47. Cerimônia

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A semana passou rápida. Já era sábado; todos estavam ansiosos pela cerimônia; todos menos Chance. Que por sinal, estava deitado, esparramado no sofá enquanto o restante da família se arrumava.
— Você não vai, Matt? — Ben perguntava ao se aproximar, enquanto arrumava sua gravata borboleta.
— E deixar a casa toda para o Chance? Não... Acho que estou afim de estragar esse prazer.
Chance deu um meio sorriso e não respondeu. Obviamente Matt ficaria fazendo companhia à ele.
Robert não saia do quarto ha pelo menos uma hora e meia. Já estávamos quase todos prontos, a não ser por Roy, que sempre era o último a se arrumar.
Subi até o quarto de Robert para me certificar de que ele não estava precisando de algo.
Ele estava ansioso, e não sabia qual gravata usar. Estava feliz, embora muita coisa ainda o preocupasse. Tentava não mostrar que o chateava muito o fato de não pode trazer Kate para casa, e o deixava frustrado saber que Morgan poderia estar perto. Robert estava dividido, entre sua família e a mulher que ama, frágil feito uma porcelana. Sabíamos que ele passaria mais tempo com ela do que conosco, já estava fazendo isso ha algum tempo; não por amá-la mais, mas pelo instinto de proteção.
Ainda existia a profecia sobre minha morte. Não podíamos saber quando aconteceria, só sabíamos que cedo ou tarde iria acontecer. Eu tentava agir com indiferença, pra não causar ainda mais angustia à minha família, mas por dentro ainda sentia aquela angustia torturante.
Robert marcara outra consulta com Jennette para terça-feira, claro, contra a minha vontade. Consegui convencer todos à convencê-lo de desmarcar a consulta, e aproveitar alguns dias de lua-de-mel longe de todos os problemas. Não sabíamos quantos dias de tranquilidade teríamos, era melhor aproveitar.
Ajudei-o a escolher a gravata e sorri tapeando seus ombros, era bom vê-lo realizado.
Voltei para o meu quarto, enquanto me lembrava de Jenny...
"Meu pai irá se casar neste sábado... Queria poder te levar comigo..."
Jenny disfarçava, mas eu podia ver seu desapontamento.
"Tudo bem..."
Não estava tudo bem. Eu não disse à ela que Dakota seria meu par. Na verdade nem eu sabia se gostava disso, só sabia que me incomodava um pouco.
Jenny não sabia que Robert se casaria com a mãe da garota dos olhos claros. Também não sabia que Chance se opusera a isso. Não sabia que futuramente, eu moraria na mesma casa que a mulher de meu pai e suas duas filhas. Haviam muitas coisas que Jenny não sabia, e as vezes eu me sentia culpado por isso, mas era uma história meio maluca pra contar, e eu não queria preocupar Jenny agora, embora não houvesse razões para se preocupar. Jenny achava apenas que era um casamento qualquer como outro. Duas pessoas que se amavam, juntando-se.
Pensando bem, eu estava guardando muita coisa pra contar depois. Essa mania de querer deixar tudo para mais tarde, dava a sensação que depois seria mais fácil, quando na verdade é aí que tudo se tornaria muito mais difícil. E mesmo assim, insistimos em deixar pra depois.
Ben me parou com a mão, me dispersando de meus pensamentos.
— Que cor é essa? — perguntou Ben, olhando para a minha camisa.
— Branco — respondi.
— Está mais pra bege.
— Não. É branco — insisti.
— Está mais pra casca de ovo — disse Roy, se aproximando.
— A vendedora disse que era branco.
— Ela te enrolou — disse Ben. — Veja a cor da minha camisa e da sua; dá uma boa diferença, não acha? — Ele chegou mais perto para comparar.
— Tem razão — eu disse. — Mas não dá mais tempo para ir comprar outra.  
— Vamos; tire logo isso — disse Roy. — Não quer deixar os convidados com enxaqueca, não é? Tenho uma camisa branca sobrando, que era de meu pai, guardado em algum lugar aqui... —  Ele procurava em suas gavetas. —Vejamos... Achei! Vista — disse me passando a camisa.
— Quer que eu vista isso? — perguntei.
— Sim.
— Quer que ele vista isso? — Ben repetiu.
— Sim. Qual o problema?
— Faz quantos anos que guarda essa camisa? — perguntei.
— Não sei. Peguei algumas coisas em casa quando minha mãe faleceu.
— Ah, Roy! Desculpe, mas essa camisa é muito velha. Faz quantas décadas que a guarda? Quatro? Cinco? Esse tipo de pano nem deve existir mais, olha só... —  Ben apalpava a camisa —é grosso!
— E o que isso importa? Está um pouco velha, mas é branca.
— Branca? Já faz alguns anos que deixou de ser branca... — comentei.
— Ah, Roy, jogue logo fora essa velharia — continuava Ben.
— Velharia? Olha o respeito; esse casaco era de meu pai e tem um grande valor sentimental.
— E é exatamente por isso que é uma velharia. Dá até pra ver o pano se desfazendo em suas mãos; está podre!
— Não vou jogar fora.
— Ok, não vamos ser drásticos com as traças, não é mesmo? Deixa ai. — Ele riu. — James, Chance deve ter alguma camisa branca pra te emprestar. Vamos lá, eu falo com ele.
Chance estava agora em seu quarto com Matt. Enquanto eu e Ben aproximávamos, pude ouvir Matt falando baixinho.
— É claro que eu não vou fazer nada pra namorada do Roy, mas eu soube que ela tem uma irmã gêmea.
Franzi o cenho e parei no meio do corredor ao perceber que ele se referia à Dakota. Não sabia sobre o que eles conversavam, mas pelo tom de voz eu não iria gostar de saber.
Ben bateu na porta e entrou, segui-o como se não tivesse ouvido nada.
— Chance, poderia emprestar uma camisa branca ao James?
— Claro, pega ali na gaveta, James. Deve servir.
Andei calado até o guarda-roupa. Encarei Matt tentando descobrir o que ele pensava, sem sucesso. Ele olhou estranho pra mim, não sei se percebeu que eu tentara entrar em sua mente ou se estranhou a maneira que o encarei.
— Tem um inseto em seu ombro, Matt — tentei disfarçar.
Ele olhou e tapeou o inseto, fazendo-o voar para fora.
— Obrigado, Chance — agradeci, e voltei para o meu quarto, enquanto Ben ficou tentando convencer Chance a dar uma trégua.
Já era quase meio dia, todos já estavam dentro do carro, mas antes que eu pudesse entrar no Jaguar, Robert me parou.
— Se alimentou hoje? — ele perguntou.
— Com certeza.
Ele assentiu, mas seus olhos estavam pesarosos. Devia estar querendo dizer: "Não estrague tudo, James. Não hoje."
Mas eu estava sob total controle, meus olhos não ficariam vermelhos, não depois de todo aquele sangue que bebi durante a manhã.
Robert deu uma ultima olhada para a casa, certificando-se de que Chance não mudara de ideia. Suspirou e saiu com o carro.

Chegamos à clareira, o lugar estava lindo e com poucas pessoas, mas todos que haviam sido convidados estavam lá presentes — Todos, menos Lester e sua família que tiveram um contratempo. Seria uma cerimônia muito íntima, da maneira que planejaram.
Robert olhou ansioso para nós e sorriu, antes de caminhar ao seu posto.
Liz e Ben deram as mãos e seguiram a cerimonialista. Olhei para o lado e Roy havia sumido.
A cerimonialista voltou correndo até mim.
— James, aonde está seu par?
Olhei para os lados, eu estava meio perdido.
— Não sei — respondi.
— Encontre-a e volte aqui neste mesmo lugar — ela disse e saiu correndo para outro lado.
Haviam poucos convidados, mas o lugar era bem grande, eu não sabia por onde começar.
Andei para a direção contrária em que a cerimonialista fora, e comecei a procurar. Podia encontrá-la pelo cheiro, mas eram tantos misturados.
Fiquei alguns minutos andando feito barata tonta, até que de bem longe a avistei.
Parei e fiquei alguns segundos olhando pra ela; estava deslumbrante num vestido vermelho sem alças, com os cabelos jogados para um lado só. Ela provavelmente também estava me procurando, pois olhava para os lados tentando avistar alguém, até que seus olhos pararam em mim.
Sorri de leve pra ela, e ela sorriu de volta, aliviada por termos nos encontrado.
Caminhei até ela, já que estava mais próxima de onde deveríamos ficar.
— Hey.
— Hey! Estava te procurando.
— Eu sei... Eu também estava te procurando.
Ela sorriu novamente.
— Finalmente vocês dois juntos! — A cerimonialista quase gritou, estava hiperativa. — Vamos, a noiva já vai chegar!
Ela nos levou junto de meus irmãos. Roy já estava acompanhado de Veronika, só estavam nos esperando. Iríamos entrar antes de Kate.
Olhei para Dakota ao meu lado; estávamos de braços dados. Ela não estava apenas linda, estava radiante! Mais feliz, mais risonha, mais leve. Há muito tempo não a via assim. Isso me trouxe um conforto inexplicável.

Depois de alguns minutos, recebemos a notícia de que a noiva havia chegado. Entramos de maneira formal e esperamos até que Kate entrou num vestido branco, mas não muito chamativo. Estava linda, ficaria linda até se entrasse de preto.
Após a cerimônia e os esperados "sim", a cerimonialista anunciou a dança dos padrinhos.
Dakota já não estava mais do meu lado. Havia saído de fininho para atender a um telefonema.
— Cadê o seu par? — a cerimonialista perguntou baixinho.
— Err... — olhei para os lados. — Não sei...
Ela revirou os olhos, mas riu depois.
— Encontre-a — disse e saiu.
Sai à procura de Dakota novamente. Desta vez não demorei muito pra encontrá-la. Ela estava perto de uma árvore ainda com o celular na mão, mas já não estava mais na linha. Aquela aura de felicidade que estivera sobre ela durante toda a cerimonia havia sumido.
— Dakota — eu disse, me aproximando dela. Ela olhou pra mim, mas logo desviou os olhos, tentando disfarçar o que quer que havia acontecido naquele momento pra deixa-la assim.   — Só estão esperando nós para a dança.
Ela assentiu com a cabeça e seguimos até a pista de dança, calados. Fiquei receoso em perguntar.
Como ela podia estar tão longe mesmo estando tão perto? Parecia estar ali em corpo, mas seus pensamentos em algum outro lugar.
Tive vontade de descobrir aonde estavam seus pensamentos, mas talvez nem se eu tentasse, conseguiria. Queria poder ajudá-la, nem que fosse apenas ouvindo... Queria poder entender o que ela sentia, mas me sentia tão fraco neste quesito.
Então aquela conversa com Megan veio em mente. Eu preferia acreditar que fosse mentira, apenas boatos, mas era praticamente impossível não suspeitar, não pensar. E se ela estivesse realmente grávida? Só ela poderia confirmar isso. Mas como perguntar sem ofender?
Tentei ouvir algo fora do comum, talvez um batimento cardíaco extra, mas estava tudo tão agitado naquela festa. E eu ouvi dizer que fetos só tem batimentos cardíacos após 5 semanas de gestação; se isso procedia, eu não sabia dizer, mas de qualquer forma talvez ainda fosse cedo pra saber.




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