Capítulo Dez - Daniela Fernandes

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Daniela

Sempre achei que quando eu retornasse á cidade de Boa Esperança, quem estaria comigo seria o Felipe. Meu irmão passou por tudo junto comigo. Me apoiou, defendeu meu nome das línguas maldosas e rompeu a amizade com Neto, através de um golpe certeiro no meio da boca. O dente engolido foi a sentença que faltava para formalizar. Naquela época, o Lipe já morava em São Paulo e visitava a gente nas férias da faculdade e nos feriados habituais que tem durante o ano.

Não imaginei que estaria ao lado de Ricardo, e muito menos que ele me passaria algum tipo de conforto mesmo sem saber o motivo para eu estar tão apavorada. Apesar de não ter meu irmão comigo, Rick foi bem atencioso, mas soltou minha mão rápido demais, com aquele papo ridículo de que contato físico é desnecessário fora de uma cama.

Babaca.

Felipe ficou apreensivo quando avisei, através de uma ligação rápida, que eu chegaria á nossa cidade natal com dois desconhecidos. Não foram bem essas palavras que eu disse, mas tenho certeza de que foi exatamente o que pensou. Em seguida, recebi uma mensagem dele, que dizia: "Vá direto para a casa da mãe".

Para onde mais eu iria, ?

Fiquei pensando durante o longo trajeto, o que as pessoas pensariam quando visse a devassa que fora exibida em um vídeo pornô caseiro, chegando com dois moços bem apessoados da capital, á pacata Boa Esperança. Provavelmente, vão achar que agora faço vídeos de surubada. Só pode!

– É aqui? – Ricardo pergunta, tentando enxergar o número da residência amarela e acolhedora através do vidro dianteiro do carro.

Hahãm.

– Então vamos descer.

Respiro fundo.

Minha mãe aparece na pequena varanda de parapeito branco e logo adentra a casa novamente, para vir abrir a porta. Guilherme já está fora do carro alongando o corpo quando, impulsivamente, peço:

– Será que você pode segurar a minha mão?

Engulo em seco, mas o nó na minha garganta permanece lá, bloqueando passagem.

– O que?

– Por favor? – Quase choramingo e me sinto patética por isso.

Eu poderia muito bem pedir apoio á Levi, se pelo retrovisor eu não o enxergasse ocupado com as malas da Sandrinha, como se fosse o funcionário desses hotéis caros que você só vê em filmes. Eu diria que minha amiga está quase se sentindo a "Eloise no Plaza" ao ver nosso amigo pagando de carregador.

– Você está pedindo "por favor"?

– Ah, Ricardo! Qual é?

Ele sorri presunçosamente, desce do carro e em questão de segundos, abre a porta para mim. A mão estendida, o sorriso discreto de dentes escondidos lá, enfeitando sua cara que não precisa de nenhum adorno.

Apanho sua mão sem pensar muito nas consequências e desço do carro. Observo, com certo desconforto, as luzes dos vizinhos de dona Rosangela ainda acesas. Não demora muito para, em uma das casas, algum curioso espiar entre a cortina a vagabunda da Daniela, chegando depois de anos, em um carro de luxo e de mãos dadas com um homem vestido dentro de um terno caro de três peças. Logo, a notícia vai se espalhar e precisarei lidar com isso da melhor forma possível: ignorando.

– Pare de suar. – Ele ordena em um cochicho, referindo-se á minha mão molhada.

– Não é como se eu conseguisse controlar! – Rebato em um sussurro enquanto Sandra, em uma distância segura, fita nossas mãos juntas com descrença. Eu quase consigo escutar os pensamentos dela perguntando: O que eu perdi?

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