49. Insano

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Entrei de fininho, não havia ninguém na sala. Com certeza todos estavam no andar de cima.
Fui até o banheiro de baixo, fechei a porta com cuidado e me apoiei no gabinete; mil coisas passaram depressa em minha mente, eu ainda sentia aquela sensação de êxtase.
Tirei a camisa de Chance, toda encharcada de sangue, e joguei no chão; precisaria me livrar dela o quanto antes.
Com as mãos ainda trêmulas, abri a torneira e o jato de água forte fez com que respingos caíssem aleatoriamente no chão; fechei-a um pouco, fazendo com que desta vez saísse a quantidade certa de água. 
Juntei as mãos abertas e peguei um punhado de água, trazendo até o meu rosto e fazendo escorrer a mistura de sangue e água pelo ralo da pia.
Lavei meus braços e meu peito. Tentei limpar as gotículas superficiais de sangue que haviam em minha calça. Aos poucos, fui me recompondo.
Por fim, quando achei que podia sair sem que fosse notado,  Roy entrou de repente no banheiro que eu não havia trancado.
— Hey, aonde estava? Por que não atendeu minhas ligações?
— Vim andando... — Com o pé empurrei a camisa suja pra baixo do gabinete. — Meu celular... ficou sem bateria.— Desviei dele e sai do banheiro, na intenção que ele me seguisse, antes que percebesse o cheiro de sangue.
— Por que está sem camisa? — Ele me acompanhou até a sala. — E molhado? Está tentando seduzir alguém? — soltou uma risada gutural.
— Derrubaram vinho em mim, voltei pra colocar a camisa de Chance pra lavar, antes que a arruinasse...
— Procuramos você por toda parte, poderia ter avisado.
— Foi mal...
Segui até a lavanderia, em busca de uma nova camisa, antes que mais alguém me perguntasse se eu estava bancando o galã de seriados de vampiro.
Enquanto eu revirava o cesto de roupas lavadas, percebi Roy se aproximando e parando atrás de mim; pigarreou, afim de chamar a minha atenção.
— Desde quando está mentindo pra mim? — Balançou a camisa de Chance pendurada nas pontas dos  dedos.
Fiquei parado, encarando a camisa ensanguentada, que ele segurava como se fosse a prova de um crime, mas ele sabia que aquele sangue era meu. É claro que Roy, o melhor rastreador daquela família, iria perceber algo de errado naquele banheiro.
— Roy... — Comecei, sem saber ao certo qual desculpa daria. E Roy, me conhecendo, sabia que eu tentaria achar um jeito de sair dessa sem precisar contar.
— Pode me dizer a verdade, ou então Chance pode te obrigar... Acho que o que quer que seja, você não iria querer dividir com todos.
— Não faria isso...
— Faria. Pode ter certeza de que se um de nós estivesse em perigo, eu não hesitaria.
— Eu não colocaria nenhum de vocês em perigo.
— Não estou falando de nós.
Houve um pequeno silêncio, até que eu entendesse o que ele queria dizer. Era ameaçador, e chegava até a ser engraçado, a maneira como ele conseguia mudar seu humor tão rapidamente. Agora, ele só queria saber; e não estava pra brincadeiras.
— Não estou em perigo.
— Não é o que diz a profecia.
— Dane-se a profecia, Roy! — Aquilo ainda me tirava do sério.
— James, o que quer que seja, podemos resolver juntos! Eu achei que você contava comigo, como sempre foi... O que mudou?
— Roy, não está acontecendo nada!
— Por que eu não acredito em você?
Suspirei sem respostas, mas ele ainda esperava por uma. Com os ombros cansados e baixos, comecei a falar.
— Eu não estava muito bem na festa... Fui até o gazebo pra me distanciar e ficar parado, pra tentar fazer com que aquela sensação incômoda cessasse... Não cessou. Vomitei todo o sangue da caça da manhã de hoje. Megan me encontrou, e eu estava sem forças pra sair de lá, então ela me ajudou e me trouxe pra cá. Não quero alarmar a todos, em especial Robert; ele precisa de um momento só dele. Eu estou bem, já passou; talvez me alimentei de algum animal doente, não sei... Só sei que agora estou ótimo, como pode ver.
— Bem... Não está sentindo mais nada?
— Não. Absolutamente nada.
— Hum... Só por desencargo de consciência, você nunca mais... provou, hum... você sabe, a fruta.
— Não, não. Eu não seria capaz, não depois do que você passou.
Ele assentiu, parecendo mais aliviado.
— Agora, se não se importa, eu gostaria de me livrar disso. — Apontei pra camisa que ele ainda segurava.
— Ah, sim. É sua. — Jogou pra mim, sem se importar; peguei-a no ar.
— Espero que Chance não se importe... — Peguei um balde de alumínio, e joguei a camisa dentro. Roy correu até a dispensa, e voltou com ácool, fósforo e vinagre.
— Por que o vinagre?
— Disfarçar o cheiro. — Ele jogou o ácool, um pouco de vinagre, riscou o fósforo e lançou até o balde, fazendo com que a camisa pegasse fogo imediatamente.
Eu odiava ter que mentir para o Roy; tão poucas vezes ele duvidou de mim. Saber que enquanto eu omitia a verdade, ele estava mais uma vez sendo meu cúmplice; mas é claro, eu não poderia envolvê-lo em algo que fugia o feitio até do mais insano Roy.
Megan me levou até sua casa; todos já estavam dormindo; na verdade, fomos diretamente até o porão, aonde lá estavam as bolsas de sangue num pequeno frigobar velho.
Megan me ajudou a descer do carro, e quase rolamos escada abaixo. Ela me jogou numa cadeira velha de madeira, visivelmente esgotada.
— Cara, você é um chumbo! — reclamou, sentando também e tentando recuperar o fôlego.
— Olha o meu tamanho e o seu.
— Espero que consiga sair daqui andando, por que olha, não vou te ajudar a subir essa escada não.
Eu queria rir, mas estava fraco demais até pra isso.
— Avisou seus irmãos que iria trazer a bêbada pra casa?
Com dificuldade, peguei meu celular do bolso, estava no vibra e com 1% de bateria, havia 12 chamadas de Roy, 7 de Liz e 5 de Ben.
— Esqueci... Nem seu eu quisesse avisar agora, desligou. — Mostrei a tela preta.
Ela levantou e se dirigiu até o Frigobar; pegou duas bolsas de sangue e caminhou até mim. Senti meus olhos crescerem enquanto seguiam ela pelo pequeno percurso.
— Não vou beber tudo isso.
— Precisa.
— Combinamos que seria apenas um gole.
— James... — Ela puxou uma cadeira e se sentou em minha frente, com as bolsas na mão; eu não conseguia desviar os olhos. — Um gole não vai mudar nada. Seu corpo está totalmente sem sangue.
Franzi o cenho, aflito. Finalmente consegui desviar os olhos das bolsas, fitei um ponto na parede, irritado comigo mesmo.
— Uma bolsa, apenas. — Ela levantou uma delas; me mostrando, pelo plástico transparente, como o liquido lá dentro pendia de um lado para o outro.
Sem pensar muito, peguei a bolsa de sua mão. Era uma boa oferta, apesar de que ainda assim, seria muito sangue.
Olhei atentamente, antes de Megan puxar o tubo da bolsa, fazendo com que o cheiro saísse. Olhei rapidamente pra ela e ela assentiu uma vez, me encorajando.
Levei a bolsa até a minha boca e suguei uma vez, pela pequena passagem. Senti o sangue encostando em minha língua; o sabor e o aroma se juntaram, me trazendo uma sensação indescritivelmente boa; junto dela, um frenesi que só senti uma vez, quando assassinei o meu melhor amigo.
Meus dedos se coligiram involuntariamente, apertando com ímpeto a bolsa, fazendo com que muito mais sangue saísse dela. Fechei os olhos e tive a sensação de que a furei com os dentes.
Bebi todo o sangue em grandes e impávidos goles. Quando notei que nada mais saía, abri os olhos e me lembrei que eu estava defronte à Megan, ela sorria. Por um momento fiquei constrangido; embora isso fosse o que ela dizia ser certo, em minha cabeça continuava sendo errado, mesmo sendo o que eu precisava naquele momento, ainda assim eu estava infringindo as regras.
—Seus olhos! Voltaram a cor normal! — disse com alegria. — Mais uma? — Ela levantou a outra bolsa de sangue.
Levantei-me inopinadamente, mal eu sabia que já havia recuperado as forças.
— Não — falei com firmeza. — Eu preciso ir.
Caminhei sem escrúpulos até a escada.
— Calma, espera. Eu te levo.
— Não. Eu posso ir andando, prefiro ir andando.
Sem deixar brechas para que ela pudesse dizer mais alguma coisa, corri até a rua. E de lá fui embora em passos normais, mas oscilantes. Minhas mãos tremiam impulsivamente e um turbilhão de pensamentos corriam pela minha cabeça. Me dei conta de que eu estava em estado de êxtase. Eu queria correr, mas não queria chegar tão cedo em casa, aquilo precisava passar.

— Então... Quando vai contar à Jenny? — Roy perguntou, me fazendo voltar à lavanderia. Me lembrei que depois de tudo, ainda teria que me preocupar com isso. Aliás, preocupação que Megan me prometeu ajudar, mas nem ao menos dei a chance.
— Você sabe?
— Tá brincando? Todos viram. Foi a atração do ano.
Roy pegou uma vasilha com água e jogou dentro do balde, fazendo o fogo apagar. A camisa já havia virado cinzas.
— Todos?
— Bem, nem todos, mas consideravelmente. Eu, Veronika, Ben, Liz, umas garotas chatas que estavam próximas de nós quando Veronika quase teve um chilique...
— Não sei... Devo contar?
— Deve terminar com ela.
— Ela vai querer saber o motivo...
— Então conta. De qualquer maneira um dia ela vai ficar sabendo.
— É melhor que seja por mim...
— É melhor que seja rápido.

Na manhã seguinte Liz estava animada, conversando com Robert e Kate pelo Skype. Parecia que estavam em Veneza há semanas.
— Vocês estão bem? Ninguém se matou de ontem pra hoje? — Robert percorreu os olhos pela sala, por trás de Liz. Ela deu espaço para que ele visse todos sentados no sofá, menos Chance. — Aonde está meu primogênito? — Ele tentava brincar, mas no fundo do tom de sua voz, ainda soava preocupação.
— Ele ainda está sensível, nada que uma boa noitada não resolva.
— Acho que não escutei direito, Roy... — Veronika apareceu no Hall de entrada, tentei olhar se estava sozinha. Tive a confirmação quando ela fechou a porta.
— Estou brincando, amor! — Ele fez uma careta, sem graça.
Reprimi um riso.
— James! — Veronika gritou. — Tenho que te parabenizar, poucas pessoas conseguem se tornar cunhado duas vezes ao mesmo tempo.
Foi a minha vez de fazer uma careta, sem graça.
— Perdi alguma coisa? — Robert perguntou na tela do Notebook.
— Não soube da maior novidade do ano? James e minha irmã deram um passo à frente, finalmente!
— O que?! — Kate gritou empolgada, aparecendo na tela. — Não posso acreditar que eu não estava lá pra ver isso!
Agora eu estava oficialmente constrangido.
— Pessoal, o assunto não era o meu beijo com Dakota há menos de um minuto atrás, vamos voltar ao assunto interior?
— O que?! Teve beijo? — Kate gargalhava e Robert se divertia. Todos me olhavam, rindo também.
— Estou me sentindo na sexta série. 
— Minha filha não perde tempo mesmo! Cuida bem dela, hein, garoto! Quando eu voltar te dou um abraço de sogra!
Abaixei o rosto e cocei a testa, tentando disfarçar a vergonha.
— Bem vindo ao time — Roy deu um soco em meu ombro, aproveitando a situação.
— Bom, precisamos desligar, por que agora vamos fazer um passeio romântico — Kate abraçava Robert, com um grande sorriso no rosto.
— Fico mais tranquilo vendo que estão todos bem.
— Beijo, pai! Beijo, Kate! — Liz beijou a tela do Notebook e fechou. Logo em seguida alguém bateu na porta.
Levantei-me e fui atender. Ao abrir a porta, fui surpreendido com Megan. Encarei-a sem dizer nada, como se ela fosse a prova de um crime que cometi, o que em partes era verdade.
— Relaxa, prometi ao Matt que o levaria na melhor hamburgueria de Juneau. — Ela passou por mim e entrou. — Oi, pessoal!
Todos a cumprimentaram e eu continuei parado.
— Oi, Megan! Espera um momento, vou buscar minha carteira lá em cima. — Matt subiu as escadas correndo. E eu segui até a cozinha, dando um sinal para que ela viesse também.
Megan veio até mim, com a expressão de curiosidade. Abri a torneira, o barulho do jato de água faria com que os que estavam na sala não pudessem entender qualquer coisa que eu dissesse em voz baixa.
— Matt não pode saber — murmurei o mais baixo possível. 
— Não vou contar — ela disse no mesmo tom de voz. — Relaxa.
— Preciso de ajuda pra contar à Jenny sobre a D.
— Tá louco? — Imediatamente tampei sua boca com minha mão; em seguida espiei a sala, estavam conversando sem se importar conosco.
— Fala baixo!
— Você não pode contar! Não se precipite, vamos resolver isso com calma.
— Megan, não posso demorar.
— Não vai. Alguns dias não vai matar ninguém.
— Dias?!
— Sim, dias! Cara, você sabe que fez uma grande besteira, né? Não vai arrumar de uma hora pra outra. Não tem como elas saberem, relaxa!
— Pare de me dizer pra relaxar!
— Então relaxa! — Ela riu, me provocando e voltou pra sala. Matt já estava de volta, por um momento parecia estar esperando eu e Megan terminar o assunto secreto. — Vamos?
Eles saíram e logo em seguida Chance apareceu no parapeito.
— Eu espero encontrar esse cupido e matá-lo antes que ele me fleche também — disse, descendo as escadas.  


Meus amores, desculpem a demora! Tá difícil administrar tantas coisas e enquanto a inspiração não vem, eu não posto capítulo hahah
Espero que estejam gostando, e quero agradecer que mesmo com a demora continuem acompanhando!Uma coisa eu garanto, nunca vou abandonar esse livro e deixá-lo sem um final! Então não importa quanto demore, eu sempre volto! hahaha
Votem e não esqueçam de comentar o que acharam! :*

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