38. Aniversário

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- Vamos, rapazes. Vocês parecem moças se arrumando! - gritou Rob da sala.
- Só mais um minuto, pai. Já estamos indo! - gritou Roy.
Estávamos no banheiro. Jenny havia cortado meus cabelos na semana do ano novo, e eu não havia aprendido a arrumar desde então. Roy tentava arrepiar, já que eu havia desistido.
- Desista, Roy. Não vai ficar em pé.
- Fique calmo, eu vou conseguir.
- Eu estou calmo - murmurei.
- Então pare de falar.
Suspirei impaciente.
- Irei sem vocês vocês! - gritou Rob, novamente.
- Roy, chega. É mais fácil fazer com que eles conversem comigo do que todos ficarem de pé. Sempre vão ficar bagunçados.
- Ah, eu desisto! - Ele jogou o pente que se tornou inútil em meus cabelos, na pia. O pente partiu-se ao meio. - É impossível!
Eu ri.

Fomos para a festa.
O salão estava cheio, e a cada minuto chegava mais pessoas. Quando entrei, senti um bem estar; aquele lugar tinha um cheiro agradável.
- Que bom que vieram - disse Kate se aproximando. - Está bonito, James.
- Obrigado.
Logo atrás estava Veronika. E eu fiquei me perguntando onde estava Dakota.
Todos nós - um de cada vez - cumprimentamos-a e desejamos um feliz aniversario.
Kate nos apresentou a dezenas de pessoas; nos retratava como seus futuros filhos e a Robert como seu futuro marido.
- Cara, não estou gostando dessas pessoas - murmurou Roy ao meu lado.
- Por que?
- Olha com que cara estão me olhando.
Olhei a nossa volta, algumas pessoas realmente tinham a expressão enojadas e algumas cochichavam.
- Por que estão olhando assim?
- Kate e Robert um dia irão se casar, tecnicamente eu e Veronika seremos irmãos.
- Ignore, Roy.
- O que estão pensando? Estamos no século XXI! E nem somos irmãos de verdade!
Eu ri com a revolta dele.
- Há quanto tempo não vê Dakota?- perguntou Roy, enquanto olhava fixamente pra um lado.
- Muito tempo...
Olhei momentaneamente para a mesma direção em que Roy olhava, e vi Dakota. Estava no meio da pista de dança, com um vestido cinza claro, curto e de mangas compridas. Ela não estava dançando, estava conversando com uma garota morena e baixinha; sempre tão doce e amável com todos.
Ela se virou, sem mais, nem menos, e seu olhar parou em mim. Com tantas pessoas no salão, aqueles olhos brilhantes pararam justamente em mim. E então, por aqueles meros e vagos segundos, eu imaginei que estávamos sós naquele salão lotado. Mas aqueles instantes mágicos de entusiasmo interno acabaram quando o canalha chegou.
Aquilo era tortura; vê-la com outro era uma tormenta que eu tinha de suportar calado. Raramente eu os via juntos; ele não ia à casa dela e sempre faltava as festas e reuniões... Ultimamente era ela quem faltava. O problema não era saber que estavam juntos, e sim ver que isso era real.
- Eu não devia ter vindo - falei, me virando para o lado oposto.
- O que? É claro que devia- disse Roy, e olhou novamente pra Dakota, agora vendo-a com Alex. - Esquece os dois, curta a festa.
Abaixei a cabeça e dei uma risada baixa e sarcástica.
Senti o cheiro de Dakota se aproximar, pensei em andar e evitar o que seria um encontro constrangedor, já que ela estava com Alex.
- James - chamou Kate. Virei-me relutante; ela estava acompanhada de Dakota.
Kate tentava o tempo todo juntar eu e Dakota. Fiquei pensando se ela sabia de algo, pra ser mais específico, se Robert havia contado algo. Mas ele me garantia que não, então eu simplesmente fingia que não percebia o modo como ela naturalmente criava encontros entre nós.
- Parabéns, Dakota - Roy a abraçou.
Olhei para o lado e vi que só estávamos nós três, Kate já havia se retirado sem eu perceber. Franzi o cenho e cocei a nuca, inquieto.
Ela olhou pra mim e reprimiu um riso. Franzi ainda mais o cenho.
- Oi, James - disse, com aquela curva no canto dos lábios, de quando queria rir.
- Oi... - Sorri, sem graça. - O que foi?
- Por que está nervoso? - perguntou, num sorriso brincalhão.
- Não estou nervoso - garanti, mas o meu olhar soslaio me entregava.
- Está fazendo aquilo... com as mãos na nuca. - Ela riu.
Tirei imediatamente. Pisquei várias vezes, num sorriso amarelo.
- Er... Feliz aniversario, Dakota.
Pensei em abraçá-la também, aliás, eu queria muito abraçá-la. Mas não... Me conti. Até que Roy me empurrou para cima dela. Hesitei ao envolver meus braços em seu corpo delicado, mas ela me envolveu primeiro. Percebi que o cheiro vinha dela; aquele cheiro desconhecido e doce - que agora estava mais forte, devido à proximidade. - Fechei os olhos, e concentrei-me naquele momento.
- Te desejo toda a felicidade do mundo - sussurrei em seu ouvido. Ela não imaginava o quanto isso era verdade. E o quanto eu não considerava isso uma metáfora.
O meu corpo começou a esquentar. Ah... há muito tempo eu não sentia aquela sensação maravilhosa que só ela causava em mim.
Quem dera se esse tempo sem vê-la fizesse o meu amor acabar. Eu não sabia se eu realmente queria que acabasse, mas de uma coisa eu estava certo: o tempo passa, e o sentimento fica.
- Obrigada - ela disse.
Por que ela não me soltava? Pensei se ela queria que eu dissesse algo mais? Ou era saudade? Não. Por que ela sentiria saudade de mim? Eu sentia que meu corpo estava prestes a entrar em combustão.
- Dakota - alguém rompeu o meu vislumbre, e talvez o dela também, se é que ela estava tendo um. - O que é isso?
Ela desfez o abraço, se afastando de mim. Abri os olhos, e Roy já não estava mais lá. Olhei para o lado e era Alex quem havia rompido o meu vislumbre. Semicerrei os olhos, desejando matá-lo.
- Você pode me explicar, Dakota? - disse Alex num tom arrogante.
- Não há o que explicar. Ele só estava me desejando feliz aniversario.
- Ok, já desejou. Agora vamos. - Ele puxou-a pelo braço.
- Está me machucando, Alex. - Ela disse baixinho numa careta.
- Hey, tire as mãos dela! - Avancei um passo para afastá-la dele.
- Encoste nela ou em mim e vai ver as minhas mãos mais de perto, de novo - terminou a frase com pouca voz e Dakota não percebeu.
- Eu não ficaria surpreso se estragasse a festa de sua namorada.
- Cale a boca!
- Solte ela, Alex. Não quero brigar.
- Por que? Está com medo?
- Alex, pare - ela pediu e olhou para os lados, verificando se havia alguém assistindo a cena.
- Não tenho medo de você, Alex. - Deixei escapar um riso. - Só que você está machucando ela e eu não quero precisar usar a força pra evitar que continue.
- Força? - Ele riu alto. - Não estou machucando ela. Só quero deixar claro que o que é meu, ninguém toca! Ainda mais você, que já vem de uma família estranha e a persegue desde o dia em que a conheceu. Quem garante que não é um psicopata?
Tentei permanecer indiferente, mas era quase impossível com todas aquelas incitações.
- Se você é tudo isso que diz, então mostre!
- Alex, você não me quer aqui, ok! Então vamos! - Agora era Dakota quem o puxava.
Eu permaneci duro, e olhava fixo pra ele. Ele riu.
- Como eu imaginei. Não tem coragem.
Ele virou as costas e saiu; Dakota o acompanhou por obrigação, mas virou discretamente e sussurrou um "desculpa" pra mim.
Continuei ali. Então alguém veio por trás e pegou em minha mão que estava fechada em punho sem eu perceber; passou os dedos me fazendo abri-la.
Olhei para o lado, era Megan. Ela me olhava num sorriso angelical e me puxou para fora do salão. Passei por Roy que dançava destrambelhado sem notar nada ao seu redor.
- Precisa se acalmar - disse baixinho.
Percebi que minha respiração estava ofegante. Seguimos até um banco do lado de fora e sentamos nele.
- Queria voltar lá e arrancar a cabeça dele! - vociferei.
- Mas não vai fazer isso, né? Você é um vampiro bonzinho, lembra disso?
Coloquei as mãos no rosto, controlando minha respiração.
- Depende de como você define "bonzinho".
Ela riu, mas minha intenção não foi ser engraçado.
- Seus olhos estão... vermelhos... de novo - ela disse hesitante.
- Sério? - Olhei pra ela de imediato.
Ela assentiu com condolência.
- Droga!
Virei-me e olhei pra baixo.
- Não era pra isso estar acontecendo... Cacei dois muskox hoje.
- James... Eu tomei a liberdade de me aprofundar sobre isso pra te ajudar.
- O que você fez, Megan? - Olhei preocupado pra ela.
- Liguei para Lester... E ele me explicou o por que de seus olhos se tornarem vermelhos de uma hora para outra.
- O que? Você ligou para Lester? Megan, eu te pedi pra não fazer isso!
- Calma! Eu não falei que era você.
Continuei olhando pra ela, procurando por vestígios de algo que pudesse me esconder.
- James, eu quero te ajudar. Não estou tentando piorar tudo - ela me garantiu, assim que percebeu minha desconfiança.
- Desculpe.
- Mas então... Você estava certo quando disse que achava que seu pai omitia algo. E talvez você não goste do que ele me falou.
Fechei os olhos, decepcionado.
- O que ele te falou? - perguntei sem ânimo.
- É da sua raça, James... O problema não está em você, nem na quantidade de sangue que está ingerindo. Os Scarlys precisam de sangue humano... O que está fazendo é como dar água para um recém nascido, quando ele precisa de leite, entende?
Não respondi, tentando assimilar o que ela estava me dizendo.
- Está querendo me dizer que...
- Que você precisa trocar o sangue animal pelo sangue humano. Seu corpo está em mudança, James; e ele está tentando te dizer que o sangue animal não está mais fazendo tanta diferença.
- Não, Megan. Fui ensinado a me alimentar de animais, não posso fazer isso agora.
- James, não é você quem escolhe. Você precisa! Você é um Scarly desde o dia em que foi transformado, aceite isso.
- Não vou fazer isso. Não quero ser assim! Eu coloco lentes, posso viver desse jeito.
- Se fosse só isso, tudo bem, mas não é. Não são só seus olhos; isso é uma das coisas que podemos ver, mas ainda há mais coisas em mudança. James, esse é só o começo... E é algo que não há como reverter.
Fechei os olhos, não querendo acreditar em tudo que ela me dizia, mas eu podia sentir as mudanças... E já havia começado a meses atrás.
- E se eu não beber? - perguntei, pesaroso.
Ela demorou a responder.
- Você morre.
Encostei a cabeça na parede atrás do banco. Tentando pensar numa saída, mas minha cabeça girava e eu não conseguia pensar em nada... E nem podia, afinal, isso era novo pra mim. Aconteciam coisas comigo que eu nem ao menos sabia quando ao certo começaram, e nem como.
Então avistei Dakota se aproximando, ela vinha em nossa direção.
Levantei depressa e olhei pra Megan, afim de evitar um olhar direto com Dakota, ela via apenas minhas costas.
- Ela não pode me ver assim.
- Então vai, sai daqui!
Sem demora segui em direção ao estacionamento, não olhei pra trás, mas pude ouvir elas falando.
- Aonde ele está indo? - perguntou Dakota.
- Embora - Megan respondeu.



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