6. Anjo de Candura

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Liz se tornou a minha melhor amiga. Eu contava tudo a ela, mas toda vez que eu falava sobre a garota dos olhos claros, ela não parecia feliz. Parecia que eu dizia algo que a magoasse; ela abaixava a cabeça e ficava quieta, e só no dia seguinte ela voltava a ser a Liz de sempre.

Pensei em convidar Liz para uma conversa para ela me explicar o que estava acontecendo. Não era necessário, mas eu odiava ver o meu anjo de candura triste. Ela era sempre meiga e gentil comigo, e eu tentava o máximo não magoá-la. Eu queria vê-la sempre feliz, e me machucava se eu a deixasse triste.

Liz estava sentada na poltrona da sala, lendo "As mil e uma noites".

- Liz... posso conversar com você? - perguntei.

Ela tirou os olhos vidrados do livro e olhou para mim.

- Claro - respondeu.

Tirei cuidadosamente o livro de sua mão e coloquei na mesinha de canto. Peguei a mão dela e puxei-a com delicadeza. Fomos para fora da casa e enquanto caminhávamos comecei a falar.

- Liz...

- Diga - ela olhava atenciosamente em meus olhos, esperando.

- Bom... Eu não sei se é coisa da minha cabeça, mas eu percebi que toda vez que eu falo sobre a menina dos olhos claros... você muda comigo.

Ela desviou o olhar.

- Então... Isso é coisa da minha cabeça? - perguntei.

- Não - disse, sua postura revelava sinceridade.

- Mas por que isso, Liz? Eu não gosto de te ver assim.

- Não é nada, James. Você é meu irmão e está apaixonado por ela... Sei que vai se machucar; só isso. - Liz estava com a cabeça baixa.

Parei e segurei a sua mão esquerda. Com a minha mão direita coloquei em seu queixo e com brandura puxei para cima, obrigando-a olhar para mim.

- Não faça isso comigo, Liz - pedi.

Ficamos olhando fixamente nos olhos, ela parecia um tanto nervosa, eu estava quase ouvindo seus pensamentos. Por algum tempo a pausa permaneceu, e enfim o silêncio foi rompido por ela. Antes não tivesse.

- Eu te amo, James - disse, num jorro de palavras. E eu fiquei sem as mesmas.

 Eu já havia imaginado antes, mas sempre achei que fosse apenas a minha imaginação. Isso mudava tudo.

- Liz... - Não consegui terminar.

- Não diga nada. Eu sei... Você não me ama - ela disse com melancolia.

- E agora, como vai ser?

- Vai ser do mesmo jeito. Eu não devia ter dito isso. Faz de conta que eu nunca te disse nada disso, tudo bem? Vamos continuar amigos. - Ela sorriu sem vontade.

Senti um aperto no peito.

- É claro...

- Eu não quero que você mude comigo por causa disso. Seja como antes, e não deixe de contar tudo pra mim.

- Vou continuar o mesmo, prometo. - Sorri.

Coloquei o meu braço sobre os ombros dela e continuamos a andar, ficamos um bom tempo conversando coisas inúteis. Ela tentou, mas não conseguiu disfarçar a aflição em cada palavra sua.

- Liz, você nunca me contou sobre seu passado - eu disse na esperança que ela começasse a contar sem que eu precisasse pedir diretamente.

- James, posso pedir uma coisa? - Os olhos dela brilhavam. Parecia que havia esquecido tudo o que acabara de acontecer.

- É claro.

- Mas promete que você vai fazer?

- Depende...

- Não é isso, seu bobo - disse rindo.

- Eu nem disse nada. - Sorri pra ela.

- Mas eu sei que você pensou.

- Pode pedir, Liz.

- Então você promete que vai fazer?

- Eu não prometo nada... Mas fale, estou curioso. Quem sabe eu faça...

- Ontem eu sonhei que nós dois fizemos um piquenique em frente ao lado Peyto.

- Ah não, Liz. Isso é coisa de meninas.

- Por favor, James!

- Por que você não chama uma amiga que seja menina de preferência?

- Por que foi com você que eu sonhei!

- A gente pode ir até o lago Peyto... Mas não para fazer piquenique.

- Ah, mas assim não teria graça.

- Teria sim! A gente pode ficar jogando pedrinhas no lago, olhar elas saltarem sobre a água.

- Pare de brincar, James. É sério...

- Se eu for fazer piquenique com você em frente ao lago Peyto e alguém nos ver ou ficar sabendo vai pegar mal pra mim. Algumas pessoas sabem que somos irmãos.

- Ah, pare de ser machista, James. Vamos lá, foi tão legal em meu sonho.

- Mas se vamos fazer piquenique... O que vamos comer? - perguntei confuso, afinal, seria bizarro levar sangue.

- Bom... Não pensei nisso... Mas nós não precisamos comer.

- Então pra quê fazer piquenique? - Eu ainda estava confuso.

- Ah, James, sem mais perguntas. Vamos! Por favor, por favor, por favor! - Ela implorava, até parecia uma criança.

- Como você é insistente...

- Isso é um sim?

- Tudo bem, eu vou. Mas ninguém precisa saber, ok?

Ela abriu um sorriso de orelha a orelha.

- Então 19:30 esteja em casa - ela disse sorrindo.

- Piquenique à noite?

- Sim! - Ela piscou e saiu correndo de volta pra casa. Isso me deu a impressão de que estava escondendo algo.

Entre Nossas DiferençasOnde histórias criam vida. Descubra agora