Hoje eu encontraria com a Isabela, minha amiga de infância do morro. Avisei meu pai que iria para casa dela, mas na verdade, iríamos para o baile.
Se a dona verônica sonhar que estou em um baile, ela surta.
Quando virei a última esquina, lá estava ela. Sentada na frente de uma pequena casa, o cabelo preso num coque desleixado, os olhos atentos ao movimento ao redor.
Era como se, apesar do tempo, eu ainda reconhecesse aquela expressão dela, mesmo com traços mais maduros e firmes.
O coração bateu mais forte e, por um momento, hesitei. Será que devia ter vindo?
Mas então ela me viu. Seus olhos se estreitaram por um segundo, e depois um sorriso lento, meio descrente, tomou conta de seu rosto.
-Mariana? -Isabela levantou, surpresa, e deu dois passos em minha direção.
-Sou eu- respondi, tentando sorrir de volta.- Faz tempo, né?
Ela me olhou de cima a baixo, como se estivesse processando minha presença. Então, sem dizer mais nada, me puxou para um abraço apertado. Era quente, familiar, mas ao mesmo tempo... diferente.
- Muito tempo, amiga -ela disse com a voz mais baixa, ainda me segurando.- Não acredito que você tá aqui.
-Eu também não. - Me afastei um pouco, olhando nos olhos dela.-Tanta coisa mudou... Como você tá?
Isabela riu, mas foi um riso curto, quase cansado.
- Ah, você sabe. A vida aqui não é fácil. Tô levando, como todo mundo. Mas e você? Nunca mais apareceu, sumiu... E agora surge aqui, assim, do nada?
- É complicado - suspirei.- Muita coisa aconteceu, Isabela. Eu nem sei por onde começar.
Ela fez sinal para eu me sentar ao lado dela. A energia dela estava calma, mas havia algo a mais ali, como se o morro tivesse deixado sua marca nela também.
- Aqui todo mundo tem uma história complicada, Mari. Mas se você veio até aqui, deve ser importante.
- É -admiti, olhando para as casas ao redor.- Eu não tô aqui só por acaso. As coisas ficaram... intensas. E eu precisava ver você.
Isabela me observava em silêncio, e eu sabia que ela estava tentando entender o que eu não estava dizendo. Finalmente, ela quebrou o silêncio.
- Bom, agora você me encontrou. E, seja o que for, eu tô aqui. A gente cresceu juntas. Eu sei quem você é, Mari, e sei que, se você tá aqui, é porque precisa de ajuda ou de uma amiga.
Aquelas palavras me acertaram como um soco no estômago, e eu percebi que era exatamente isso. Eu precisava de Isabela mais do que imaginava. E, mesmo depois de tantos anos, ela parecia entender isso antes de eu mesma admitir.
-Obrigada- murmurei. - Eu realmente preciso de uma amiga.
Ela sorrir e me abraçar de lado.
- Vamos para o baile- Isabela diz se levantando- vou te mostrar oque é vida. Dou um sorriso.
...
A música estava alta, pessoas se divertindo e sorrindo a toa. Era isso que eu queria lembrar pra sempre, como o viver pode ser bom.
- vai querer beber algo?- Isa pergunta enquanto ela estava encostada no banco do bar.
- um whisky- digo sem olha-la. Meus olhos estavam vidrados nas pessoas se divertindo, isso fez um sorriso inesperado surgir.
-você é muito pura para estar em uma lugar desse- Isa diz aproximando o copo. - seus olhos brilham para olhar isso. Sua mãe te prendeu muito Mari.
Ela tinha razão, minha mãe sempre tentou me proteger do mundo todo, me impedindo de viver, então eu acostumei a ficar em casa. Mas essa proteção toda... me levou para o mesmo destino.
- eu gosto disso- dou um gole olhando as pessoas dançarem, até que meu olhar se encontra com uma pessoa.
- o trovão está te olhando...- Isa diz perto do meu ouvido, e eu permaneci o olhar firme nele.
- então esse é seu apelido? Trovão?- dou uma risada pelo nome.
Era o mesmo homem que estava mais cedo sendo atendido pelo meu pai, ele não me olhou uma vez, e agora, ele não desviava o seu olhar.
- ele é o chefe- Isa diz dando de ombros.
-chefe do que?- desvio o olhar. - chefe do tráfico?- Isa assenti rindo.
- acho melhor a senhorita tomar cuidado com esse aí- olho confusa- um cara me contou algumas coisas sobre ele.
-tipo oque?- fico curiosa e volto a olhar para o camarote onde ele estava, mas ele some da minha vista.
- vou resumir para não ficar difícil de entender. Bom, o trovão é o chefe da favela toda, ele tem uma fama bem suja, dizem que ele mata sem dó. Também participa de lutas clandestina no galpão do morro, sempre quis ir lá mas não tive coragem. Eu nunca vi ele querer algo sério com alguém, a fama leva a cabeça mesmo- ela dá um gole da sua bebida.
- então ele é perigoso...- Isa assenti como fosse uma pergunta, mas eu estava afirmando para mim mesma.
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ATÉ UM DIA
FanfictionMariana descobre que está com câncer, e decide viver seus últimos meses como nunca. Ela passa um tempo na casa do seu pai que mora na favela, vivendo várias experiências, até que ela encontra ele... 23/10/24