Capítulo Nove - Ricardo Vasconcellos

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Ricardo

"Você não sabe, mas é que eu tenho cicatrizes que a vida fez".

Não estou acostumado com contato físico. Essa coisa de abraçar, encostar desnecessariamente em outra pessoa, parece-me intimo demais. Marisa, minha mãe, nunca foi uma pessoa extremamente carinhosa. Meu pai, muito menos. E mesmo que eu me esforçasse para que Guilherme não tomasse tanto na cabeça como eu – em relação aos meus pais –, era cada um no seu quadrado. Sem viadagem de ficar dando abracinho e o caralho á quatro. Acredito que minha concepção sobre contato físico tenha algo relacionado com minha família ser um (generoso) tanto individualista.

Para mim, contato físico além de pau na boceta, mãos e língua, é estritamente dispensável.

Eu deveria ter me sentido mais á vontade em relação á Daniela depois daquele momento esquisito no quarto dela, onde eu senti um negócio estranho ao vê-la tão vulnerável, livre das armaduras habituais. Mas não foi o que aconteceu. Depois daquilo, o desconforto em sua presença aumentou, pois homem nenhum fica de pau duro quando recebe um abraço livre de qualquer malícia para selar a amizade com uma mulher.

A cada dia que passa me vejo mais encurralado, principalmente quando me lembro do cheiro gostoso que exalava de seus cabelos após o banho demorado, e da temperatura quente e confortável de sua pele.

Já ficou explícito que a vida dessa mulher é um livro fechado, até mesmo para os mais próximos. Acreditei quando ela, pela segunda vez, pediu desculpas e disse que não se referia á mim naquela noite. Daniela é ridiculamente transparente, mas ataca para não ser atacada. Tem medo de dar abertura e algum limite do qual desconheço, ser ultrapassado.

– Pessoal!

É quarta-feira, nem seis da tarde. Acabamos de fazer um lanche, feito por Daniela e sua amiga bonita de cabelos curtinhos, a Sandra. Se bem me recordo, é a mesma que estava com ela na boate. A sala do apartamento deles está abarrotada de malas e estamos esperando apenas Felipe chegar do escritório do pai para pegar estrada. Todos falam ao mesmo tempo, eufóricos por quatro dias de descanso em uma cidade no meio do nada, enquanto Daniela tenta dar algum recado importante.

– Pessoal!

Percebendo que o falatório não cessa, ela coloca um dedo de cada mão sob a língua e assovia tão alto que todos ficam em silêncio, perdendo a fala e, muito provavelmente, a audição.

– A viagem vai atrasar. O Lipe teve um problema com o Augusto e vai chegar mais tarde. Sugiro que a gente saia amanhã cedinho.

– Quem é Augusto? – Guilherme pergunta como o bom curioso que é.

– O pai dele.

Isso explica muita coisa, eu acho.

– O foda é que é longe, Dani. Vamos perder a manhã toda na estrada. – Do sofá, Rafael argumenta de forma pacífica.

Ela concorda com um movimento de cabeça e retorna á falar.

– Eu sei. Mas não podemos ir e deixar que o Lipe vá sozinho depois, á noite. A estrada é perigosa e Deus me livre se ela pega no sono. Sugiro que os meninos, exceto o Levi, se ajeitem no apartamento do Ricardo. E vocês dois – ela aponta para Sandra e Levi – fiquem aqui, comigo.

– Não tem lugar pra quatro machos no meu apê! – Sou sincero, já que o quarto vago foi preenchido apenas com uma cama de solteiro. – E eu não vou dividir minha cama nova com cueca. Sem chance.

– Dá pra você parar de complicar? – Ela se irrita. Os braços cruzados, as sobrancelhas espessas elevadas.

Eu gostaria de não achar sexy os peitos dela pulando para fora da regata devido á pressão que os braços cruzados fazem sob eles, mas não consigo. E a sorte, é que seus olhos são expressivos demais para que eu perca a oportunidade de observá-los, ou eu prenderia meu olhar nos peitos, mesmo.

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