Sete

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Aquela loucura precisava acabar. Vovó estava hospedada em sua casa havia apenas um dia — um dia! — e, nessas 24 horas, tinha deixado sua vida tão fora do eixo, que era capaz de na próxima sexta-feira ele já estar em um hospício.

A avó o acordou às duas da manhã.

O motivo? Pensou ter visto uma aranha-de-costas-vermelhas. Sim. Uma aranha que, de acordo com as buscas que ele fez na internet, só existia na Austrália.

Quando Alfonso lhe revelou aquela pequena informação, a avó, em resposta, gritou que estivera na Austrália alguns meses antes e que uma das aranhas podia ter entrado em sua mala e posto ovos.
A culpa, na verdade, era de Alfonso, que tentou argumentar. A pergunta que ele fez foi simples: por que motivo uma aranha escolheria justamente a mala da avó? De todas as malas do mundo, a dela teria sido a premiada? Isso não seria muito provável...

A resposta? Porque a mala é brilhante, e todos sabem que as aranhas gostam de coisas brilhantes. Depois disso, a avó enfiou uma lanterna na cara dele e o obrigou a revirar a casa inteira atrás da tal aranha. Lá pelas quatro da manhã, Alfonso estava prestes a arrancar as próprias orelhas.

Aparentemente, vovó roncava um pouco.

Às seis da manhã, ficou ainda pior. Vovó praticava ioga. Ele teve a oportunidade de descobrir isso em primeira mão quando ela colocou o DVD de videoaulas em um volume ensurdecedor. O que não teria sido tão ruim se antes ela tivesse avisado que era um tipo de ioga sensual voltada para idosas, ou melhor, lobas.

Na blusa de ginástica havia a estampa de um lobo.

Que surpresa!

Por fim, Alfonso trancou a porta do quarto. Mas vovó era implacável. Depois de muitas batidas e de um ruído alto, quando a porta se soltou das dobradiças, a senhora exclamou:

— Poncho? Ah, meu Deus! Achei que você tivesse morrido!

— Deus não é assim tão justo. Pode acreditar. Eu já implorei por isso.

— Ah, Poncho! — Vovó se jogou na cama. — Anime-se! Pense em sua demissão como um prolongamento das férias!

— Só que não é — grunhiu ele. — Estou desempregado. Não tenho carreira nem dinheiro. Não tenho nada, e você está lá embaixo praticando essa ioga das lobas como se o dia estivesse ótimo!

Vovó parou, então foi até a janela e abriu as cortinas.

— Mas o sol está brilhando... e o dia está lindo. Acho que, se você sair para correr um pouco, vai perceber como é bom estar de férias.

— Fui demitido — corrigiu Alfonso.

— Férias — retrucou vovó, severamente. — Agora, vou fazer compras com aquela moça simpática de ontem. Ela é a dama de honra de Maite, e só temos duas semanas para...

— Espera aí! — Alfonso pulou da cama. — Repita isso. Quem é a dama de honra de Maite?

— Aquela moça simpática que salvou sua vida ontem. Ela e Maite são amigas há anos! Ela estava em Portland com a irmã para uma curta temporada de férias e não foi à festa de noivado, já que, além da sua vagabunda, apenas a família foi convidada.

— Mas...

— Agora! — Vovó bateu palmas. — Vá aproveitar seu dia de folga, que eu vou às compras!

— Mas...

— E vista umas roupas, filho. Não tem ninguém para você impressionar nesta casa.

Então vovó marchou quarto afora, deixando a porta arrombada apoiada na parede. Enquanto a observava ir embora, Alfonso se perguntava se seria preso caso agredisse uma idosa.

Demitido.

Sem o dinheiro da família.

E tinha de ir ao casamento do irmão dali a duas semanas. Com uma mulher que ele rejeitara não uma, mas duas vezes.

Talvez fosse bom levar alguns amendoins, só para o caso de precisar de uma saída de emergência... Ou de uma forma de encontrar o Criador, já que parecia que Deus o estava mantendo na Terra unicamente para torturá-lo até o fim de seus dias.

4/5

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