Elas são amigas?

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Paris, sete dias para o início dos Jogos Olímpicos

Há dias que tudo estava cinzento, em todos os aspectos. Atualmente, um dos maiores desejos da ginasta americana era voltar para os dias ensolarados de sua cidade natal. Biles passou quase uma semana sem conseguir dormir direito. Era atormentada por seus pesadelos e a maior tortura era saber que tudo aquilo só existia em sua cabeça: mãos curiosas e atrevidas deslizando por seu corpo, lábios famintos e insaciáveis buscando os seus, cabelos cheirosos que se enroscavam no lençol e os arrepios na pele... Talvez o maior pesadelo esteja sendo ficar longe dela.

Por sorte ou azar do destino, não haviam nem sequer se visto desde aquela tarde em que foram pegas no pulo. A americana estava completamente focada nos treinos e não havia um aparelho no qual não tivesse se destacado, na mídia estava sendo chamada de alien e se sentia satisfeita com isso. Pelo menos nisso, ela vai ter o meu melhor!

— Você acha que consegue ir almoçar comigo e com os caras hoje? — Jonathan perguntou depois de rolar na cama, o que arrancou Biles de seu devaneio.

— Claro, vou ver o que consigo fazer e te aviso mais tarde, pode ser? — Ela respondeu sem muito entusiasmo.

Desde que o marido tinha voltado, três dias depois de ter sido flagrada beijando Rebeca Andrade, Biles tentava reavivar seus sentimentos por ele, mas não estava dando muito certo. Do outro lado da Vila Olímpica, em mais uma desgastante sessão de treinos, as meninas do time brasileiro se acabavam de rir e o motivo: Flávia Saraiva.

— Foram dez, mas que equivalem a cinco na contagem do Chico, né! — Jade falou.

— Ih, quem te chamou na conversa, Barbosa? — Flavinha respondeu e todas sorriram. A pequena estava dando o máximo no treino, que era considerado o mínimo, por alguns.

— Agora, pegar peso já não é fácil, mas com essa playlist da Rebe, fica ainda mais difícil! — Júlia Soares falou.

— Meu medo é que ela escorregue de uma barra dessas por causa das lágrimas... Quem é que treina ao som de Belo, gente? — Lorrane perguntou enquanto observava a amiga realizar uma de suas acrobacias nas paralelas.

— E de repente eu me entreguei, não lutei, não resisti e quando menos esperava o teu perfume estava aqui... — Júlia e Jade cantavam e já estavam sambando.

— Bom, uma coisa é certa, ela está impecável... BOA REBECA. — Flávia gritou.

— Pois é! Me impressiona o tanto que ela tem trabalhado aqui, ela é foda! — Lorrane falou sorrindo. Sentia um orgulho imenso da amiga, mas tinha algo que lhe incomodava. Sentia que algo não estava bem na amiga e não conseguia identificar o que era exatamente.

A mente da ginasta brasileira era um looping de pensamentos. Teria que encarar Simone Biles tête-à-tête em apenas alguns dias, assim como Jordan Chiles. Se sentia escanteada e irritada. Tinha visto uma foto de Simone acompanhada do marido Jonathan Owens na Torre e ela exibia uma fileira de dentes perfeitos para ele, que retribuiu. Eu não consigo entender! Como ela pôde ter feito tudo isso e ainda conseguir ficar do lado dele como se nada tivesse acontecido? 

Há apenas uma semana da abertura dos jogos, a cidade do amor parecia um grande formigueiro. O simples ato de caminhar pelas ruas era complicado, almoçar fora, sem dúvidas, era um ato revolucionário, que o time Brasil estava disposto a ousar!

— Gente, não importa! Hoje vamos ter que ir nesse rodízio! — Flávia Saraiva falou convicta. — Treinei bem demais, preciso de um mimo!

— Claro! Eu amo japa e depois do convite das meninas do vôlei? Minha presença tá mais confirmada que o molho shoyu de lá. — disse Lorrane.

— Nossa, já consigo sentir o sabor do hot roll e do hot filadélfia! — disse Jade.

— Tá tudo bem, Rebe? — Julia Soares perguntou mais baixo, de forma que só ela conseguisse ouvir.

— Está sim, Juju, eu só...

— Ela só está apreensiva pq vai encontrar a GG10, Ju! — Lorrane falou alto e todas riram.

Rebeca apenas sorriu envergonhada e mostrou a língua. Se tratando de outra modalidade, Gabriela Guimarães era sua maior ídola, dentro e fora das quadras. Viraram amigas desde Tokyo e aproveitaram alguns momentos depois, apesar de Rebeca nunca ter admitido isso a ninguém. Sorriu sozinha lembrando o quanto curtiram em BH: o jantar, o passeio nas montanhas, a diferença enorme de altura e o quanto Nadal, cachorro da capitã da seleção, se enroscou nos pés delas na hora de dormir.

— Eu não estou nada apreensiva, a Gabi é um amor, você vai ver só, Juju! — Rebeca falou sorrindo.

Há alguns quilômetros dali, toda aquela agitação acabou animando Simone. O fervo das ruas, as bandeiras de todos os países, a mídia, as coletivas de imprensa, o pessoal pedindo fotos e autógrafos, tudo ia fazendo crescer uma grande empolgação no coração da atleta. Jonathan havia contratado uma dupla de seguranças para escoltá-los pelas ruas de Paris e Jordan pareceu gostar muito do alemão com sotaque engraçado de quase dois metros de altura.

— Amiga, olha o tamanho desse chucrute! — Jordan falava animada e Biles apenas riu balançando a cabeça em negação. Ela me mata de vergonha, como eu amo!

Seguiram com muitos paparazzi e alguns curiosos até uma rua estreita. Biles sabia que a situação complicaria um pouco assim que cruzaram a avenida, tendo em vista que havia mais de cem pessoas vestidas de verde e amarelo, com instrumentos e uma energia que ela logo reconheceu. Brasileiros. Ela não entendia o que cantavam, mas ouvia algo como "Paris vai virar baile" e parecia uma final de Super Bowl. Uma comoção generalizada. Os seguranças foram conduzindo ela, Jonathan e o grupo de amigos por entre o aperto e chegaram num ponto em que tiveram que parar. Simone olhou em volta e logo cutucou Jordan para subirem num batente para conseguirem ver melhor a festa. Se posicionou em cima da estrutura e se apoiou no esposo, para ter mais equilíbrio, com o queixo na cabeça dele.

De longe, avistou algumas atletas, imaginava que eram do basquete ou do vôlei, eram altas, esguias e bonitas, sorriam e acenavam sem parar. Biles gostou daquilo, gostava do reconhecimento que os atletas recebiam. Estava sorrindo e dançando também, é impossível ficar parada com esse pessoal animado desse jeito! Tudo estava excelente, até que seu olhar foi atraído para uma criatura bem mais baixa, que vinha acompanhada de uma atleta muito alta e de cabelos cacheados. Rebeca. O coração da americana logo começou a errar as batidas. O que será que ela está fazendo ali? Elas são amigas? Espere um pouco...

Sentiu a mandíbula se contrair quando viu onde a mão da jogadora alta estava. Mãos enormes seguravam na cintura e conduziam a ginasta brasileira por meio da multidão e o pior, ela parece não se importar! Argh! 






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