Capítulo Cinco - Daniela Fernandes

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Daniela

Debruçada sobre o balcão de alumínio do café, com a palma da mão empurrando a bochecha contra o olho, penso em diversas coisas. O atrito estranho e indireto entre Sandra e Felipe chamou minha atenção. Nunca vi meu irmão se irritar com facilidade só porque alguém não fez algo que era de sua vontade, e Sandrinha conseguiu essa façanha com êxito. Já minha amiga, ficou incomodada demais ao ver a loira falsificada pendurada no pescoço de Felipe como um filhote de macaco.

Será?

Não... Não pode ser.

Se for, devo me preocupar?

Felipe nunca mais quis saber de relacionamento sério desde que Patrícia o aconteceu. Acho que a menina realmente o traumatizou, deixando meu irmão na pista e cheio de amor para dar.

Quem dera o meu trauma afetuoso tivesse sido um mero pé na bunda.

– Menina Daniela!

A voz de Dona Lourdes ecoa atrás de mim.

– Coloque os assados na estufa, filha. Ligeiro, se não vai esfriar!

Com um pano de prato, apanho a forma quente de suas mãos através da janela retangular e faço o que me pede.

Faz frio em São Paulo hoje, e eu, como a boa interiorana que sou, estou parecendo um pacote de roupas que mal consegue se movimentar, andando feito um pinguim e bufando meu hálito quente nas mãos hora ou outra para esquentá-las.

Como consequência do tempo, o movimento no café aumenta gradativamente. Na correria do dia a dia, observo pessoas de diferentes tipos entrarem e saírem do estabelecimento, portando seus cafés fumegantes em um copo de isopor. Algumas têm livros em mãos, outras, valises, enquanto outras fogem do padrão e passam um longo período de tempo sentadas á mesas individuais, escutando músicas em seus respectivos fones de ouvido, e saboreando um delicioso croissant feito pelas mãos de fada de dona Lourdes.

Com esses pensamentos, percebo sentir falta da minha antiga vida, antes de ela ter se complicado.

Lembro-me de aproveitar muito os dias de frio não intenso que fazia na cidadezinha pacata do interior do Paraná, ao lado de Felipe, das poucas amigas que tinha, e daquele cujo nome é proibido até de pensar. Eram tempos bons, não posso negar.

Há tantas coisas que eu gostaria de entender... Mas, possivelmente, nunca terei respostas, já que não pretendo nunca mais durante minha existência dirigir á palavra ao mentor do caos que virara minha vida.

É finalzinho de tarde e de expediente e estou arrumando minhas coisas para me dirigir á faculdade. Hoje terei aula com o doutor Antunes, o professor que cospe saliva para todos os lados durante a fala. Antes de jogar a bolsa no ombro, solto um suspiro de desânimo ao me lembrar disso. Despeço-me cordialmente de dona Lourdes e saio pela porta do café, andando sentido ao ponto de ônibus.

Vitória na guerra, Daniela.

Rio sozinha de meu próprio pensamento bobo e balanço a cabeça em negativa.

Hoje é um dos dias em que Felipe deveria estar na faculdade para a aula de mestrado, mas me avisou pelo whatsapp que teve um imprevisto com um amigo que precisa de ajuda. Não questionei, apenas lamentei que em um dos dois dias da semana em que pego carona com meu irmão para voltar da PUC, terei de pegar o metrô. Mas, tudo bem. Um dia a mais, um dia a menos, não fará diferença.

Estamos eu e Levi esperando pacientemente pelo cuspidor profissional quando o coordenador do nosso curso adentra a sala acompanhado por um homem jovem. Mais velho do que Felipe, mas ainda assim, jovem. A expressão de ambos são fechadas, e vejo um resquício de preocupação no cenho franzido do senhor Gilberto.

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