Capítulo 4

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Sete anos.

Sete anos de convivência, sete anos de confidências, sete anos de amizade.

Aproximo o rosto de Mike pelo zoom do celular. Não poderia negar, era um garoto bonito. Não, mais que isso, charmoso.

Aperto os lábios com força, meu peito está alto com a respiração contida. Volto a soltar o ar, devagar.

Ao mesmo que tempo que me sinto incapaz de repreender suspiros, sinto a necessidade de afastar os sentimentos de mim. Ele é seu amigo, Erika, ele está com uma garota diferente a cada semana. Ele não é a pessoa certa.

Ainda assim, voltamos da escola juntos todo dia. Os passos estão cada vez mais lentos, e a caminhada de vinte minutos se torna uma conversa de mais de uma hora.

O que aconteceu? Como passamos tanto tempo sendo apenas amigos?

— Erika! — Ouço um grito.

Me apresso em descer as escadas. Quando se trata da minha mãe, qualquer som é motivo de urgência.

Estou terminando o último lance de degrau quando a avisto.

Só de toalha e cabelo pingando, sua aparência é miserável. O rosto avermelhado numa careta de choro está terrivelmente contorcido, e se olhar para atrás verá uma trilha de água. Também, algumas gotas de sangue.

— O que aconteceu? — Corro para ajudá-la a se levantar.

Ao o fazer noto que está mancando. Ofereço meu ombro de apoio até ela se sentar no sofá.

Só então percebo o caco de vidro firmemente enfincado no peito do pé. Ainda escorre alguns filetes de sangue, o que faz a coitada uivar de agonia.

— Calma, calma, calma — Tranquilizo enquanto delicadamente removo o vidro — Vai ficar tudo bem.

Mas ela está desolada.

Curva a cabeça para trás, as lágrimas não pararam de descer nem por um segundo.

— Vai me contar o que te fez correr do chuveiro sem secar nem os pés? O que é tão urgente? — Tenho que usar a voz que pais usam com seus filhos mais novos. A condescendente.

Ainda com alguns ruídos, ela resmunga "Matheus"

Meu pai.

— O que ele fez dessa vez? — Pergunto.

Ela aponta com a cabeça em direção da porta. Só agora reparo estar entreaberta.

A deixo de lado, abrindo a porta em seguida. Na entrada, uma caixa de papelão com um envelope em cima.

Leio apenas a primeira linha: "Minha Maísa, estou me divorciando"

Entendo imediatamente a indignação da minha mãe.

Volto para dentro rapidamente, a acolhendo num abraço. Prendo firme seus braços, permitindo que chore em meu torso.

— E-eu o ouvi chamar — A voz tremia — Quando atendi... Quando atendi tinha isso. Eu não aguentei, filha.

— Tá tudo bem, tá tudo-

— Quem ele pensa que é?! — Ela se afasta abruptamente do abraço — Dizendo que vai se divorciar da atual pra mim? Como se eu estivesse o esperando todo esse tempo...

Não quero olhar em seus olhos pois eles me entregariam. Por muito tempo ela viveu assim e não houveram muitas melhoras.

— E eu estava sóbria a tanto tempo... — Volta a chorar. Minha camisa já está ensopada — Inferno! Inferno! Eu o odeio!

De repente, ela agarra ao meu rosto. Com as pontas dos dedos, segura firme meu queixo.

— Prometa que não vai se apaixonar por um cafajeste — Apesar da voz rouca, é notável sua determinação — Prometa que não vai me aparecer grávida nessa porta, apaixonada por um idiota que não vai assumir.

Assinto freneticamente.

— Sim, mãe, prometo.

Ela ainda avalia minha expressão por alguns segundos antes de me soltar. Pouco depois volta a melancolia costumeira.

É quase seu estado natural.

— Quer acabar como eu, Erika? — Pergunta, a voz baixa — Quer?

É doloroso negar.

— Pois bem — Ela seca os olhos, afastando as madeixas ensopadas da visão — Não deixe aquele garoto de trazer pra casa. Não mais.

Estou assustada. Ela notou?

— Eu- — Começo, nervosamente, mas sou interrompida.

— Sem desculpas. Conheço o tipo.

— É só o Mike, mãe. Meu amigo.

Seus olhos afiados estão na minha direção novamente. Ela parece capaz de examinar poro a poro da minha face e dali sugar verdades que busco esconder até de mim mesma.

— Eu já tive a sua idade. E é um não.

Não adianta discutir. Só reforçaria a ideia de que eu e Mike somos algo além do que já estabeleci.

— Tudo bem — Cesso, embora planeje continuar o encontrando. Apenas fora de seu radar dessa vez.

Estou levantando para buscar uma vassoura. Ainda há pedaços de vidro de cinzeiro no chão. Mas antes que possa atravessar a porta, recebo outro chamado da minha mãe.

— Hum?

— Erika — Sua voz carrega seriedade — Faça o que eu disse, tudo bem? Só dessa vez, me obedeça.

— Por que está tão certa disso? — Não aguento — Mal pressentimento ou qualquer outro tipo de superstição?

Ela nega com a cabeça.

— Ele só é... igualzinho o seu pai.




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