11 | nunca a subestime

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A noite mal dormida deixara rastros profundos no contorno dos olhos azulados de John; contou três horas exatas que conseguira pegar no sono - ainda sim sendo atormentado por sonhos e mais sonhos que montavam um quebra-cabeça em sua mente. A cena do dia anterior ainda martelava em sua rotina, não havia um minuto em que a imagem de Ashley se materializava em sua frente lhe causando um momentâneo surto de raiva. Houve momentos naquela noite que doses de whisky já não satisfaziam a dor incessante que perfurava seu interior, lhe causando uma sensação tão absurdamente incomoda que tivera a coragem de tomar um comprimido para dormir. E mesmo assim não tivera o efeito que vinha descrito na bula; enfiou o travesseiro em sua cara tentando depositar ali toda a sua frustração. Não suportava a ideia em ter que ir para o Departamento nove, no incrível azar de encontrar a "Senhorita" Sullivan presente no grande corredor. Eram seis da manhã e seu filho Benjamin deveria estar dormindo, como de costume. Aliás, ele herdara uma de suas maiores qualidades: a pontualidade. Com um toque de ironia na frase inteira, é claro... Se for para chegar as oito no colégio, por que não as nove e meia?

Abandonou sua cama indo em direção ao banheiro. Necessitava de uns trinta minutos em baixo de uma ducha extremamente gelada, para que todos os pensamentos pesados pudessem descer pelo ralo. Tentava decifrar o que a mulher pretendia retirando o corpo de sua esposa do necrotério... Para que autopsias? Já haviam se passado oito anos desde o acidente, o que iria adiantar provar que todos os restos mortais eram realmente de Sarah? Levou as mãos aos cabelos, jogando-os para trás a medida em que a água penetrava os fios. A sensação era maravilhosa e ficar ali poderia ser uma ótima válvula de escape para o dia que estava lhe aguardando; a primeira coisa que faria seria visitar Frankie Deutsmond. O Diretor iria ser obrigado a tomar certas providências em relação a agente Ashley Sullivan... Foi então que sua mente congelou (novamente). Para que ela retirasse o corpo precisaria do consentimento do supervisor chefe de todo o Departamento, autorização daquele que dita as ordens pelo menos naquele espaço delimitado. Bingo! A obvialidade lhe atingiu tão fortemente que sentiu o estomago embrulhar. Estavam juntos nesse esquema e John precisava descobrir o quão antes o que estava acontecendo pelas suas costas. 

{...}

A hora passou rapidamente, já estava no caminho para deixar Ben na escola; o garoto estava quieto, não abrira a boca para conversar a respeito de nada - o que era bastante estranho devido ao comportamento que ele sempre explanou quando estavam no conversível de seu pai. John o observou pelo canto dos olhos, ele estava atento ao movimento que acontecia nas calçadas, ruas e outros ambientes que passavam rapidamente pela velocidade em que se encontravam. Parecia inquieto, as duas mãos postas sobre as pernas e a mochila encaixada perfeitamente em sua postura ereta. Ele definitivamente não era assim.

— O que houve, campeão? — o mais velho questionou retirando os óculos escuros do rosto. — Não trocou uma palavra comigo.

— Não é nada — sussurrou sem encará-lo. John aproximou-se do colégio estacionando em uma vaga próxima ao portão.

John prendeu a respiração tentando recuperar sua força perdida no dia anterior; essa havia se esvaído de uma forma tão leve que imaginou estar sendo atacado por alguma doença perigosa e fatal. Ver o filho tão indiferente a sua presença o deixou aflito, uma sensação incômoda lhe alcançou o organismo elevando o nível de preocupação do seu corpo. O que estava acontecendo com todos a sua volta? Ontem a mulher que se dizia sua companheira lhe apunhalou pelas costas da forma mais baixa que alguém pode planejar; descobriu no banho que o Diretor Frankie já sabia da armação e nem fizera o esforço de avisar ou deixar algum rastro de que aquilo iria acontecer. Harry estava afastado, sabe Deus onde havia se enfiado... E agora seu filho. O problema certamente deveria estar nele ou em algum de seus atos completamente irritantes. Consertou-se na poltrona de couro e pôs a mão no ombro do pequeno, recebendo um olhar cabisbaixo em retribuição.

— Vamos, Ben — pediu gentilmente tentando demonstrar sua compaixão. — Não gosto de ver meu campeão assim. O que houve?

— Problemas da escola — disse com uma incrível capacidade não conseguir mentir. Deixou um sorriso triste desenhar os lábios.

— Problemas? — John prendeu o riso. O pequeno comportava-se como um homem bem sucedido falando de seus negócios. — Então, você pode contar os seus... Que eu conto os meus. Uma troca justa, não acha?

— Tem uma garota — iniciou tentando obstruir o medo que havia nas palavras. — Na minha sala, mas acho que ela nem gosta de mim.

— Uma garota... — saboreou as palavras com certo alívio. Pelo menos o filho ainda suportava a sua presença. — Mas, por que acha isso? Você já disse que gosta dela?

— Você já disse pra Tia Ashley que gosta dela? — arqueou a sobrancelha clara numa espécie de ironia. As expressões do mais velho mudaram ao ouvir a pergunta retórica, sentiu a saliva lhe cortar a garganta. — As coisas não funcionam assim, papai.

— Tem razão — afirmou ignorando completamente as palavras anteriores. Ou quase completamente. — Não dê bola, uma hora ela vai perceber o que está perdendo. Afinal, você é um Cowen.

— E isso me ajuda em alguma coisa? — a expressão duvidosa ainda pairava sua face.

— Filho, melhor termos essa conversa outra hora — despistou apontando o dedo para seu relógio dourado. — Boa aula! 

Com um beijo depositado sobre a cabeça do pequeno, despediu-se com um sorriso nos lábios. O ânimo de Benjamin já havia sido aumentado, talvez precisasse apenas de alguns conselhos do pai. É claro que John mal sabia como se relacionar com as mulheres sem jogar algumas cantadas ridículas, mas a conversa – mesmo que conturbada, havia despertado o verdadeiro Ben que habitava naquele corpo minúsculo. Deu partida no carro vagando pelos pensamentos de como o seu herdeiro estava crescendo tão rapidamente... E ele o amava ainda mais. 

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