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Dulce Maria Saviñon

Christopher viajou de madrugada, e o café da manhã sem ele não é a mesma coisa. Sua ausência foi sentida durante o dia, e as crianças ficaram mais agitadas. Felizmente, Margô e Alfonso me ajudaram. Brincamos de pique-esconde com elas, e Alfonso animou e entrou na piscina aquecida com as crianças. Eu não tive coragem de encarar o frio, e a minha menstruação resolveu aparecer e enquanto eles estavam lá, pedi ao senhor Paulo para me levar à farmácia. Eu não ia pedir para ele comprar absorventes para mim, né?

À tarde, fizemos pipoca e assistimos a um filme. Fiz uma chamada de vídeo com as meninas, e as crianças adoraram. Dante conquistou o coração do Christian, que prometeu fazer um bolo de chocolate para eles. O jantar correu bem, e Carmen está fazendo comidas normais agora. Só não abandonou o hábito de servir pratos prontos na mesa para cada pessoa. Eu prefiro a comida em estilo familiar, mas vai entender esse povo rico, né? Coloquei as crianças na cama e desci para a sala.

Alfonso estava sentado no sofá, vestindo calças de moletom e uma camiseta branca, com duas taças de vinho nas mãos. Ele me ofereceu uma e fiquei na dúvida se aceitava, afinal, eu estava trabalhando, né?

— Toma, vai. Faça-me companhia. Estou carente sem aquelas insuportáveis por perto. ― Ele disse com aquela carinha do Gato de Botas, sabe? Como resistir?

Grazie. ― Respondi em italiano.

— Olha só, temos uma brasileira arriscando o italiano. E o seu sotaque está ótimo. Parabéns.

— Estou me esforçando. Já entendo bastante coisa, mas quero manter segredo. Vou fazer uma surpresa para as crianças.

— Quando temos força de vontade, fazemos de tudo.

— Sim, acho a família italiana tão parecida com a brasileira. Sempre falando alto, todos ao mesmo tempo, com alegria. Gosto disso. Sempre quis ter uma família grande. ― Eu disse com um certo pesar, sentando-me no sofá ao seu lado.

— Você quase não fala da sua família, e já somos praticamente amigos, não é?

— Não tenho muito o que falar. Só tenho minha irmã, Christian e Madá. Eles são a minha família, e pronto. ― Disse, bebendo o meu vinho, cruzando as pernas em posição de borboleta e me recostando no sofá. ― E você? Como é a sua família?

— Fui criado pelo meu tio e tia, pais de Christopher. Eu costumava fugir para a casa deles quando não aguentava mais apanhar do meu pai. Eles cuidaram de mim até eu poder me virar sozinho. Minha mãe morreu de um aneurisma cerebral e tristeza. Às vezes, acho que foi melhor assim para ela se livrar do meu pai. Minha família é formada pelos meus tios, Christopher, Giovanni, Margô, que praticamente nos criou, as crianças, e pronto. ― Ele disse sorrindo, mas havia sofrimento em seus olhos. Eu podia ver isso.

— Nossa, Alfonso, sinto muito.

— Não se preocupe, as coisas acontecem por um motivo e eu me agarro a isso. ― Fomos interrompidos pelo som de seu celular recebendo uma mensagem, e ele olhou curioso.

— Olha só, tem uma entrega para você lá na guarita. Vou pedir para trazerem aqui. ― Ele disse digitando.

Quem poderia me enviar uma entrega? E aqui? – pensei.

— Tem certeza? Eu não estou esperando nenhuma encomenda. ― A campainha tocou e Alfonso se levantou para abrir a porta. Eu fiquei olhando para ele, e quando ele se virou, estava segurando um enorme buquê de rosas vermelhas e vinha em minha direção.

— Temos alguém apaixonado aqui. ― Ele disse, me entregando o buquê.

Eu ri nervosamente, peguei o buquê e havia um bilhete dentro de um envelope pequeno. Abri o bilhete sob o olhar curioso de Alfonso, e meu mundo desabou sobre meus ombros. O ar faltou em meus pulmões, e minhas mãos não eram capazes de segurar o peso do buquê. Eu joguei o buquê no chão e li o bilhete que dizia:

"Estava linda hoje, meu amor.

PS: Mal posso esperar para colocar minhas mãos em você

e terminar a nossa conversa."

Alfonso percebeu meu nervosismo, pegou o bilhete da minha mão e leu.

Ele me fez sentar no sofá e me perguntou:

— Você está bem? Você está pálida. ― Eu balancei a cabeça, confirmando... eu não sei o que estava confirmando, pois não estava bem.

Ele percebeu que eu estava assustada. "Ele me achou" Isso é tudo que eu conseguia imaginar.

— Dul, olhe para mim, respire fundo e solte o ar pela boca. ― Eu estava nervosa e não conseguia respirar corretamente.

— Ninguém vai se aproximar de você, não precisa ter medo. Você não está sozinha.

— Ele sabe onde eu trabalho e onde moro agora... Oh meu Deus, ele já sabe que Maite e Marta me ajudaram. Ele vai atrás delas. ― Eu disse em desespero, nem lembrando que Alfonso não fazia ideia do que eu estava falando.

Levantei e comecei a andar de um lado para o outro.

— Dul, me ouça, respire e se acalme, primeiro...

— Eu não sou capaz, eu não consigo. Eu não sei respirar. ― Eu disse já ofegante.

O ar não chegava, ele não existia. Eu estava em pânico.

— Você é capaz sim, você é forte pra caramba. Você não veio parar aqui à toa. Você teve ajuda sim, mas sem a sua força, ninguém conseguiria te ajudar. ― Ele disse gritando, segurando meus braços e olhando nos meus olhos.

O que ele está dizendo? Como ele sabia?

— Co... co... como você sabe? ― Eu não conseguia raciocinar.

— Sabemos algumas coisas, Dul, não tudo. Mas se você quiser se abrir, eu estou aqui, e principalmente Christopher. Ele quer te ajudar, só precisa que você se abra e permita.

— Permitir. ― Eu repeti a palavra que Maite também havia dito. Espera aí, "sabemos"? No plural?

— Alfonso, como assim sabem? O que vocês sabem? Como sabem? Por quê? ― Minha cabeça estava explodindo com muitas informações de uma vez só.

— Calma, Ragazza, vou explicar. Mas antes, sente-se aqui e beba água.

Não beba mais vinho.

Virei minha taça de uma vez, peguei a dele na mesa de centro e virei também. Ele estava digitando algo no celular e olhando para mim. Eu só queria sumir, não aguentava mais.

— Christopher está a caminho. A única coisa que vou te dizer é que investigamos todas as pessoas que trabalham na casa. Não podemos permitir que qualquer pessoa trabalhe aqui. E, por acaso, nos deparamos com a história do seu ex. Só isso. Relaxe. ― Só consegui focar no fato de que Christopher está vindo.

— Como assim? Christopher está vindo? Ele terminou a tal reunião mais cedo?

— Não, ele abandonou a reunião. ― Puta merda, por mim? Não, ele não faria isso por mim, faria?

— Agora vamos acabar com essa garrafa de vinho, e depois pegamos mais uma. E eu não vou sair do seu lado. Relaxe, você não está sozinha. Vamos esperar Christopher e Giovanni chegarem e veremos o que fazer. ― Alfonso se sentou ao meu lado, me abraçou e encheu nossas taças.

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