Parte 40: O depois

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Marie estava feliz por ter ido estudar e ficar um pouco afastada do pai. Ela o amava e, sem dúvida alguma, ele era a pessoa mais importante na sua vida, mas viver uma realidade diferente da que estava acostumada, sem a supervisão atenta (e um pouco desesperada dele) tinha sido muito importante para o seu amadurecimento.

Nesses dois anos, ela sentia que tinha aprendido muito mais coisas do que conseguiria se tivesse ficado presa à fazenda. O colégio fazia viagens ao exterior com frequência e ela agradecia por Tio Nanon interceder junto ao seu pai para deixá-la ir em todas as ocasiões. Tudo o que ela viu e viveu ampliaram sua visão de mundo e, de certa forma, sentia que devia isso a ele.

Era curioso como Tio Nanon era a única pessoa que tinha coragem de enfrentar seu pai e, por mais que ele gritasse e chutasse as coisas, Tio Nanon não se abalava e ainda sorria. Nesses momentos, principalmente quando seu pai se trancava no escritório, ele costumava dizer:

“Daqui a pouco ele se acalma e nós vamos conversar como os adultos deveriam fazer.”

Durante o primeiro mês, por mais que ela se sentisse segura no colégio, vez ou outra seus pensamentos voltavam para os homens maus que poderiam tentar machucar seu pai. Não que ela pudesse fazer muita coisa para defendê-lo, porém essa preocupação tirava seu sono. Então, quando soube da mudança do Tio para o quarto de hóspedes e de Tio Chimon para o ateliê, ela ficou aliviada, pois era como se ele estivesse cercado e protegido de todos os males do mundo.

E em certo ponto era bom que ele tivesse uma pessoa tão prestativa, corajosa  e cuidadosa quanto Tio Nanon por perto; era visível como a presença deste amigo inesperado tinha transformado o jeito de ser dele. Seu pai tinha momentos de tristeza profunda desde que a mãe havia falecido e isso sempre a deixou angustiada. Entretanto, assim que Tio Nanon mudou para lá, o piano voltou para a casa principal e sua família parecia viva de novo.

Além desta alegria, ela notava o orgulho no semblante do seu pai a cada evolução sua no piano.

E mesmo que seu pai continuasse passando as noites sozinho no escritório, porque várias vezes ela acordou de madrugada e viu o quarto dele vazio, no dia seguinte, seus olhos brilhavam com uma felicidade diferente.

Marie pensava em todas essas coisas olhando para o pai e para Tio Nanon na sala de estar da fazenda. Esta era sua última visita antes do seu aniversário de 18 anos e, uma coisa que não tinha mudado, era o exagero do seu pai. Havia um grande esforço da sua parte para não discutir quando ele começou com o discurso sobre como a filha o tinha abandonado e não passava mais os aniversários em casa.

“Sabia, Nanon, que o último aniversário que minha filha comemorou junto comigo foi aos 14 anos, você tinha acabado de se mudar para o ateliê…” Ele contava como se ela não estivesse ao seu lado “Depois disso, nunca mais ela se dignou a vir para…”

“Pai! Meu aniversário de 15 anos também foi aqui!” Marie lançou um olhar suplicante para o lado, buscando apoio em Tio Nanon “O tio também participou naquele ano!”

“Ah, claro! Sim, sou um pai displicente com a minha filha!” Ohm falou “Depois disso, ela ficou toda independente e nunca mais teve tempo para vir ficar um pouco com este pai velho, desinteressante e chato.”

“Por favor, pai!” Marie deixou a cabeça tombar para trás e bater no encosto do sofá e expirou alto e com força.

Os aplausos de Tio Nanon a fizeram se endireitar novamente.

“Nunca vi uma performance de auto-depreciação tão boa!” Ele alternava entre erguer os polegares e aplaudir Ohm.

“Ahh, eu esqueci que o defensor dela estava aqui!” Ohm levantou e foi para o escritório.

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