Michael e Marcela estavam de plantão no dia de natal, e como dormi na casa do coronel aquela noite, ele insistiu para que almoçássemos com eles. Meu pai e Kiese chegaram cedo, ela não abriu mão de comandar a cozinha, já que na ceia da noite anterior, as mulheres foram proibidas de trabalhar. Eu e Suelen ajudamos nos preparativos dos pratos, e os homens se entretiveram jogando baralho e cuidando da churrasqueira. Dessa vez o tio Geraldo, não participou ele decidiu passar o dia com sua esposa na fazenda.
— Ana é igual a Marcela — disse Suelen. — Ela vai cozinhando e lavando a louça, quando termina a pia está limpa.
— Me sinto perdida se for fazer alguma coisa com a pia ocupada, deve ser algum transtorno — falei secando a mão no pano de prato.
— Eu também não consigo — disse Kiese. — E ainda lavo a mão várias vezes enquanto cozinho, o pano vive no ombro, é incrível.
— Eu deveria ter usado o avental — apontei para a barriga molhada. — Não entendo como me molho tanto lavando louça.
— Vá se trocar, eu ajudo a Kiese a terminar aqui — orientou Suelen. — Essa barriga molhada vai deixar minha sobrinha, porque vai ser menina, resfriada.
— Mimada sei que será — disse Kiese aos risos.
Eu subi as escadas com um sorriso no rosto, estava feliz, a vida finalmente resolveu ser boa comigo. Depois de muito tempo me sentia em paz, podia andar livre por todos os cantos sem ter ninguém me perseguindo, importunando, ou querendo me jogar em algum buraco. Agora eu tinha uma família que ultrapassava dois membros como costumava ser, tinha amigos, um companheiro incrível e em breve e ainda seria mãe. Tinha até medo de acordar e descobrir que foi tudo um sonho.
Tirei a roupa molhada e escolhi um macacão curto de tecido leve, na cor vinho. Me observei por um instante em frente ao espelho imaginando como seria quando a barriga crescesse, como seria ser responsável por um ser minúsculo que dependeria de mim por muitos anos. A ideia me assustava, mas ao mesmo tempo confortava, eu sabia que escolhi o cara certo para enfrentar o desafio comigo.
Quando retornei, o coronel conversava com um casal perto da churrasqueira. Kiese terminava a sobremesa com a ajuda do Caio, e Suelen brincava de boneca na rede com uma menina que deveria ter uns seis anos. Um pouco mais a frente, Eduardo brincava no gramado com um garotinho que não parecia ter mais do que dois anos. Ele veio caminhando com uma bola na mão e a deixou cair, eu peguei e joguei de volta, mas não esboçou reação alguma, e continuou caminhando aleatório com os bracinhos estendidos.
— Tem que dar na mão dele, tia — disse a garota colocando a bola nas mãos do bebê. — Ele não enxerga.
— Gol — ele jogou a bola para cima, e bateu palmas.
— Viu, tem que brincar, assim, com ele — ela orientou devolvendo a bola em sua mão.
Eu olhei para o Edu e voltei meu olhar novamente para o garoto de pele alva, rostinho redondo, e cabelos enrolados como de um anjo. Ele vestia um macacão jeans, camisa de botão na cor vermelha que realçava suas bochechas coradas, e tênis, parecendo um rapazinho.
— Ele é tão lindo — falei ao me abaixar a sua frente. Peguei a bola que ele havia jogado, e entreguei em suas mãos. — Vamos brincar bebê, joga a bola para a tia.
— A tia — disse ele me dando os bracinhos. Não resisti o peguei no colo.
— Dá um abraço na tia, João — disse o senhor que até então, não havia se aproximado. — Feliz natal, Ana.
As lembranças de quando estive no abrigo vieram como uma avalanche, eu não sabia se olhava para aquela criança linda em meu colo, ou para o Eduardo que me observava com um sorriso bobo, assim como Suelen, Caio, e os demais.
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Pela Força do Destino - A Magia do Olhar
RomanceMinha vida mudou radicalmente nos últimos anos, e digo com propriedade que quando vivia no escuro as coisas pareciam ser bem mais fáceis. Já parou para pensar em como seria complicado fechar os olhos e tentar se movimentar em um local estranho e che...