25. Recomeçar

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Fiquei olhando pela janela a noite passar devagar quando escutei alguém bater na porta. Gritei para entrar.
Robert não estava com o mesmo olhar de sempre, então pensei: lá vem bomba.
— Posso ajudar? — perguntei tentando manter a tranqüilidade.
— Pode, começando em dizer o que te deu na cabeça para fazer aquilo. Roy eu até entendo, mas você e Ben?
— Aquilo? — perguntei sínico, sem proveito algum.
Ele ignorou minha pergunta, esperando respostas.
— Foi só pra nos distrair... — eu disse, num sorriso medroso.
— Não é uma distração! Aquilo é droga! — É claro que a voz dele já estava alguns decibéis acima do que seria uma voz calma.
— É só uma fruta...
Ele nunca ficou daquele jeito comigo. E isso me assustava um pouco.
— Aquilo não é apenas uma frutinha! E tem nome, se é que querem saber! Centoph além de causar os mesmos efeitos de algumas drogas, ela também causa os mesmos danos.
— O senhor deve estar confundindo; Roy pesquisou sobre essa fruta e não achou nada...
— É claro que não achou! Do mesmo jeito que se pesquisar sobre vampiros, vai achar Drácula, Edward Cullen e por ai vai. Nem tudo você pode achar no Google; essa não é uma fruta qualquer, a árvore só nasce em solo onde já houve rituais.
— Mas estamos aqui, não estamos? Estamos bem!
— Poderiam não estar! Consegue entender o que estou dizendo? Vocês poderiam ter morrido!
— Já faz 5 anos que Roy descobriu essa fruta e está bem... Sei lá, talvez seja o meu organismo que rejeitou.
— 5 anos? — perguntou surpreso. Percebi que falei demais.
— Eu acho... — tentei corrigir. — Não sei se faz todo esse tempo...
— Ele me disse que fazia 2 meses — disse, num tom preocupado e desapontado.
— Bom, mas tanto faz, não é? O que estou querendo dizer é que ele usou outras vezes e não ficou tão mal quanto fiquei.
— Isso não é bom... — disse, apreensivo, e percebi que não estava mais escutando o que eu dizia.
— O que quer dizer com isso? — Agora, eu comecei a me preocupar.
— Roy pode estar doente.
— Doente? — perguntei, confuso. — Doente como?
— Sei o que deve estar pensando; vampiros não adoecem... Mas estamos falando de uma fruta mística... Eu não fazia ideia que Roy usava a tanto tempo; isso só me deixa a suspeita de que Roy está precisando de ajuda.
— Mas ele aparenta estar tão bem, talvez até melhor do que nós...
— Por fora. Alguns vampiros são fortes, resistentes, e não se abatem facilmente. Só quando estão... — Nesse momento, antes de terminar a frase, uma tristeza tomou teu semblante — No fim da linha.
Estremeci. Robert não queria usar a palavra morte, talvez por ser inapropriada e forte. Mas o termo que usou chegou a mm com a mesma intensidade; ele estava falando sério, não queria me assustar e não estava exagerando, sua tensão me deixava ainda mais aflito.
— Eu preciso que fique de olho nele; se notar qualquer coisa esquisita, não pense duas vezes em me dizer. Vou providenciar ajuda.
— Com certeza. Farei isso — garanti.
— Não quero que Roy saiba de nada disso, pelo menos por enquanto.
Concordei com a cabeça.
Me lembrei de quando minha avó se foi; ela era uma mulher forte, parecia que nada era ruim o suficiente pra baqueá-la, mas quando ficava doente, me preocupava muito. Me lembro do dia em que ela disse: "Um exército de doenças me pegou, filho". Sim, era preciso mesmo um exército para pegá-la; isso aconteceu poucas vezes, mas quando acontecia, era pra valer todas as outras vezes que não aconteceu.

No dia em que ela partiu, foi um choque; eu estava crente que ficaria tudo bem e naquela semana mesmo voltaria pra casa. A notícia me atingiu como uma flecha no peito, e não parava de sangrar. Eu não acreditava que estava acontecendo, não acreditava em nada que o médico dizia, e mesmo por telefone, o coloquei contra a parede: "Como assim? Você não pode estar dizendo a verdade! Ontem mesmo ela estava andando! O que fizeram com ela?". Foi preciso vê-la, ver todos seus exames, conversar com vários médicos pra acreditar no que me diziam. Me lembro bem o termo que usavam: "Melhora da morte". Me arrepiava dos pés a cabeça, mas era real. Muitas pessoas costumam melhorar antes de partir, talvez essa seja uma deixa que Deus permitiu, para que se despedisse de seus familiares da forma correta.
— Pai... Posso te fazer uma pergunta?
— Claro.
Pensei por um momento em como dizer e não encontrei outra forma.
— Você nunca me disse sobre seu filho.
Ele hesitou por um momento, mas depois quebrou o gelo.
— O que sabe sobre Chance? — perguntou, com uma expressão forçando a serenidade.
— Não muito... Roy me disse que não gosta de falar sobre ele, mas acho que um dia íamos ter essa conversa de qualquer forma... Só queria saber, qual o problema desse assunto, afinal, ele é seu filho, e até onde sei...
— Por que eu não quero lembrar — disse seco, me interrompendo.
— Não entendo... — resmunguei.
— Não entende por que sou tão dedicado à vocês e não dou a mínima para meu filho legítimo?
Não queria concordar, mas era exatamente isso.
— Eu tentei ir atrás dele... Você não imagina o quanto eu tentei. Mas ele é esperto e teimoso como a mãe, e mais rápido que todos nós. Ele não queria ser encontrado, sabe mesmo como cobrir seus rastros.  
— Como seria se ele voltasse?
— Não vai. Ele foi sozinho, James... Foi atrás de um bando, sozinho. Não acredito que ainda esteja entre nós... A melhor forma de se sentir melhor, é confrontar a derrota; é isso que estou tentando fazer até hoje, e é por isso que não quero ouvir o nome dele nesta casa outra vez.
 Ele se retirou impetuosamente do quarto. E eu decidi nunca mais tocar neste assunto novamente.

No dia seguinte o dia estava mais entediante do que em outros.
— E ai, Roy? O que conta de bom? — eu disse entrando no quarto dele.
— Nada né. Estou trancado nesta casa como um detento.
Eu ri.
— Cara, preciso de um favor...
— Outro? haha Fala ai!
— Esse seu dom de apagar a memória...
— Espera ai — ele me interrompeu. — Não posso usar, você sabe.
— Por uma boa causa, Roy.
— Esquecer Dakota? Cara, você não precisa disso.
— Eu vou surtar — ri, sem humor. — Sério; não sabe o quanto estou me controlando pra não ir atrás dela; eu mesmo não estou me reconhecendo, nunca fui de perseguir meninas, foram sempre elas que vieram até mim, e agora tudo que consigo pensar são maneiras de como chegar até ela.
— Use-as! Está esperando o que?
— Eu não quero. As últimas vezes que tentei fazer algo, deu errado e passei a impressão de que sou um doente perseguidor. Ela está certa do que quer, Roy... Deixou claro que não quer me ver.Talvez se eu a esquecesse, seria melhor... 
— Robert nunca permitiria.   
— Até onde eu saiba, essa é uma decisão minha.
— Não cabe só a você decidir, James. Eu não tenho total controle sobre isso; pode afetar seu psicológico, não quero ser responsável se coisas piores acontecer...

— JAMES! — gritou Rob de lá de baixo.
Fui até a sala. Rob tava com o telefone na mão.
— É para você — ele disse num tom sério.
Peguei o telefone da mão dele.
— Alô?
— James Linton?
— Sim.
— É a Samara do Oboé Track. Observamos sua ausência nas últimas aulas, estou ligando para confirmar presença na semana do arrecadamento de alimentos para instituições de caridade.
— Hum... Houve alguns imprevistos e gostaria de cancelar a minha matricula.
— Pois bem, Senhor. Você precisa vir pessoalmente para efetuar o cancelamento.
— Ok, obrigado.
— Tenha uma boa tarde.
— Igualmente.
Coloquei o telefone no gancho e Robert continuava a olhar para mim.
— O que eu fiz dessa vez? — perguntei.
—  Aula de Oboé, han?
— Só fui um dia.
— Poderia ter me dito.
— O senhor estava em Miami.
— Não fez o repouso, como pedi?
— Eu já estava bem, não havia por que repousar.
— Estou vendo que estou perdendo a majestade — resmungou.
Reprimi um riso. Robert inspirava respeito naquela casa, mas algumas vezes ficava difícil seguir as regras à risca.

Entre Nossas DiferençasOnde histórias criam vida. Descubra agora