mãe teve o trabalho de vir até ali acorda-la, tinha quase certeza de que outra pessoa também estava de volta.
No entanto, o plano falhou miseravelmente quando percebeu que Sofia tinha evaporado sem deixar pistas, mas não desistiu e continuou zanzando pelo refeitório até avistar o rosto dela. Demorou mais de três horas, e Lueny já estava almoçando um bocado de legumes quando avistou a morena.

-Comandante.-cumprimentou Sofia, nervosa.

Apesar de lembrar que Natalia era sua prima, a sombra da comandante ainda pairava entre as duas e fazia as suas pernas tremerem levemente.

-Natalia.-corrigiu April. -Não tenho mais esse cargo.

-Posso ajudar em alguma coisa?

-Quero ver ela.

-Ela? -franziu a testa. -Ela quem?

-Você sabe de quem estou falando.

-Desculpe, mas não estou entendendo...

B.M ConsanguineoDonde viven las historias. Descúbrelo ahora