35. Porto Seguro

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Jenny caminhava devagar até a mim; olhei instintivamente para os lados. Era estranho a sensação que meu inconsciente causava a mim; a presença de Jenny me preocupava, me deixava aflito, como se a qualquer momento algo ruim pudesse acontecer. Se era isso o que o pai dela queria me passar, ele conseguiu.
- O que faz aqui? - perguntei.
Estava nevando, eu não sentia nada, mas com certeza ela estava com muito frio.
- Se Maomé não vai até as montanhas...- Ela sorriu, tímida. - Você está sem celular, então... vim desejar feliz natal pessoalmente.
- Está muito frio aqui fora... Vamos entrar.
Olhei mais uma vez ao redor, antes de fechar a porta. Ela caminhou devagar, observando o interior da casa.
- Como descobriu onde eu moro?
- Você me disse, quando nos conhecemos. Não se lembra?
Pensei por um momento, então me lembrei, porém só havia dito que morava na reserva, não havia mencionado onde.
- Veio só para me desejar um feliz natal?

Ela franziu o cenho.
- Acho melhor eu ir embora. - Ela deu alguns passos até a porta.
- Não, Jen! - Segurei seu braço. - Desculpe. Acho que estou me expressando mal.
- É, acho que sim. - Ela fez uma careta.
- Desculpe. Só estou surpreso que tenha vindo.
- Por que? Amigos não visitam amigos? Quero dizer, se é que ainda somos amigos... Somos?
- Sim, claro! Desculpe se não é o que está parecendo...
- Pare de se desculpar, garoto! - Ela bagunçou meu cabelo. Eu ri. - Tá na hora de cortar, não acha? - disse, se sentando no sofá.
- Hum... Não sei.
- Garanto que ficaria ainda mais gato!
Não respondi. Ela riu.
- Se quiser, eu posso cortar.
- Não sei se seria uma boa ideia - eu disse, prendendo o riso.
- Hey! Está duvidando dos meus dotes?
- Não. Quem sabe um dia.
- Essa semana.
- Essa semana? Hum...
- Não vai sumir de novo, vai? - ela tombou a cabeça de lado.
- Não. - Sorri com a cabeça baixa.
- Não me convenceu.
- Não vou sumir, Jen. Agora você sabe onde eu moro.
- Sim, isso é bom. - Ela abriu um sorriso.
Eu ri, e me sentei ao lado dela.
- Deve ter levado um tempo pra encontrar minha casa.
- Não foi tão difícil, agora que tenho um carro! - terminou a frase, radiante.
- Hey, parabéns!
- Obrigada. Foi meu pai quem deu; ele acha que não devo fazer caminhadas tão longas sozinha. Principalmente em lugares escuros e desertos, onde há monstros soltos ha espera de vítimas indefesas - disse, numa voz fantasmagórica.
Apertei os lábios. Mal ela sabia que era quase isso.
- Mas ele deixou que saísse em pleno natal?
- Ele está tão embriagado que não notaria se estivesse sem calça. E tenho que confessar, está um tédio lá em casa.
- Demos sorte, por um minuto não teríamos nos encontrado.
Ela sorriu pra mim. Olhei para o relógio, já era quase 19:00 e a qualquer momento poderiam voltar. Robert não ficaria nem um pouco contente de ver a filha do caçador sentada em nosso sofá.
- O que acha de darmos uma volta? - perguntei, me levantando.
- James, está nevando lá fora!
- Vamos ao porto. Tem uma lanchonete ao lado que ouvi dizer que vende ótimos chocolates quentes.
- Humm... Essa oferta é meio irrecusável.

Chegamos ao porto; Jenny fez questão de me mostrar suas habilidades no volante.
Entramos na lanchonete e sentamos num banco em frente a um vidro bem grande, dando uma vista linda para o mar. De lá, podíamos ver os barcos navegando.
Sentada no banco olhando para o mar enquanto tomava seu chocolate quente com chantilly, ela parecia uma criança ingênua; apenas uma garotinha da qual todos queria apertar as bochechas. Mas ela já era uma moça, e apesar disso, ela ainda tinha inocência, com todos os sonhos que uma garota tem o direito de sonhar.
- Gosta do oceano? - puxei assunto. Com a aparente concentração na água, poderíamos ficar horas em silencio sem que ao menos percebêssemos que o tempo passou.
- Gosto de olhar o mar... Acalma os meus pensamentos.
- É querer saber demais se eu perguntasse em que estava pensando?
- Como se precisasse perguntar.
Gelei.
- São bobagens - ela deu de ombros. - Nada que poderia despertar algum interesse.
- Não seja modesta.
- Estava pensando... Aliás, tenho que admitir que não é a primeira vez que fico pensando nisso... Queria descobrir se fiz ou disse algo de errado pra você ter se distanciado tão radicalmente...
- Jenny... - tentei dizer, mas ela me interrompeu.
- Quero dizer, tem que existir um motivo! Você não sumiria sem uma razão. Por mais que nos conhecemos a pouco tempo, sinto que te conheço há anos, e eu não consigo te enxergar dessa maneira.
- Aconteceram muitas coisas... Mas, eu te garanto, não foi a minha intenção e a culpa não foi sua.
- Devemos ter tantas coisas para contar um para o outro. Tem tantas coisas que estive esperando pra te contar. Tantas coisas também que eu queria perguntar...
Fitei-a nos olhos, mas ela encarava o mar. Talvez por que não conseguisse olhar diretamente para mim.
- Eu queria poder ter estado aqui pra não deixar acumular tantas conversas assim... Ainda vou te contar quais foram os motivos por eu ter sumido dessa forma, mas acredito que agora não seja a hora pra conversar sobre isso. Agora, acho que podemos aproveitar este momento.
- Tem razão. Não quero parecer paranoica... Tudo no seu tempo.
Ela finalmente olhou para mim, com um leve sorriso de canto.
- Já ouviu a história sobre aquela estátua ali? - Ela apontou para uma estátua de um cachorro, ao lado da passarela do porto.
- Na verdade nunca reparei nela.
- É a estátua da Patsy Ann, uma bull terrier. Ela chegou aqui em Juneau quando ainda era filhote, e apesar de ser completamente surda, de algum modo conseguia prever a chegada dos navios antes mesmo que pudessem ser vistos na margem e então corria para saudar os viajantes. Por causa disto, o prefeito a nomeou como "Saudadora Oficial de Juneau". Todos a adoravam, e em 1942, quando Patsy faleceu, ela desceu ao fundo do canal Gastineau dentro de um pequeno caixão; seu funeral foi assistido por muitas pessoas. E então a estátua dela foi esculpida e até hoje ela recebe os turistas que chegam. Perceba que muitos turistas tocam nela quando chegam; eles levam consigo a benção da amizade através disso.
Comecei a reparar, e realmente muitos turistas que chegavam, tocavam na escultura.
- Não é apenas uma estátua; ela representa o simbolo da amizade - finalizou Jen.
- Amizade... - pensei alto.
- Você não tem muitos amigos, não é?
- Não... - admiti.
- Eu também não. - Ela sorriu, sem graça. - Combinamos nisso.
- Como uma garota legal e extrovertida como você não tem muitos amigos?
- Bom, minha família vive se mudando. Já morei em Juneau há alguns anos trás, mas nessa época eu também não fiz muitas amizades... Aliás, há duas semanas atrás encontrei por acaso três velhas amigas, mas elas estavam atrasadas para um compromisso, então não deu tempo de conversar direito. Eu espero ter outra oportunidade de me encontrar com elas... É bom ter com quem conversar às vezes.
Então novamente me senti mal por ter abandonado-a, mesmo que indiretamente. Por que mesmo que eu tentasse colocar na minha cabeça que isso não era culpa minha, muito menos dela, que tudo isso eram consequências e o verdadeiro culpado era seu pai, quando na verdade a culpa era inteiramente minha. Minha por ter dado a chance pra nascer uma amizade, minha por ser descuidado, minha por não dar explicação.
E ainda assim, eu estava mais uma vez quebrando as regras. Eu estava ali com ela quando não deveria estar; para o bem de todos. Mas como evitar o inevitável? Uma hora ou outra ela acabaria me encontrando, e eu acabaria cedendo, sem poder contar a verdade. Só não sabia quais seriam as consequências... Aliás, sim, eu sabia quais seriam; o que eu não sabia eram as probabilidades delas. E eu só não queria magoá-la de novo.
- Jen...
Ela olhou para mim, com o olhar pesado.
- Olha, eu queria te dizer uma coisa...
- Diga, James.
- Você é uma garota incrível, e eu tive sorte de te encontrar...
- Não estou entendendo por que está dizendo isso. - Ela pestanejou.
- Quero dizer que independente do que aconteça, eu quero estar com você, quero continuar me encontrando com você, conversando e essas coisas. Eu não posso dizer muito mais do que isso, só quero que procure entender que às vezes não podemos fazer nada mais além do que só querer.
Ela franziu o cenho, sem entender muito bem e voltou a fitar o mar.
- James... - ela começou a dizer, parecendo um pouco relutante.
Olhei pra ela com atenção.
- Estou apaixonada por você - disse, meio trêmula e me olhou nos olhos.
De repente fiquei tenso, e ela também estava, muito mais do que eu, enquanto esperava por uma resposta. Isso tornava tudo mais difícil.
- Sei que se é cedo demais. - Ela abaixou a cabeça. - Mas eu precisava te dizer.
- Desculpe, é que estou surpreso.
Ela riu, mais por nervosismo.
Eu podia ver suas lembranças, algo que antes eu não conseguia fazer. Consegui ver seus pensamentos em mim enquanto tentava dormir; vi ela olhando para o celular de cinco em cinco minutos.
Voltei a realidade quando meu celular começou a vibrar em meu bolso, isso indicava que logo ele começaria a tocar, coloquei a mão em cima para que ela não percebesse, tentando achar o botão para recusar chamada, apertei e então ele parou. Porém logo, voltou a vibrar. E não iria parar, quem quer que fosse, queria muito falar comigo.
- Jen, espere aqui, eu preciso ir ao banheiro.
Ela olhou torto. Me levantei e caminhei depressa na direção dos banheiros, apertando despercebidamente o botão para recusar chamada.
Quando ela não estava mais olhando, eu mudei de direção e fui para fora da lanchonete. O tempo todo abriam e fechavam aquela porta, então ela não perceberia quando os sinos que estavam perdurados fizessem barulhos quando eu sai. Assim que sai, alguém saiu atrás de mim e fez os sinos tocarem também, olhei depressa e era apenas uma mulher com seu filho indo embora.
Logo o celular começou a vibrar com a chamada, atendi. Aqueles sinos tocavam de um em um minuto; eu olhava, mas Jenny estava sempre sentada no mesmo lugar, então sosseguei.
- Roy, você quase me colocou numa saia justa!
- Aonde você está, James?
- Não posso falar agora, depois a gente se fala.
- Espera! Preciso te dizer.
- Depois, Roy! Estou com a Jenny, mas por favor, guarde isso.
- O que? A filha do caçador, tá maluco?
- Depois eu te explico; ela não pode saber que estou com celular. Vou desligar, depois nos falamos.
- Jam... - Desliguei.
- Por que não posso saber?
Jenny estava atrás de mim, ainda segurando a porta aberta.
- Jen, não é... - tentei dizer.
- Não é o que estou pensando. - Ela me interrompeu. - É isso que iria dizer? O que estou pensando?
- Eu ia te contar...
- Quando? Por que esse celular parece bastante com o "antigo". Que eu me lembre, você disse que tinha perdido. E se for reparar bem, tem uma rachadura no mesmo lugar...
Olhei instantaneamente e guardei no bolso. Ela soltou a porta, e os sinos tocaram. Malditos sinos.
- Me deixa explicar.
- Quer saber, James? Não. Eu não quero ouvir sua explicação; é exatamente como minha amiga diz, homens são todos iguais! - Ela saiu andando na direção do carro. Fui atrás dela; seus passos eram firmes e apressados.
- Eu sei o que parece, mas não é! Acredite em mim.
- Não tem como acreditar, ok?! E de pensar que há alguns minutos atrás eu estava lá me abrindo pra você! Como sou idiota.
- Não, Jen! O idiota sou eu; eu não devia ter mentido.
- Ah, então agora você admite? Você tem razão, você é mesmo um idiota! E eu me odeio por estar apaixonada por um idiota!
Ela pegou na maçaneta da porta do carro e ia abrir, porém eu segurei fechada.
- Me deixa ir embora.
- Me deixa explicar.
Ela olhou para a minha mão pressionando firme a porta do carro.
- Um minuto - disse e soltou a maçaneta.
Tentei pensar rápido em algum pretexto, mas nada vinha em mente.
- Eu menti por que... Por que eu ainda não posso te ver, nem falar com você... E eu estava tentando manter isso.
- O que quer dizer? Você disse que o fato de você ter sumido não tinha a ver comigo.
- Eu menti de novo.
Ela me olhou incrédula.
- Quais são as verdades, então, James? Como posso saber se não está mentindo agora?
- Não estou.
- Como posso saber? Por que não pode me ver e nem falar comigo? Eu não consigo entender suas meias palavras!
- Jen, é uma história muito complicada.
- Se me disser, posso tentar entender. O que é, James? Eu quero saber! Você está namorando, é isso? É aquela garota?
- Não. É muito mais complicado do que isso.
- Então me diz! Por favor.
Ela me olhava com olhar de súplica, e eu estava ficando sem saída. Eu iria ter que dar uma satisfação se não quisesse magoá-la de novo.
- Não posso dizer. Não agora.
Ela continuou a me olhar, mas dessa vez com um olhar diferente. Então rapidamente abriu a porta sem que eu pudesse impedir e sentou no banco. Segurei novamente a porta, agora não deixando que ela fechasse. Eu não podia deixá-la ir embora, até por que talvez essa seria a última vez que eu conseguiria falar com ela.
Engraçado como ha uma hora atrás eu queria me manter afastado dela, e agora que eu conseguiria, eu não queria mais.
- Ok, Jenny, eu falo!
Ela ficou me olhando. Eu dei a volta no carro e entrei, me sentei ao lado dela.
- É o seu pai - falei, numa careta.
- O que tem o meu pai?
- Ele é contra nossa aproximação.
- O que? E você esteve longe por que ele pediu isso?
- Foi mais como uma ordem...Por favor, Jen, você não pode dizer nada à ele.
- Isso não pode ficar assim, James!
- Jen, isso é sério. Ele me mataria! Por favor, não diga nada!
- Ele não vai fazer nada contra você.
- É a única coisa que eu te peço. Prometa, me prometa que não vai dizer nada.
- Meu pai pode ser meio doido, mas não é assassino.
- Apenas prometa.
Ela me lançou um olhar demorado, me analisando, tinha um toque de preocupação, mesmo achando que esse meu desespero por sigilo era bobagem.
- Ta bom, eu prometo. Mas por que ele faria isso?
- Eu não sei, acho que ele simplesmente não gostou de mim... Talvez por eu ser mais velho.
- O que a idade tem a ver? Não existe um limite de idade para ser amigo ser alguém!
- Eu não sei, não sei se é isso. Foi uma suposição. Ele não me disse claramente o motivo.
- Ele te ameaçou, James?
Ela me olhava com pena, pensei um pouco para responder.
- Não, Jen. Só disse pra eu ficar longe.
- E... aquilo que me disse antes, sobre querer estar comigo... foi sincero?
- Foi muito sincero. Eu quero continuar te vendo Jen, mas... não sei se devemos.
- Meu pai não pode controlar minha vida assim, não sou mais uma menininha, James. Se você quer e eu quero, é o que importa, pensaremos no resto. Só não quero forçar a barra, sei que você ficou surpreso quando eu disse estar apaixonada, você não esperava por isso, e pra ser sincera, eu também não... mas só de estar com você, basta pra mim.
Sorri de leve.
- Sei que você continua apaixonado... Dá pra ver nos seus olhos quando eu falo dela.
Abaixei a cabeça, sem respostas.
- Não se sinta mal por isso, não tem como escolher por quem se apaixonar, não é? Eu só achei que eu devia contar...
Sempre foi muito difícil falar de amor, paixão; principalmente quando estamos nesta mesma situação. Pois a pior parte é quando a conversa acaba e o clima fica estranho e com um silencio que nos agonia.
- A última coisa do mundo que eu quero, é te magoar, Jen.
- Não vai.
- Não tem como saber disso.
- James - Ela colocou a mão em meu rosto, e entortou a boca num sorriso forçado. - Você não vai me magoar.
Olhei pra ela e não respondi; ela tentava ser convincente nas palavras, mas se fosse olhar por um outro ângulo, perceberia que eu já estava magoando-a.
- Ninguém pode saber disso, Jen... Nem seu pai, nem sua mãe, nem sua familia e amigos. Absolutamente ninguém pode saber que nos vimos hoje, que nos vimos ontem e que eu te contei o motivo por eu ter sumido.
- Ok, sigilo absoluto.
- É melhor assim, ok? Depois podemos pensar em algo... pra não precisar ficar a vida toda se escondendo.
- Até por que daqui alguns meses eu faço 18 anos. - Ela sorriu, arguciosamente.

Ficamos mais algum tempo conversando dentro do carro, o clima foi ficando mais leve e tudo voltando ao normal. Mas é claro, nada seria como antes.
- É engraçado - eu disse, quando ela parou o carro.
- O que é engraçado?
- Nenhuma garota me deixou na porta de casa antes.
- Talvez seja por que você tenha convidado elas para entrar...
Olhei para garagem, e lá estavam os carros estacionados, logo também puder ouvir minha família andando dentro de casa.
- Seu pai pode notar seu sumiço...
- É verdade - Ela olhou para o lado.- Já é quase dez horas.
- O tempo voou... Algumas pessoas tem o dom de fazer isso.
Ela sorriu e desviou o olhar, tímida. Beijei sua testa e sai do carro.
- Hey!
Parei e olhei pra ela.
- Essa semana ein - inculcou ela.
- O que?
- Seus cabelos!
Fiz uma careta.
- Ok. - Sorri pra ela.

Ao entrar dentro de casa, notei que Robert não estava na cozinha como de costume, e esse foi o primeiro lugar em que olhei.
- Aquela não é a filha de Harry, né? - disse Robert ao meu lado, no hall de entrada.
Levei um susto quando ele disse; enrijeci de imediato.
- Meu Deus, pai! Não faça mais isso! - exclamei, com a mão no peito; havia esquecido que meu coração não batia mais. - Estava me esperando?
- Ainda não me respondeu.
- Não, não é a filha do caçador; essa é outra garota.
- Outra? - Ele ergueu uma sobrancelha.
- Sim, é outra. Preciso dar detalhes?
Ele pareceu pensativo. Então eu tinha que forçar mais meu argumento.
- A filha do caçador não tem carro, lembra?
- Hum. É que você é meio maluco, então sinto a necessidade de certificar.
- Ah, obrigado. - Sorri irônico. - Mas não precisa se preocupar.
- Preciso te lembrar que é a sua vida em jogo?
- Não, pai. Eu já me lembro disso.
- Ok. - Ele se direcionou à escada, mas parou no pé dela, e se virou novamente pra mim . - Ah! Seus olhos... Estão vermelhos. - Ele piscou como um alerta.
Fui até o espelho do banheiro, e vi que realmente estavam. Franzi o cenho, preocupado; a quanto tempo estavam assim?
- Precisa se alimentar - disse Roy, encostado na porta.
- Não estavam assim de manhã - comentei.
- Então deve ter sido o susto que Robert te deu agora.
- Espero!
- Não acredito que você passou a tarde com a...
- Shhhh - sussurrei, tampando a boca dele antes que terminasse a frase. - Ele pode escutar.
- Ok, ok! - ciciou.
- Só você sabe disso - cochichei.
Ele assentiu com a cabeça.
- O que era tão urgente pra me ligar 5 vezes?
- Você não vai acreditar quem está de volta!
- Dakota.
- Tá, essa foi fácil.
- Mas por que ela voltou? Não iria passar o Reveillon com Alex em não sei qual cidade?
- Ia, nao sei ao certo o que aconteceu. Eu estava tentando te dizer pra ir lá e descobrir, mas você preferiu continuar com a...
Arregalei os olhos, coibindo o restante da frase.
- Com a garota que você conheceu esses dias.
- Pois é, Roy. Em tão poucos dias ela me considera o tanto que Dakota levou um dia para desconsiderar.
- Não entendi.
- Esquece.
Sai do banheiro e Roy foi atrás. Sentamos no tão bom e velho sofá.
Um som estrídulo e agudo vindo do segundo andar, gritos de desespero chamou a nossa atenção. Em dois segundos estávamos no quarto de Liz, e a porta no chão.
Liz se encolhia na cama, e se virava bruscamente algumas vezes. Ela estava dormindo, provavelmente no quarto estágio de sono; mas não era isso o que nos preocupava. Pesadelos, era o que desejávamos que ela não tivesse, pois eles, na maioria das vezes se tornavam realidade.
Esperei que Robert fizesse algo, mas ele ficara parado olhando; Ben avançou para acordá-la, mas Rob segurou seu braço, o impedindo.
- O que? Vai deixar ela sofrendo assim? - Ben disse incrédulo e inconformado.
- Ela precisa terminar este pesadelo. De que outra forma podemos impedir que aconteça se não soubermos o que irá acontecer?
Assistíamos impaciente Liz chorando sem lágrimas. Sofrendo muito aparentemente.
- Por favor, não! - ela gritava.
Olhávamos curiosos para saber o que ela via. Será que este pesadelo iria mesmo acontecer? Tentei me concentrar nela, mas eu não conseguia enxergar nada do que ela sonhava. De que serviria ler pensamentos, se eu não tinha controle?
- Não! James, não! - continuava a gritar.
Ben lançou um olhar curioso e desconfiado para mim.
- O que? Não fiz nada... Eu não faria... - tentei me justificar, do que eu nem sabia.
- Por favor, não faça isso... - ela chorava.
Ben semicerrou os olhos
- Já chega - disse ele e se ajoelhou diante a cama. - Liz, acorde. - Ele a chacoalhava com cuidado.
Ela despertou ao levantar de repente; seu olhar era confuso, confuso como se isso ainda fosse um sonho.
Ela correu me abraçar, e agora quem estava confuso era eu. Percebi os olhos de Ben ficarem revoltados, afinal, era ele quem ela tinha de abraçar, e não a mim.
Mas ela chorava, ainda que sem lagrimas, e alguns pequeno soluços escapavam de sua garganta.
- Shh... Se acalme, Liz... - Eu tentei acalmá-la passando a mão em seus cabelos lisos. Ela não disse nada, mas diminuiu seu desespero, então fiz com que ela se sentasse.
Sentada, ela entrelaçava os dedos da mão. - Era o que ela fazia quando estava nervosa. Agora eu podia ver alguns de seus pensamentos, mas eram confusos, não conseguia entendê-los.
- Liz, conte-nos o que você viu - disse Rob.
Ela olhou atentamente para cada um de nós, menos para Ben, que ainda estava ajoelhado em frente à cama.
- Eu vi... - relutou em dizer- James sendo morto.
Franzi o cenho e olhei para Robert; ele estava sério e distante.
Agora havia uma explicação que a fazia tão desesperada daquela maneira. Mas se isso iria de fato se tornar realidade, ainda não podíamos ter certeza.
- Conte-nos os detalhes - insistiu Rob.
- Eu não sei dizer... É tudo muito vago.
- Tente lembrar, querida. Isso é importante.
Ela assentiu.

Às 3:30 da matina, eu estava em meu quarto, enquanto Liz voltara a dormir com Ben ao seu lado; Robert e Roy assistiam TV na sala.
Era estranho pensar que aquele pesadelo pudesse vir a se tornar realidade. Eu nunca havia pensado por esse lado, mas já havia me acostumado com a ideia de viver por muitos e muitos anos ainda.
Agora Liz precisava se concentrar e lembrar pelo menos dos detalhes mais importantes, como quando, onde e quem me matava em seus sonhos.
Era inevitável afastar a ideia de que talvez pudesse ser Harold ou Harry- tanto faz.
Fiquei pensando também, se eu era o único que estava com essas observações ou se Robert iria mais a fundo e descobriria que a garota de hoje realmente era quem ele estava pensando.
Foi em meio desses discernimentos que algo me distraiu.
Era alguns barulhos na janela, que de inicio não chamou minha atenção, mas depois com a obstinação me levantei e olhei pela janela.
De lá avistei Dakota no jardim.


Entre Nossas DiferençasOnde histórias criam vida. Descubra agora