Gabriel Barbosa pov's
Eu costumava amar as luzes. Os holofotes. O som da torcida gritando meu nome. "Gabigol! Gabigol!" A sensação de ser invencível, de ser o herói. Mas, com o tempo, essas mesmas luzes começaram a queimar, a sufocar. Agora, cada olhar, cada flash de câmera, parece mais uma sentença do que uma celebração. A pressão de ser o "astro" não é como descrevem quando você é um garoto correndo atrás de um sonho. Aos 28 anos, com o peso de uma carreira brilhante nas costas, percebo que o que eu mais queria no mundo é também o que mais me destrói.
O Flamengo estava em outra final importante, e como sempre, todas as expectativas recaíam sobre mim. É engraçado como as pessoas esquecem tudo o que você já fez quando erras uma vez. E eu errei. Muitas vezes. Dentro e fora de campo. A mídia nunca perdoa, e nem os torcedores. A cada gol perdido, a cada atitude errada, é como se eu fosse despedaçado em público, mil vezes. Mas o pior não é o que falam de mim, o pior é o que eu me tornei.
O "Quebra-Corações". Era assim que eles me chamavam. Não só pelos relacionamentos que eu destruí, mas pela forma como eu deixei de me importar com qualquer coisa que não fosse o que eu sentia na hora. Era mais fácil viver na impulsividade do que enfrentar meus próprios medos e falhas. Eu fui a promessa, o garoto que veio da base do Santos para ser o próximo grande nome do futebol brasileiro. Mas promessas também se quebram, e eu quebrei — várias vezes.
Eu estava deitado no sofá, com a TV ligada, mas o som estava no mudo. As imagens passavam rápido, notícias de transferências, críticas a jogadores... uma parte de mim sabia que meu nome logo apareceria. Não importava o que eu fizesse, tudo se tornava manchete. Mesmo nas minhas tentativas de desaparecer, eles me encontravam. Nas festas, nos bares, em qualquer lugar. Eles sempre estavam lá. Eu me tornei uma máquina de gerar cliques, uma marionete de manchetes sensacionalistas. A fama é assim: te ergue com uma mão e te derruba com a outra.
— Gabriel? — a voz de Lis me tirou do meu transe.
Ela estava na porta da sala, me observando. Eu sabia que ela estava preocupada. Lis era diferente de todas as outras. Talvez fosse isso que mais me incomodava. Ela não queria nada de mim, pelo menos, nada que eu estivesse disposto a dar. Ela não se importava com a fama, com o dinheiro, com o glamour. Ela queria o que eu mesmo já não sabia se ainda existia: o Gabriel verdadeiro. Mas será que esse cara ainda estava aqui?
— O que foi? — perguntei, sem desviar o olhar da TV, embora minha mente estivesse longe dali.
— Você está bem? — ela insistiu.
Queria gritar que não. Queria falar que estava cansado de ser esse personagem que o mundo criou. Mas o orgulho me impediu de ser vulnerável. Era mais fácil continuar naquela máscara do que admitir a verdade.
— Estou — menti. — Só cansado.
Lis se aproximou e se sentou ao meu lado. Ela tinha essa calma, essa capacidade de me fazer sentir que tudo poderia ficar bem, mesmo que eu soubesse que não ficaria. Ela não sabia o quanto aquilo me deixava mais nervoso. Eu não merecia a paciência dela, o carinho dela. Eu era um desastre ambulante, e no fundo, sabia que, mais cedo ou mais tarde, a bagunça que eu era acabaria atingindo ela também.
— Você não precisa carregar tudo sozinho, Gabriel — disse ela, como se lesse meus pensamentos.
Eu ri, mas era um riso amargo. Claro que precisava. Sempre precisei. Desde os meus primeiros passos no futebol, sempre foi eu contra o mundo. Eu não podia baixar a guarda. Não podia mostrar fraqueza. É assim que eles te destroem.
— Você não entende, Lis. Não é tão simples assim — rebati, me levantando.
Eu sabia que estava sendo cruel, que estava afastando a única pessoa que realmente se importava, mas não conseguia parar. Era como se toda a minha raiva, meu medo, estivesse sempre na superfície, pronto para explodir.
— Então me explica — ela disse, sua voz firme, mas não agressiva. — Me faz entender.
Eu a encarei, a mandíbula travada. Como eu poderia explicar algo que nem eu entendia? Eu estava afundando, e sabia que a levaria junto se ela ficasse perto demais.
— Você quer saber por que eu sou assim? — comecei, a voz mais alta do que deveria. — Porque eu nunca tive escolha! Desde que eu me entendo por gente, tudo o que faço é jogar futebol. Eu sou o Gabriel Barbosa, o Gabigol. Não há espaço para erro. Se eu falhar, é manchete. Se eu acerto, é obrigação. Não importa o que eu faça, nunca é suficiente. E agora, estou aqui... sozinho, sem saber mais quem eu sou.
Lis me olhava, os olhos cheios de algo que eu não conseguia identificar. Não era pena. Talvez fosse tristeza. Ou, pior, decepção.
— Você não está sozinho, Gabriel — ela disse, se levantando. — Eu estou aqui. Mas você precisa deixar alguém entrar.
Eu queria acreditar nela. Queria acreditar que, talvez, fosse possível alguém me ver além das manchetes, além dos erros. Mas o medo de decepcioná-la, de quebrar o coração dela como fiz com todos os outros, era maior.
— Eu não posso, Lis — sussurrei. — Eu sou um desastre.
Ela respirou fundo, como se estivesse se preparando para dizer algo que sabia que seria difícil.
— Talvez... mas até os desastres podem ser reconstruídos.
E com isso, ela saiu da sala, me deixando sozinho com meus pensamentos. Sozinho com a única verdade que eu sabia: o que quer que fosse aquilo entre nós, estava fadado a se despedaçar. Eu só não sabia quando.
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Entre Cicatrizes e Silêncios-Gabigol
FanfictionSinopse: "Você não vê que está me destruindo?" "Então, por que não me deixa aqui de uma vez?" "Porque eu me importo com você, mais do que deveria." Gabriel Barbosa, ex-camisa 10 do Flamengo, agora carrega o número 99, que simboliza o infinito - assi...