Daniela
Embora receber o título de "prostitua da alta sociedade" tenha sido um fator excruciante dessa festa de merda, não posso negar estar extremamente satisfeita por Ricardo ter saído em minha defesa. Confesso que esperava menos dele, mas fui surpreendida positivamente, desta vez.
Apesar de ter me sentido muito ofendida – o que, diga-se de passagem, é bem plausível –, voltarei para São Paulo de alma lavada e coração tranquilo, apenas por ter chegado à conclusão de que Ricardo, no fundo, não faz jus ao apelido que lhe dei. Eu estava completamente enganada sobre ele.
Não que ele não tenha demonstrado claros sinais de ser um homem com altos níveis de egocentrismo, pelo contrário. Porém agora, conhecendo a porcaria da família que ele tem – exceto Guilherme, claro –, não é difícil entender de onde vem suas características narcisistas.
Embora eu sempre o tenha achado arrogante e prepotente, na mesma proporção, preciso admitir que, por diversas vezes, fui capaz de enxergar em seus olhos um sinal de arrependimento de algum ato inusitado ou fala impensada, o que já é um ponto a seu favor.
Não estou querendo, de forma alguma, justificar as merdas de Ricardo Vasconcellos. Estou apenas dizendo que se ele tem um lado repugnante, a culpa não é totalmente dele.
Todavia, independente de toda a merda que fora a vida de Ricardo dentro dessa casa, o que mais me conforta é saber que ele aprendeu, mesmo que aparentemente sozinho e de forma árdua, a não se deixar levar.
Termino de retocar o batom e, depois de ter a certeza de que o contorno está perfeito, guardo o cilindro em um local estratégico do meu vestido e caminho a passos decididos em direção a porta.
Marisa não irá estragar a minha noite. Eu não preciso, de maneira alguma, me sentir envergonhada diante de uma mentira. Quem deveria sentir-se constrangida é ela, por ter me atacado de forma tão baixa apenas por não ter ido com a minha cara ou ter percebido que não tenho um tostão furado dentro do bolso.
Tomando cuidado para não deixar meu nervosismo interferir em minha atitude, ando devagar sobre os saltos finos, e logo uma breve lembrança das tardes de ensaio para o concurso "Miss Boa Esperança" invade meus pensamentos. Andávamos com livros sobre as cabeças para alcançarmos a postura perfeita e um andar natural e elegante. O queixo sempre elevado para cima e os ombros rodados para trás, passam uma postura segura, segundo a coordenadora do concurso.
E é seguindo essa teoria como um mantra, que continuo meus passos confiantes de volta para a festa.
Queixo elevado, ombros para trás. Um passo atrás do outro.
Isso Daniela, você está indo bem. É só se segurar para não arrancar os cílios postiços da Marisa Megera, que tudo dará certo.
Mas, é quando ouço uma voz familiar, que minha concentração se esvai e interrompo meus passos no meio do caminho.
Com uma enorme porta de madeira entreaberta, não é difícil perceber que está acontecendo uma discussão dentro do cômodo que, se eu bem me recordo, é o escritório da mansão.
Eu sei que escutar a conversa alheia atrás da porta não é de bom tom. No entanto, para quem foi chamada de "puta" por tabela, mal-educada é um adjetivo ordinário.
– Estou esperando uma resposta, Marisa. Porque fez aquilo?
Com medo de que até as batidas do meu coração sejam ouvidas, prendo a respiração o máximo que posso.
– Ela não é mulher pra você.
Reviro os olhos.
É claro que não.
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Ultrapassando Limites
RomanceDaniela Fernandes é uma jovem vinda de Boa Esperança, uma cidadezinha pacata do interior do Paraná. Filha de uma mulher simples e pai desconhecido, ela vai morar com o irmão - cujo vínculo sanguíneo é restrito apenas pela parte da mãe - em busca de...