Daniela
Por mais incrível que pareça, eu e Ricardo concordamos, de imediato, em parar para descansar após as primeiras horas de viagem. Assim podemos passar um tempo sozinhos, já que quando chegarmos a São Paulo não teremos tanta privacidade, levando em consideração os últimos e inesperados acontecimentos. Nossos amigos e a família irão nos cercar e bombardear perguntas em nossa direção, a fim de entender toda a situação em que nos enfiamos.
Agora eu tenho um Pai, e um Filho. Ou Filha. Ou Filhos. Oh, Deus, isso é tão surreal!
O tempo em que passamos na estrada serviu para que eu conhecesse mais um pedacinho de Ricardo Vasconcellos, o que me deixou um pouquinho mais apaixonada, se isso for realmente possível. Ele é tão mais leve fora do seu cotidiano que chegou a me contagiar com uma energia positiva; seu humor, ainda que na maioria das vezes seja meio negro, me divertiu bastante e me fez esquecer, ao menos por ora, o peso dos problemas que trago sobre as costas, embora esses estejam se resolvendo no decorrer dos dias, o que proporciona um pouco de alívio ao meu peito.
Durante o percurso, cada paisagem que me encantava – que para muitos passava de forma insignificante e na velocidade da luz –, Ricardo fez questão de parar o carro no acostamento para que eu tirasse algumas fotos. Selfies de nós dois diante de um fundo incrivelmente verde foram registradas em nossos celulares, outras fotos apenas minhas, apenas dele, ou apenas da paisagem que fornecia uma deliciosa sensação de paz, ainda que a estrada estivesse barulhenta pelos veículos que trafegavam.
É evidente para mim que, ainda que ele jamais admitisse, havia passado de assustado para abobalhado, com a notícia da gravidez. A evolução não foi gradativa e eu imagino que Ricardo esteja travando uma batalha árdua dentro de si, ao perceber que sua vida mudará completamente, daqui para frente.
Eu estou com medo também, é óbvio. Mas dizem por aí que algumas mulheres já nascem com instinto maternal, e acho que pode ser o meu caso. Posso ter os meus defeitos, ter pouca experiência de vida aos olhos alheios – já que só eu sei as experiências negativas e positivas que fizeram parte da minha história –, mas me sinto estranhamente preparada para assumir a responsabilidade de ser mãe. É como se tudo que eu tivesse vivido até aqui, não fosse nada comparado à sensação de ter um coraçãozinho batendo dentro do meu próprio corpo.
Eu não acreditava quando ouvia que a maternidade faz coisas mágicas com algumas mulheres, mas agora percebo que, mesmo que algum dia eu me esforce em relatar essa experiência para outras pessoas, a compreensão só nos invade ao vivermos este momento. É praticamente inenarrável, esse sentimento imensurável.
Por mais que eu diga que é amor incondicional, é incompreensível; por mais que eu diga que daria minha vida a um ser humano que ainda não tem face, sexo, tampouco nome, é incompreensível; por mais que eu demonstre através de sorrisos genuínos ou lágrimas de felicidade, será sempre incompreensível, para quem ainda não viveu essa fase incrível da vida.
– Você acredita em Deus? Ou em destino? – Indago enquanto ele massageia meus pés. Estamos em um dos diversos quartos do hotel simples, porém confortável, que encontramos após pararmos para abastecer.
– Não sei. Por quê?
Dou de ombros.
– Porque mesmo que isso entre nós não dê certo, acho que era pra ser você, o pai do Serumaninho. – Acabo sorrindo ao perceber que usei o mesmo apelido que Ricardo dera para o bebê. – Oh, continue com isso, está delicioso. – Peço, referindo-me a pressão que ele coloca em meus pés.
– Porque diz isso?
– Já parou pra pensar? Você me conheceu em uma manifestação, depois caiu na mesma sala de aula que meu irmão, virou amigo dele, e aí certo dia eu cheguei em casa e "pá", você tava no meio da minha sala. E isso tudo aconteceu em São Paulo, era praticamente impossível nós nos vermos de novo. Era pra ser.
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Ultrapassando Limites
RomanceDaniela Fernandes é uma jovem vinda de Boa Esperança, uma cidadezinha pacata do interior do Paraná. Filha de uma mulher simples e pai desconhecido, ela vai morar com o irmão - cujo vínculo sanguíneo é restrito apenas pela parte da mãe - em busca de...