23 | ressaca

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O dia em Nova Iorque nasceu como era de se esperar: um sol forte, poucas nuvens e um movimento absurdamente grande. Seis e meia da manhã e filas de carros já se estendiam pelas principais avenidas da grande cidade. No Departamento nove, algumas pessoas já se aconchegavam em suas cadeiras giratórias e começavam um longo dia de trabalho... O Diretor Frankie já havia chegado e se encontrava organizando algumas papeladas em sua mesa. Tudo estava perfeitamente normal... ou quase.

Numa sala ao final do corredor, cuja porta era de uma madeira fina, se encontravam dois corpos imersos num sono aconchegante. A mulher, com seus cabelos louros reluzentes, se encontrava deitada sobre o abdômen do homem que trajava apenas sua boxer preta. Ela vestia uma blusa social branca, consequência do frio que fizera lá pela madrugada... Culpa do maldito ar condicionado que haviam esquecido de desligar. Mas, quem iria pensar nesses meros detalhes? John e Ashley haviam transado duas vezes naquela noite e qualquer vestígio de sanidade havia sido esgotada no momento em que começaram a beber aquele whisky barato. A garrafa de champanhe rolava vazia por debaixo da mesa de vidro que preenchia o ambiente, os copos perdidos pelo sofá e roupas espalhadas por todos os lados.

O cômodo poderia ser confundido facilmente com um quarto de motel ou qualquer coisa parecida.

Com um suspiro baixo, Ashley foi abrindo os olhos lentamente, como se um peso de cinco quilos houvesse sido posto sobre suas pálpebras. Roçou sua face no peito de John inconscientemente e logo depois sentiu uma pontada forte invadir sua cabeça; era como se algo tivesse perfurando seu cérebro, causando arrepios por todo o seu corpo. Dor filha da mãe. Apoiou uma das mãos sobre o corpo que lhe dava apoio e foi então que tudo girou, tendo que fechar os olhos fortemente para não vomitar ali. Seu estomago queimava como nunca havia acontecido, precisava urgentemente de boas garrafadas de água. Ergueu-se com dificuldade para ir até a cozinha, quando uma voz bastante clara gritou em seu interior avisando onde realmente estava.

Ashley sentiu sua cabeça comprimir e os olhos se arregalarem. Visualizou o seu companheiro de trabalho deitado no chão, com uma expressão de anjo – algo que poderia enganar muitas pessoas. Seu coração batia forte e seus pulmões novamente foram postos para trabalhar, tentando recuperar o máximo de oxigênio possível. Levou a mão esquerda até a boca, ainda encarando o corpo que descansava ali.

— Merda... — sussurrou. — Merda. Merda. Merda.

Os flashbacks da noite agitada começaram a invadir sua mente, como uma chuva que estraga um belo dia de verão. Ashley recordava-se de pequenas coisas e tudo aquilo estava a deixando enjoada; precisaria ir de encontro a um vaso sanitário o mais depressa possível. Mas, como?! Estavam no Departamento. Céus, eles estavam no Departamento. Baixou os olhos para o que conseguia enxergar de seu corpo e notou que trajava apenas suas peças intimas, juntamente a blusa de John.

Ela não podia acreditar. Um nó bloqueou a sua garganta e tudo o que conseguia pensar era em quão estupida havia sido em deixar que aquilo acontecesse, tentando de alguma forma controlar a dor insuportável que a acompanhava. Aproximou-se de John e o cutucou com a ponta do pé... Precisava de explicações. Precisava que ele estivesse sóbrio o suficiente para ela derramar toda a culpa sobre ele. Observou o rapaz se movimentar, abrindo os olhos com certa dificuldade e logo depois sentando-se; ele parecia um pouco perdido, mas logo ergueu o olhar encontrando Ashley. Seria a maneira perfeita de começar uma manhã, se as expressões dela não estivessem tão fechadas.

— Pensei que me acordaria com um beijo — ele brincou pondo-se de pé. Uma leve dor invadiu a parte posterior de sua cabeça.

A loira uniu as sobrancelhas analisando-o com certa incredulidade; como ele poderia brincar numa situação dessas? Aliás, nem ela própria poderia definir aquilo. Tudo girava, como se a sala estivesse sido acoplada a um carrossel em alta velocidade.

— A gente... — não conseguiu terminar a frase, apesar de ter quase noventa e nove por cento de certeza do que havia acontecido.

— Acho que sim — ele riu e logo depois bocejou, dando uma boa olhada na situação em que sua sala se encontrava. — Fizemos uma bagunça aqui.

— Merda — sussurrou outra vez. Suas mãos agora estavam no rosto, pedindo infinitamente que tudo aquilo não passasse de mais um pesadelo idiota.

— O que houve?

John aproximou-se verdadeiramente preocupado com as reações que Ashley demonstrava; antes mesmo dela se pronunciar ele pôs as mãos na face da mesma e a puxou para um beijo. Um beijo doce, repleto de afeto, um beijo que se pudesse congelaria o tempo e todas as outras coisas que os impediam de continuar ali. Foi na passagem desse pensamento que a loira se afastou subitamente, atordoada demais para elaborar uma frase. John a encarou e sentiu um aperto provocar uma sensação esquisita em seu peito.

— Você... — ela gaguejou. — Tem noção do que aconteceu aqui?

O agente apenas confirmou com um aceno de cabeça. Sua boca formando uma linha sem expressão.

— E não está arrependido?! — sentiu o tom de desespero em sua voz. Precisava sair dali.

— Ashley, por favor... — havia uma névoa cinza tomando conta de seus olhos azuis, congelando qualquer indicio de que a manhã seria diferente. — Eu pensei que...

— Você pensou que depois de uma transa nos casaríamos e viveríamos felizes para sempre?! — Ela questionou irônica. — Uau John, como você é sentimental.

— Por que está agindo assim? — ele parecia não acreditar no que ouvia.

— Você já parou para pensar que eu estava completamente bêbada? — Ashley ergueu as sobrancelhas como se houvesse acabado de resolver a cena de um crime. — Meu corpo estava repleto de álcool!

— E isso muda alguma coisa? — a voz grave manteve-se baixa, mas forte o suficiente para ecoar na mente da mulher. Ela trincou o maxilar.

— Bêbada eu vou para cama com qualquer um.

John sentiu um golpe duro lhe acertar o estomago e Ashley soube o quanto aquelas palavras o haviam atingido quando notou as mãos ásperas do rapaz se fechando num punho firme. As expressões de sua face haviam mudado completamente, numa fração de segundo; e com a deixa, a mulher começou a juntar as peças de suas roupas. Pôs a calça, logo depois sua regata preta e calçou suas botas. Não tinha tempo para ficar analisando John Cowen remoendo as palavras que ainda pairavam no ambiente e por mais que tentasse se convencer, sabia o quanto estava doendo em si fazer aquilo. Mas, não podia se dar ao luxo de sofrer por ele novamente...

— Agradeço a noite — disse sem olhá-lo e fechou a porta.

E antes de se afastar completamente, pôde ouvir o estilhaçar de alguma coisa frágil se chocando lá dentro. 

AGENTE 027Onde histórias criam vida. Descubra agora