Daniela
Após ter um mal súbito e ser amparada por Augusto, precisei de alguns minutos para me recompor. Nada do que me ofereceram – água, café, abanos – seria capaz de devolver o equilíbrio não apenas do meu corpo, mas também, da minha mente.
A necessidade de entender o motivo de Rosângela ter me privado de ter uma vida diferente - e não me refiro à parte financeira – se apossa de mim a cada segundo que o ponteiro do relógio avança. E foi por isso que exigi ficar a sós com a minha mãe. Eu preciso de uma satisfação; uma explicação, no mínimo, coerente. Argumentos plausíveis que sejam capazes de fazer com que eu não consiga sentir raiva da minha própria Mãe, e nem venha a julgá-la de forma negativa.
Sem dizer sequer uma palavra, Rosângela porque chora e eu por estar imersa em meu estado de letargia, pegamos um táxi, já que ambos me julgaram incapaz de sentar atrás do volante do meu Uno Mille deixado no estacionamento da empresa.
Deus... Eu não estou sonhando. Eu tenho mesmo um Pai, e este esteve perto de mim o tempo todo!
A verdade é que eu nunca senti falta de um Pai, pois sempre acreditei que o ser humano não pode sentir falta daquilo que nunca possuiu. Entretanto, não posso negar que sempre desejei ter um para chamar de meu, e que durante toda a minha infância, senti-me culpada por saber que, lá no fundinho, eu sentia uma pontinha de inveja do meu irmão, por ele ter tido a sorte de ter Augusto, ainda que este sempre tenha me tratado de forma tão carinhosa.
Agora, me esforçando para pensar com mais clareza, percebo que nada do que Rosângela disser será suficiente para me fazer compreender. Nenhuma desculpa, por melhor que seja, conseguirá justificar a tamanha crueldade que fora ter nos privado de ter uma convivência como pai e filha.
– Eu preciso entender o porquê. – Digo, fitando o rosto coberto de pranto da minha mãe.
Estamos sentadas de frente uma para outra, eu na poltrona, e ela no sofá. Acredito que se sentindo pressionada, ela quebra o contato visual comigo. Talvez a coragem tenha a abandonado há muito mais tempo do que consigo presumir.
Rosângela passa as mãos pelas bochechas para enxugar as lágrimas. Atenta a todos os movimentos e expressões dela, percebo sua garganta engolir em seco, antes de começar a relatar o que acontecera no passado, entre ela e o Augusto.
– Eu e Augusto tínhamos a vida de um casal normal. – Ela cruza os dedos sobre os joelhos unidos e fita o tapete da sala, como se este fosse mais atrativo do que meu rosto. – Éramos jovens, cheio de planos e sonhos. – Seu suspiro é audível, como se lamentasse algo. – Ele sempre foi um bom marido e um pai incrível, era tudo o que uma moça novinha, como eu era naquela época, almejava; um homem com um emprego estável e uma carreira brilhante pela frente, disposto a nos dar uma vida confortável; um lar. Eu era feliz ao lado dele. Muito feliz. Me sentia realizada em poder cuidar da nossa casa e do nosso primeiro filho."
"Até que ele começou a trabalhar demais, e como consequência disso, o nosso casamento, aos poucos, foi indo por água abaixo. As intenções dele sempre foram as melhores, eu nunca tive dúvidas disso. Augusto queria o melhor para nós, para o seu irmão e eu, mas... – Ela suga bastante o ar, antes de continuar – o mais importante, que nem de longe era o dinheiro ou a estabilidade financeira, e sim, a nossa união e os votos que fizemos diante de um padre, foi ficando de lado. Nós dois mudamos com o passar do tempo, e apesar de termos certeza que o amor ainda existia, decidimos que nos separar era a melhor escolha naquele momento."
"Ele saiu de casa, conheceu a Suzana alguns meses depois e eles engataram em um relacionamento. Mas não demorou muito para que nós dois tivemos uma recaída; recaída essa que me trouxe você, o melhor presente da minha vida, assim como o seu irmão havia sido quatro anos antes. Algumas semanas depois, para o meu desespero, me descobri grávida pela segunda vez. Quando o procurei para contar, ele se adiantou, dizendo que tudo não havia passado de um erro e que estava arrependido da noite que passamos juntos. Meu orgulho ficou ferido, claro..." – minha mãe solta um curto som de escárnio, antes de continuar.
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Ultrapassando Limites
Roman d'amourDaniela Fernandes é uma jovem vinda de Boa Esperança, uma cidadezinha pacata do interior do Paraná. Filha de uma mulher simples e pai desconhecido, ela vai morar com o irmão - cujo vínculo sanguíneo é restrito apenas pela parte da mãe - em busca de...