26. Beco sem saída

99 19 0
                                    

Eu precisava ir à escola de oboé pra cancelar a matrícula. Fui pelo Centro, já que ir pela floresta só iria me trazer lembranças.
Todas as vagas no estacionamento da Oboé Track estavam ocupadas; então tive que dar a volta no quarteirão até encontrar uma vaga pra estacionar.
Enquanto eu caminhava até a escola, escutei vozes vindo de algum lugar, só não sabia de onde. A princípio não dei tanta importância, mas quando percebi que dentre as vozes, havia uma garota chorando desesperadamente, implorando por socorro, comecei a procurar.
Na rua tinha algumas pessoas, mas eu tinha certeza que nenhuma delas estavam escutando o que eu ouvia.
Tentei seguir o som de sua voz, mas ela estava prestes a desistir; chorando mais e gritando menos.
"Cala a boca, se não eu te meto a faca!" - uma voz masculina disse.
Enfureci-me; apertando os passos. Entrei numa rua deserta, com mais casas abandonadas do que habitadas. Logo a frente havia um beco escuro e sem saída, de onde vinham as vozes.
- Tirem as mãos dela! - Brami para os dois homens.
Eles viraram ligeiramente e um deles tinha uma faca com a ponta virada para mim. Só nesta hora pude ver a garota; a pele parda com os cabelos cacheados e aparentemente tinha em torno de 17 anos.
- Qual é? Quer morrer? - perguntou o homem com a faca na mão.
Não pude conter o riso.
O outro homem arrancou um canivete do casaco e também apontava para mim. A garota estava assustada, imóvel no lugar, enquanto o rapaz da faca a segurava.
Eles eram jovens, não tinham mais que 20 anos, e não demonstravam nem um pouco medo de mim; afinal, para eles eu era um homem qualquer; sem contar que estavam em vantagem, dois armados contra um aparentemente indefeso. Embora vontade não me faltasse, eu não tinha intenção de machucá-los, a menos é claro, que fosse preciso.
- Soltem ela, não quero machucá-los.
Foi a vez deles gargalharem. A faca estava muito perto do rosto da garota, qualquer movimento brusco a cortaria. Eu não queria irritá-los, já estavam histéricos, possivelmente drogados.
- Vamos, soltem ela. Eu acionei a polícia, já estão à caminho - blefei.
Por coincidência, uma viatura passou por perto com a sirene ligada. Instantaneamente o rapaz do canivete saiu correndo e deixou seu parceiro pra trás. O rapaz da faca ainda segurava a garota, portanto nem pensei em ir atrás do outro, ele simplesmente desapareceu nas ruas escuras.
Sem pensar muito, o rapaz jogou a garota no chão e tentou fugir também, porém ele teria que passar por mim, e automaticamente eu tentei segurá-lo, mas ele se debateu e escapou de minhas mãos.
Não fui atrás, olhei para garota ainda caída ao chão e fui ajudá-la.
- Você está bem? - perguntei, preocupado que estivesse ferida.
- Estou - garantiu-me. Seus olhos verdes estavam cheios de lágrimas.
- Tudo bem, deixa eu te ajudar - disse, pegando suas coisas no chão, e segurando seus braços para levantá-la.
- Obrigada - disse, limpando suas lágrimas. - Meu Deus, você está sangrando!
Olhei para baixo e minha camisa estava rasgada e cheia de sangue. Eu não sentia nada, talvez pudesse ser sangue do rapaz, levantei-a e vi o corte em minha barriga.
- Droga.
- Deixa eu ver - pediu, levantando novamente a minha camisa. - Parece superficial. Eu moro aqui perto, deixa eu cuidar disso.
- Não é preciso...
- Claro que é! Você salvou minha vida, não estaria machucado se não fosse por isso, deixa eu cuidar como forma de agradecimento.
Ela não estava mais assustada, agora estava preocupada comigo.
- Minha casa fica a dois quarteirões - incentivou ela. - Preciso retribuir de alguma forma, se não eu não vou dormir em paz.
Aceitei a oferta. Até por que eu também não ficaria em paz em deixar aquela garota ir embora sozinha depois de tudo aquilo, era como se fosse minha obrigação garantir a segurança dela.
Caminhamos sem falar muito, a casa realmente era perto, no começo da floresta. Descobri que seu nome era Jennifer Boyden e que havia se mudado para cá a pouco tempo.
Ao chegar, pude perceber que não havia ninguém em casa; ela me convidou a entrar.
- Não tem medo de convidar um estranho pra entrar na sua casa? - perguntei.
- Um estranho que me salvou de dois molestadores? Acho que não. - Ela sorriu.
- Seus pais não estão em casa?
- Minha mãe trabalha o dia todo e meu pai viaja muito.
Ela foi até outro cômodo, enquanto eu esperava na sala; comecei a sentir as fisgadas no corte.
Logo voltou com uma caixa de primeiros socorros e foi pegando os utensílios.
Primeiramente limpou o corte, e disse ser superficial mesmo, porém ela não sabia que já estava cicatrizando. Segurei firme o braço da poltrona enquanto ela fazia tudo, o corte latejava
- Está doendo? - perguntou ao perceber minha tensão.
- Um pouco - respondi entre os dentes.
Por sorte, com cautela ela fez tudo muito rápido, não deu tempo de perceber que antes mesmo de colocar o último esparadrapo, meu corte já havia cicatrizado.
Conversamos muito depois disso, as horas passaram rápido, foi uma verdadeira distração.
Jennifer era uma garota admirável; me fez rir bastante naquela tarde, já fazia tempo que não ria tanto... Conversávamos como se nada tivesse acontecido antes e como se não tivéssemos nos conhecidos ha poucas horas. Eu estava tão obcecado por Dakota, que estava me esquecendo de reparar na beleza de outras garotas, mas bastou olhar pra Jennifer para lembrar.



Entre Nossas DiferençasOnde histórias criam vida. Descubra agora