Capítulo Vinte e Três - Ricardo Vasconcellos

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Ricardo

O ser humano faz muita babaquice na vida. Nós, os Homo sapiens, do latim homem sábio, não deveríamos ter recebido tal título. Os membros dessa espécie têm um cérebro altamente desenvolvido, com diversas capacidades, sendo duas delas, o raciocínio e a resolução de problemas. Contudo, essa racionalidade toda de nada serve quando se trata das nossas emoções. Um animal irracional leva mais vantagem por não ter um cérebro pensante, como o nosso; um animal irracional é mais feliz, pois não se preocupa com nada que não seja o laço afetivo; não guarda ressentimentos, tampouco deixa o orgulho falar mais alto.

No início não procurei Daniela porque eu estava confuso demais, e não podia me distrair com outra coisa que não fosse o processo contra o Neto. Depois, porque o Felipe dissera que era melhor deixar que as coisas se acalmassem entre ela e a mãe. Agora, quando decidi que já havia se passado tempo suficiente para que ela organizasse as ideias, Felipe me vem com um "tarde demais, ela está fora de São Paulo".

– Como assim fora de São Paulo? Há quanto tempo? – Puto da vida, eu perguntei com irritação.

– Uma semana, mais ou menos.

– Porque você não me disse?

– Porque eu soube ontem, quando voltei para o meu apartamento.

– E aonde ela está?

– Eu não sei Rick. A única que sabe aonde a Daniela se meteu é a minha mãe, e ela não está disposta a falar nem mesmo pra mim.

Soltei um riso de puro escárnio.

Que ótimo.

Foi por isso que, fazendo o possível para respeitar as leis de trânsito, dirigi o mais rápido que pude rumo ao prédio em que morávamos. Parei o elevador alguns andares antes do meu, no intuito de coagir dona Rosângela a abrir o bico.

Deu certo. Fiz minha melhor expressão de homem abandonado e prometi que se Daniela quisesse que eu voltasse embora, eu respeitaria sua vontade e atenderia seu pedido sem discutir.

Às pressas, arrumei uma pequena mala com apenas o essencial, passei no escritório para orientar a nova secretária que tomasse conta dos e-mails mais urgentes e me contatasse ao menos problema, e saí de São Paulo, rumo ao do mundo.

Foram nove horas de viagem. Precisei parar em um hotel de beira de estrada para tirar um cochilo e tomar um banho, pois estava cansado e achei que essa era a decisão mais prudente a ser tomada, se eu quisesse reencontrar minha Feiticeira fujona em algumas horas.

Agora estou aqui, na varanda da casa de dona Rosângela, tocando a campainha como se eu tivesse algum tipo de tique no dedo indicador.

– Tá procurando pela menina Daniela, moço? – Curiosa, uma senhora rechonchuda, apoiada na janela de sua própria casa e fumando despreocupadamente, pergunta.

– Sim, eu estou. A senhora a viu?

– Saiu já tem mais de uma hora. Você é o que dela, mesmo?

Contive a vontade de revirar os olhos.

– Obrigado, eu vou dar uma volta de carro pra passar o tempo. A senhora sabe, enquanto ela não volta... – Tento sorrir, mas acho que acabo fazendo uma careta.

De repente, é como se uma lâmpada se acendesse sobre a minha cabeça e acho que tenho uma ideia de onde Daniela possa estar.

Abro o porta malas do carro, retiro da mala uma bermuda, um boné e um par de tênis, e jogo as peças no banco traseiro. Dobro as mangas da camisa até os cotovelos e aproveito a privacidade que os vidros escuros do meu esportivo proporcionam, para trocar a parte de baixo das minhas roupas sem ser visto.

Ultrapassando LimitesOnde histórias criam vida. Descubra agora