4. A Caçada

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Andamos pela casa toda, e Liz não parou de falar nem um minuto. Então finalmente ela quis me mostrar aonde ela sempre caçava. Eu me animei, eu ia matar a minha sede, e infelizmente matar um animal também... Mas eu iria me acostumar com isso, eu acho...

 Saímos do bosque e entramos na floresta; o lugar em que ela me levou tinha um rio, ela me disse para ficar bem quieto e então avistou uma gazela bebendo a água corrente.

 - Pegue ela - sussurrou Liz.

 Não pensei duas vezes, o cheiro entrou por meu nariz e corri até a gazela; a minha sede era tanta que nem ao menos deu tempo dela reagir. Agarrei-a com força e mordi; eu não tive tempo de ter dó. Acho que consegui beber até o último pingo de sangue. Mas mesmo assim eu não estava inteiramente satisfeito.

 Escutei a voz de Liz dizendo que fui muito bem e como eu seria bom nisso, além de ser lindo. Olhei rapidamente para trás e ela estava parada me olhando.

 - Disse alguma coisa? - perguntei.

 - Não - ela disse. - Mas você é muito bom.

 - Obrigado... Só que não estou satisfeito.

 - Meu pai não lhe contou sobre isso?

 - Bem... na verdade não conversei muito com o seu pai; mas sobre o que está falando?

 - Sangue de animal não satisfaz toda a sede - disse rindo.

 - Ah... - Me senti um pouco decepcionado. - Eu não imaginava...

 - É melhor do que matar um humano.

Concordei com a cabeça; ela tinha razão.
Eu não sabia se isso iria dar certo, não estava tão empolgado e confiante como alguns deles pareciam estar. Não sabia como iria lidar com a ideia de ter matado meu melhor amigo; apenas peguei uma sobra de esperança e iria depositar meu empenho nela, eu iria me testar. E tentar me perdoar por procurar me contentar em dias ruins.

 - Você não vai se alimentar também? - perguntei olhando para o lado, tentando avistar outro animal para ela.

 - Ainda não preciso. Eu me alimentei faz cinco dias.

 - Nossa! Como consegue?

 - Treinando. Não é tão difícil  Logo, logo você irá até conseguir ficar perto de humanos sem querer mordê-los.

 - Isso é possível?

Ela sorriu, parecia ser um "sim" até pra mim.

 - Estou um pouco sujo, acho que vou precisar de outro banho - eu disse olhando para mim mesmo. Eu estava cheio de barro pelo corpo todo, e um pouco de sangue da gazela. Olhei para a minha camiseta, e ela estava rasgada, fazendo aparecer o meu abdome. - E outra camiseta também.

 - Vamos para casa. Você toma um banho e Roy te empresta outras roupas - disse olhando para o meu corpo que estava a vista. Corei na hora. - Você se machucou de novo.

 Olhei e eu estava com um corte um tanto grande ao lado da cicatriz que eu acabara de ganhar.

 - Não acredito. - Passei a mão pelo corte, estava sangrando muito, e era profundo também. - Como eu não senti?

 - Só sente a dor quando o corte é muito profundo.

 - Mas este está profundo.

 - Eu digo... muito profundo mesmo.

 - Como... o corte exceder o corpo?

 - Digamos que sim.

 - Nem quero imaginar a dor da cicatrização de um ferimento desses.

 - Mas quando o ferimento excede o corpo, é ao contrário.

 - Como assim?

 - Dói quando o ferimento é recente, e na hora de cicatrizar você não sente nada. É como se o corpo rejeitasse o ferimento.

 - Já aconteceu isso com você?

 - Não. Mas meu pai, quero dizer, nosso pai... é um ancião dos vampiros. Ele sabe de muitas coisas.

 - E eu preciso aprender muitas coisas também. 

 - Você não está sozinho. Meu pai te fez parte da família e agora sinta-se protegido.

 - É estranho o modo como você fala... Parece que não é tão seguro ser um vampiro.

 - Bom... Nunca subestime um vampiro, ele é o seu pior inimigo. Consegue te matar muito mais rápido do que você imagina.

 - Então quer dizer que apenas vampiros podem me matar?

 - Bom... Existem caçadores também.
- Sem querer desrespeitar, mas se existem Van Helsing e outros vampiros que podem te matar por ai, por que você continua viva?
- Por que eu fico na minha, como o restante de minha família. Não provocamos nenhum vampiro e não atraíamos nenhum caçador; e mesmo assim temos que ficar espertos.
 - Como são os caçadores?
 - São pessoas normais. Eles só viajam bastante e estão sempre carregados de utensílios que nos fazem mal ou que os protegem. É um pouco difícil de reconhecer um, porém eles conseguem te reconhecer fácil. Mas não se preocupe, apenas fique na sua e não mate humanos, assim eles não vão ter motivos para vir te buscar, porém eles também não são de se subestimar, alguns querem a cabeça de todos os vampiros como troféus, independente se são bons ou ruins.
 - Está querendo me assustar?
 - Não. Só te avisar. Também tem alguns humanos que sabem da nossa existência, mas Lester ficou encarregado em não deixar esses humanos espalharem a noticia.
- Quem é Lester?
- Um vampiro ancião também; amigo de nosso pai.
- Ele mata pessoas que descobrem sobre nós?
 - Não, não. Ele é do bem; mas teve uma conversinha muito séria com cada um deles. Não são muitos, mas Lester é responsável por eles, além do que virou amigo de todos aqueles que resolveu não apagar a memória.
Apagar a memória? - Pensei. Isso queria dizer que existiam outros com "dons" tambem.
 - E esse anciões como Robert e Lester... quantos existem?
 - Hoje existem poucos. A maioria os caçadores tiveram o prazer de matar... são os preferidos depois dos Likers.
 - Quem são Likers?
 - É um clã; onde todos tem ódio e repugnância por humanos. Já esqueceram que um dia foram humanos também. Valery, Dementor, Connor e Simon, cada um deles tem o dever de não deixar humanos que sabem demais andando por ai. O que mais gostam de fazer é matar pessoas, qualquer tipo de pessoa, porém eles tem medo de Lester, e com razão, pois ele é um vampiro muito poderoso.
- Por que esses vampiros existem? Todos os outros vampiros deveriam se reunir e matá-los...
- Seria uma guerra! Não queremos isso; além do que não podemos. Iria ser uma grande confusão.
 De repente aquela dor importuna começou a voltar. Comecei a gemer entre os dentes de dor. Sentei-me numa pedra e tentava reprimir os gemidos.
 Quando finalmente a dor cessou por inteira, me levantei devagar e pudemos ir embora sem que eu passasse mais vergonha.
 Entrei pela sala; Roy e Ben estavam sentados no sofá. Logo que entrei os olhos deles dispararam para mim. Ben riu sem se importar e Roy reprimiu uma risada.
 - Desculpa ter tornado a sua roupa um trapo, Roy - eu disse meio sem jeito.
 - Não se preocupe com isso - disse me tranquilizando.
 - Ele vai precisar de outras roupas, Roy - disse Liz.
 - Ah, claro. Venha comigo... Vou pegar para você.
 Segui-o até o quarto, ele procurava roupas que servissem para mim, mas parecia estar difícil encontrar uma.
 - Vai precisar fazer uma comprinha - ele disse, brincando. - As que eu tenho parecem não servir pra você.
 - Acho que vou ter que buscar minhas roupas em minha casa. Se não vou ter que fazer um empréstimo - brinquei também.
- Relaxa, pra nós dinheiro não é problema. - Ele piscou, sorrindo jubiloso.

Entre Nossas DiferençasOnde histórias criam vida. Descubra agora