Posso falar com você?

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Dia da abertura dos Jogos Olímpicos.

A vida na Vila Olímpica não era exatamente um conto de fadas. Biles sabia e sentia que quando o evento acabasse, iria fazer questão de passar, pelo menos, três dias dentro de uma banheira com sais de banho importados, dormindo na melhor cama e com as melhores cobertas, sem dividir nada com ninguém. Ela reclamava, mas no fundo, amava compartilhar a rotina com sua equipe e sabia disso, mas ninguém pode me impedir de reclamar, certo? Reclamo mas faço!

A última semana foi, digamos, desafiadora. Os treinamentos ficaram mais específicos e exaustivos, a alimentação estava ainda mais regrada e o foco era quase que cem por cento, mal sobrava tempo para qualquer outro pensamento ou coisa. A sorte de Simone Biles, sem dúvidas, era Jordan Chiles. Só a amiga era louca o suficiente para falar as maiores atrocidades e para dançar, cantar e para trazê-la de volta a realidade com alegria.

A ginasta estadunidense tinha perdido a capacidade de sonhar. Tudo era considerado pesadelo, tendo em vista que sempre que deitava e dormia, acordava cheia de um desejo mal curado, uma fome mal saciada, um bocado de querer e pouquíssimo êxito em ter! Sempre era Rebeca. E em seus sonhos, ou pesadelos,  ela vinha em sua direção ou se afastava, a pele preta que se misturava tão bem com a sua e no mundo dos sonhos, elas avançaram muito, os beijos eram mais demorados, os toques mais atrevidos, talvez essa era a maior dor de Biles, a falta de avanço na vida real. Acordar sem aquilo era muito sofrimento.

Ela tentava ocupar a cabeça com outras coisas e mesmo agora, enquanto se arrumava para ir passear de barco no Rio Sena, se sentia angustiada. 

— Pelo amor de Deus, que cara de velório é essa? — Jordan perguntou enquanto ajeitava a lapela do terno da amiga. — Veja só o seu estado... estou ficando preocupada com você, tô falando sério agora, Simone. Acho que você deveria conversar com ela!

— Você acha? — Biles perguntou cheia de esperança.

— Claro que acho! Estamos aqui, nos arrumando para a abertura dos Jogos Olímpicos de Paris e você parece que vai para um velório! Bom, você precisa conversar com o Owens também, mas como ele foi embora e só volta semana que vem... Acho que pode falar com ela e admitir o que está sentindo. — Jordan falou.

— Admitir? C-como assim? Eu...

— Você está apaixonada por ela, Billys! Se apaixonou por Rebeca Andrade e está sendo atormentada por isso há tanto tempo. Sei que não deve estar sendo fácil, mas você precisa admitir isso. Tire um tempo para pensar e vá falar com ela, em nome de Jesus Cristo! — Jordan falou.

Estavam prontas, trajando a nata da alta costura. Fizeram algumas fotos oficiais e Simone tinha que admitir, estavam muito gatas! O terninho da Ralph Lauren, os tênis caríssimos, as joias, ela amava ser estilosa...  Partiram para a cerimônia de abertura.

O time americano tinha muitos fãs e as meninas já rodaram o mundo, mas pouquíssimas vezes, viram tamanha comoção. Um homem da organização, vestido com boina, camisa branca e calça creme apareceu alguns minutos depois que elas chegaram no desembarque e falava um inglês afrancesado. Receberam as instruções e continuaram por ali, juntos da delegação. Biles logo avistou outras pessoas de outras delegações, estavam fazendo uma verdadeira farra por ali, Jordan a alertou sobre os barris de cerveja patrocinados pelo Snoop Dog, mas ela definitivamente não estava no clima. O DJ logo começou a tocar uma ou outra música que elas gostavam e minutos depois, quase todos já estavam sem o terno.

— Descul... Sorry! — Biles ouviu alguém dizer a Jordan, que dançava atrás dela e quando se virou, deu de cara com Flávia Saraiva. Ela é da equipe da Rebeca, meu Deus, onde será que ela está?

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