Capítulo 3: No Campo, No Limite

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Gabriel Barbosa pov's

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Gabriel Barbosa pov's

O Maracanã estava lotado. Como sempre. As arquibancadas vibravam, as cores vermelho e preto preenchiam cada centímetro do estádio, mas hoje o som parecia mais pesado. Menos celebração, mais cobrança. Eu conseguia sentir isso no ar, cada grito da torcida carregava uma mistura de esperança e frustração. E, no centro disso tudo, eu.

"Gabigol! Gabigol!" — ainda gritavam meu nome, mas agora era diferente. Não havia mais aquela devoção cega, aquela admiração incontestável. O que eu ouvia era a voz da expectativa se transformando em desconfiança. Eles estavam esperando algo. E eu sabia exatamente o que era. Precisavam de um herói. Precisavam que eu fosse o Gabriel de antes, o garoto que fazia gols como se fosse fácil, como se eu tivesse nascido para isso. Mas eu não era mais esse cara. Não sentia mais isso.

Eu estava sufocado. A pressão era palpável, como se o próprio estádio estivesse me observando, esperando o momento em que eu falhasse. Os rumores estavam por toda parte. "Gabriel vai sair no final da temporada", "O Flamengo já procura um substituto." E a verdade? Eu mesmo não sabia o que ia acontecer. Parte de mim queria fugir de tudo isso, deixar esse peso para trás. Mas, ao mesmo tempo, o que restava para mim se eu não tivesse o Flamengo? Se eu não tivesse o futebol?

Dentro do vestiário, antes do jogo, o ambiente estava tenso. A equipe sabia que precisávamos vencer. Não só para manter a disputa no campeonato, mas para provar algo. Provar que ainda tínhamos força, que ainda éramos o Flamengo. Mas eu? Eu precisava provar que ainda era capaz. Que ainda podia carregar esse time, mesmo com tudo desmoronando ao meu redor.

O técnico passou as últimas instruções, mas eu mal ouvi. Minha cabeça estava em outro lugar. Nas manchetes, nos rumores, nas críticas. O tempo parecia se arrastar enquanto eu vestia a camisa 99. Sempre foi meu número da sorte, o símbolo de algo eterno. Mas agora, esse "infinito" parecia mais um ciclo interminável de cobrança e frustração.

Quando pisamos no gramado, o som da torcida me atingiu como uma onda. Milhares de vozes gritando, pedindo, exigindo. Eu me forcei a não olhar para as arquibancadas. Precisava me concentrar. Precisava fazer o que sempre fiz: jogar futebol. Mas mesmo isso, algo que costumava ser tão natural, parecia forçado agora.

O apito inicial soou, e o jogo começou. Eu sabia que todos os olhos estavam em mim. Não importava o que os outros jogadores fizessem, se eu errasse, isso seria o destaque. Cada toque na bola era uma chance de acertar — ou de falhar.

Os primeiros minutos foram tensos. Eu corria, me posicionava, mas a bola não chegava até mim. O adversário estava pressionando forte, e o Flamengo lutava para manter o controle. A bola parecia não querer chegar nos meus pés. Toda vez que eu me movia para abrir espaço, algo acontecia. Um passe errado, uma interceptação, uma decisão precipitada. O jogo estava escorrendo pelas nossas mãos, e a torcida começava a perder a paciência. Eu ouvia as vaias misturadas aos cânticos. Eram discretas, no começo. Mas eu sabia que, se continuássemos assim, elas só iriam aumentar.

O técnico gritava à beira do campo, tentando reorganizar o time. Eu já estava ofegante. O cansaço parecia pesar mais do que o normal, mas não era só físico. Era mental. A pressão constante de saber que cada erro seria analisado, criticado e ampliado. E, no fundo, aquela pergunta me assombrava: o que eu estava fazendo aqui? Será que eu ainda pertencia a esse campo? Ao Flamengo? Ou será que já haviam decidido que eu não fazia mais parte dos planos?

Aos 30 minutos do primeiro tempo, finalmente a oportunidade apareceu. Arrascaeta me viu livre no meio da defesa, um espaço pequeno, mas o suficiente. Ele lançou a bola em profundidade. Meu coração disparou, e meu corpo reagiu por instinto. Eu sabia o que fazer. Controlei no peito, girando rápido, deixando o zagueiro para trás. Agora, era só eu e o goleiro.

Milésimos de segundos que pareciam eternos.

Deixei a bola quicar na grama e preparei o chute. A perna balançou, mas meu corpo hesitou. Um pensamento, uma dúvida. O goleiro avançou um passo a mais. Quando o chute saiu, senti que algo estava errado.

A bola não foi forte o suficiente.

Ela passou pelo lado direito do goleiro, mas desviada, lenta demais. O som que se seguiu foi uma explosão de frustração. Vaias ecoaram pelo estádio. Gritos de indignação. Fechei os olhos, o gosto amargo da decepção já se instalando na minha boca. Eu havia perdido. De novo.

Meu coração batia acelerado, mas não por causa do esforço físico. Eu sabia o que vinha depois. Cada erro alimentava os rumores. Cada falha só reforçava a ideia de que meu tempo aqui estava acabando. E, honestamente, talvez estivesse mesmo.

O resto do primeiro tempo foi uma batalha contra mim mesmo. Eu tentava me concentrar, tentava apagar o erro da minha cabeça, mas era impossível. Cada vez que a bola chegava aos meus pés, eu hesitava. Cada passe, cada drible, sentia que tudo estava sendo julgado. A confiança que eu tinha desaparecido. Não importava o quanto eu tentasse me convencer de que ainda podia ser o jogador que eles esperavam. Algo dentro de mim estava quebrado.

No intervalo, o vestiário estava um caos silencioso. O técnico falava, gesticulava, mas eu mal prestava atenção. Minhas pernas doíam, mas o pior era o peso no peito. Eu sentia a pressão, o julgamento de todos. Era como se o ar ali estivesse mais denso, mais pesado. Olhei ao redor, e por um segundo, me senti completamente deslocado. Será que eles ainda acreditavam em mim? Será que eu ainda tinha algo para oferecer?

O segundo tempo começou e, logo nos primeiros minutos, o adversário marcou. A torcida, que já estava impaciente, agora parecia estar à beira de um colapso coletivo. As vaias aumentaram. As críticas, os gritos, os xingamentos... tudo começou a se misturar em um borrão de som que me pressionava mais a cada segundo. E eu sabia que precisava reagir. Não para a torcida, nem para os rumores. Mas por mim.

Aos 70 minutos, outra chance apareceu. Dessa vez, foi uma jogada rápida pela direita. Recebi a bola na área. Um toque. Dois. Estava cara a cara com o goleiro outra vez. Ele me encarava, esperando o próximo movimento. Minha respiração estava pesada, o suor escorrendo pelo rosto. Não podia errar de novo.

Eu segurei a respiração, me concentrando apenas na bola, no chute que eu precisava acertar. O estádio desapareceu. Os gritos, as vaias, as críticas — tudo sumiu. Era só eu e o gol.

Chutei.

Dessa vez, a bola foi com força. Veloz, precisa, cruzando o goleiro e balançando as redes.

Por um segundo, o Maracanã ficou em silêncio, como se todos precisassem de um instante para processar. E então, o barulho. Um rugido que veio de todos os lados, a explosão de alívio misturada com celebração. Eu não comemorei. Não tive forças. Apenas caí de joelhos no gramado, olhando para o chão enquanto o time vinha correndo para me abraçar.

A sensação de alívio foi forte, mas passageira. Sabia que um gol não apagava meses de dúvidas, críticas e decepções. Mas, naquele momento, foi o suficiente para me manter de pé.

Enquanto meus companheiros de time me levantavam, eu senti o olhar da torcida sobre mim. Alguns ainda desconfiados, outros celebrando como se eu tivesse redescoberto o que sempre fui. Mas, no fundo, a pergunta que continuava ecoando dentro de mim era a mesma: quanto tempo mais eu conseguiria carregar esse fardo?

Eu não tinha resposta.

E a temporada ainda não tinha acabado.

Entre Cicatrizes e Silêncios-GabigolOnde histórias criam vida. Descubra agora