24 | mentiras

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John não conseguiu manter sua mente ocupada aquela manhã; ainda estava no trânsito voltando para seu apartamento quando as palavras de Ashley gritaram em sua cabeça causando-lhe fortes dores. Não sabia se era consequência das doses exageradas de álcool, mas ainda sim toda aquela situação lhe incomodava de uma forma sufocante. Em que momento da noite ele perdera totalmente o controle de suas emoções? Ele havia falhado em alguma coisa? Havia dito algo que a machucasse? Por que aquela reação o deixara tão revoltado? Por que sentia seu coração sendo esfaqueado a cada momento em que se lembrava da noite anterior? Apertou com força o volante e pisou fundo no acelerador, precisava urgentemente de um banho gelado e mais do que tudo, precisava da companhia de seu filho.

Minutos depois

Adentrou o apartamento e tudo o que pode notar fora o silêncio do local; deu uma checada no relógio de pulso e afirmou que já se passava das nove horas da manhã. Benjamin já estaria no colégio, o que lhe dava um bom tempo para eliminar toda aquela imagem de homem bêbado que tinha adquirido ao longo da madrugada. Estava exausto, seu corpo esgotado e sua mente trabalhando numa velocidade que nem o próprio sabia que era possível. Caminhava pelo corredor que dá acesso ao seu quarto quando sentiu algo se mover na sala e foi então que se lembrou do que não deveria ter esquecido. Sarah.

— Noite divertida?

A voz fraca da mulher cortou o silêncio como uma rajada de vento em pleno verão Nova Iorquino; John virou-se com cautela e deixou um suspiro baixo escapar por entre os lábios quando seu olhar a encontrou. Trajava uma camisola de seda vinho e seus braços estavam cruzados sobre o abdômen, típico de uma mulher que estava prestes a dar um sermão. Expressões fechadas e uma postura invejável, de quem não cederia fácil até que a verdade fosse dita... Mas, por mais que John quisesse contar sabia que não iria dizer o motivo de sua ausência naquela noite.

— Bom dia — disse mexendo na gravata, tentando centralizar todo o seu nervosismo ali.

— Você passa a noite fora e tudo o que consegue dizer é isso?! — Sarah arqueou as sobrancelhas.

— O que você quer que eu diga? — ele questionou, um sorriso nervoso formando-se em sua boca.

— A verdade — retrucou tentando controlar a raiva que crescia.

— Tive alguns problemas no Departamento, não tive tempo de avisá-la — mentiu livrando-se do blazer. — Eu sempre faço isso.

— Não me lembro de você passar noites foras na época em que estávamos juntos — descruzou os braços aproximando-se um pouco.

— Acontece que você passou quase oito anos morta, acha mesmo que as coisas não mudaram nesse tempo?

Sarah estava lutando interiormente para não despejar tudo o que sentia nas primeiras palavras que saiam de sua boca, mas perdeu-se completamente quando ouviu aquelas palavras. Estava ciente do que acontecera, certamente, mas jamais colocaria sua esperteza em evidência na frente daquele homem tolo. Passara a noite em claro, repensando com cautela todo o plano que vinha traçando desde aquele misterioso acidente que ela mesmo havia preparado. Estava farta de pessoas intrusas na vida conjugal que levava ao lado de John e nem mesmo em seu pior pesadelo, imaginaria ele se envolvendo com a queridinha agente Ashley Sullivan. Maldita seja essa vadiazinha. Era o que pensava todas as vezes que a imagem da loira surgia em sua cabeça, atrapalhando toda a sua linha de raciocínio; mas, uma morte a menos, ou outra a mais não faria diferença no caso que o Departamento tanto queria solucionar.

John arrependeu-se instantaneamente do que havia dito e teve a súbita vontade de desaparecer daquele lugar, distanciando-se o máximo possível até que toda a sua vida voltasse a girar como deveria ser. Levou as mãos ao rosto e logo depois as deslizou pelos cabelos, os jogando para trás. Sarah estava com os olhos cheios d'água, o corpo parecia tremer e toda aquela imagem de mulher ofendida só fazia o coração do homem inflar de remorso. Antes mesmo que seu subconsciente dissesse o contrário, ele caminhou de encontro a sua esposa e a envolveu num abraço forte, como se o ato fosse recuperar todo o tempo perdido.

— Me desculpe — sussurrou. — Eu tive uma noite difícil.

— Todos nós tivemos — ela respondeu contra o peito dele. — Dói muito escutar uma coisa dessas da pessoa que você ama.

Bêbada eu vou para cama com qualquer um. John pôde ouvir novamente aquelas palavras ecoarem em sua mente e sentiu um nó se formar em sua garganta, bloqueando completamente qualquer coisa que ele pudesse dizer para confortar a mulher que estava ali. Lembrar-se de Ashley o deixava em choque com todos os princípios que havia decidido seguir quando Sarah aparecera novamente em sua vida; a confusão em sua mente estava a cada dia aumentando, mas agora, com toda a tensão travando seus músculos, com seu coração sendo dilacerado com os pensamentos da noite anterior, ele soube exatamente o que não dizer para aquela mulher que estava em seus braços.

Eu sei exatamente como dói.

(...)

O apartamento estava em perfeita ordem. A sala recebia os raios solares do final daquela manhã, a cozinha não havia sido tocada e os outros cômodos pareciam tão solitários quanto aqueles que foram citados. Exceto pelo quarto principal. Ashley estava deitada em sua cama, com os olhos verdes abertos, encarando o lustre que enfeitava o ambiente. Não havia conseguido dormir desde o desastroso momento na companhia de John. Ainda tentava pôr em ordem tudo o que havia acontecido depois da primeira dose de whisky... Ou na segunda... Terceira... Tanto faz. Não conseguia acreditar no que havia feito. Despejar a culpa sobre o outro sempre fora a solução mais fácil, mesmo que errada e no momento que se dera conta de que estava na sala do seu companheiro de trabalho não encontrou outra alternativa. Ele merecia aquela culpa. Merecia sentir na pele tudo o que ela sentiu na noite em que Sarah Linoy ressurgiu dos mortos. Aliás, no que ela estava pensando mesmo?! John não merecia nada que viesse dela, nem mesmo os piores sentimentos, nem mesmo que ela perdesse o dia inteiro de trabalho.

Com esse rompante, ela ergueu-se da cama e foi de encontro ao closet retirando de lá: calças de couro, regata preta, jaqueta e botas. Ninguém merecia o seu sofrimento. Iria canalizar tudo o que estava sentindo em motivação para encerrar de uma vez o caso que tanto estava infernizando sua vida...Quanto antes o bandido fosse para cadeia, mais rápido ela se veria livre de John Cowen.

E ela desejava isso. Mais do que ninguém.



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