Evidentemente, ela iria querer o prato de volta, e ele teria de esvaziá-lo de alguma maneira. Foi então que provou um deles e gemeu baixinho, aprovando o delicioso sabor. Depois comeu outro, com um suspiro de pura apreciação.
Quando já havia comido quase duas dúzias, foi que se deu conta do que estava fazendo e praguejou. Olhou para o prato quase vazio com um misto de autocensura e de indignação. Então foi para a sala e pegou seu sax. Seria mais saudável fazer uma breve caminhada antes de ir para o clube.
Ao abrir a porta, ouviu Dulce se aproximando com passos firmes pelo corredor. Com ar de desagrado, ele deu um passo atrás, deixando apenas um pequeno vão aberto na porta. Mesmo a certa distância, ouviu a voz dela e arqueou- uma sobrancelha ao notar que ela estava sozinha.
- Nunca mais! - protestou Dulce. - Nem que ela me ameace de morte. Nunca mais passarei por essa tortura novamente! É isso, e ponto final!
Christopher notou que ela havia mudado de roupa. Estava vestida com uma pantalona e um blazer pretos, por cima de uma elegante blusa de seda lilás. Um par de brincos de argola dourados deixaram-na com uma aparência mais sensual.
Continuou falando sozinha, enquanto abria a bolsa do tamanho de um envelope do correio.
- A vida é curta demais para ter suas horas desperdiçadas com uma pessoa tão insuportável. Ela não vai me fazer isso novamente. Sei como dizer "não", e é isso que farei da próxima vez. Preciso apenas praticar um pouco, só isso. Onde diabos está aquela chave?
O som de uma porta se abrindo atrás dela a fez se sobressaltar e virar-se de repente. Christopher, notou que os brincos que ela estava usando não eram totalmente iguais e imaginou se aquilo seria um novo tipo de moda ou falta de atenção mesmo. Porém, ao se lembrar de que ela não estava conseguindo encontrar uma chave dentro de uma bolsa menor do que a palma de sua mão, optou pela última hipótese.
Dulce parecia refrescada, como se houvesse acabado de sair do banho, deixando para trás uma nuvem de um perfume maravilhoso. E o fato de Christopher haver se sentido afetado por isso, deixou-o ainda mais aborrecido.
- Espere um pouco - pediu a ela, então voltou ao apartamento para pegar o prato.
Dulce não tinha a mínima intenção de ficar ali esperando. Finalmente encontrou o esconderijo da chave: no canto do bolso interno, onde ela mesma a havia colocado justamente para se lembrar de onde encontrá-la quando fosse necessário.
Christopher conseguiu alcançá-la antes que ela entrasse. Saiu do apartamento pouco depois e fechou a porta atrás de si. Em uma mão, trazia a maleta do sax e na outra o prato onde Dulce havia colocado os biscoitos.
- Aqui está - disse a ela, jurando a si mesmo que não iria perguntar o que provocara aquele brilho de indignação nos olhos dela. Se o fizesse, era bem capaz que ela passasse a meia hora seguinte contando a história a ele.
- De nada - ironizou ela, aceitando o prato.
Estava com a cabeça doendo, depois de haver passado as duas últimas horas ouvindo a conversa monótona de Frank, primo de Anahí. Mas do que estava reclamando?, pensou com sarcasmo. Afinal, agora estava sabendo tudo sobre o mercado de ações e sobre as aplicações mais seguras que poderiam ser feitas nele. Levada pelo mau humor, decidiu dizer poucas e boas ao sr. Misterioso.
- Ouça, se não quer fazer novas amizades, tudo bem. Não preciso mesmo de mais amigos - declarou ela, balançando o prato para enfatizar o que dizia.
- Na verdade, tenho tantos no momento que estou querendo me livrar de alguns deles. De qualquer maneira, não havia motivo para você ser tão rude. Tudo o que fiz foi me apresentar e lhe oferecer alguns malditos biscoitos!
Christopher teve de se esforçar para se manter sério.
- Malditos biscoitos deliciosos - confessou ele, arrependendo-se assim que viu um brilho de divertimento surgir nos olhos dela.
- E mesmo?
- Sim.
Dizendo isso, ele seguiu pelo corredor em direção à saída, deixando-a surpresa com aquela reação.
Foi então que Dulce decidiu seguir seu impulso, um de seus hobbies preferidos. Destrancou rapidamente a porta de seu apartamento e deixou o prato sobre a mesinha de centro. Em seguida, saiu novamente e trancou a porta. Então começou a seguir o sr. Misterioso, esforçando-se para não fazer nenhum barulho ao andar.
Seria um ótimo roteiro para uma nova aventura de Emily, pensou ela, contendo a vontade de rir. Claro que seria preciso criar um contexto onde Emily estivesse completamente apaixonada, concluiu, enquanto tentava descer a escada com rapidez e na ponta dos pés. Uma atitude como aquela não poderia ser justificada como normal, advinda de uma mera curiosidade. Teria de ser algo mais intenso, uma espécie de paixão desenfreada.
Ofegante sob o efeito de uma intensa expectativa, flagrou-se com a mente repleta de possibilidades. Ao sair do prédio, olhou rapidamente para os lados.
Ele já se encontrava no meio do quarteirão. Uma boa distância, concluiu Dulce, começando a segui-lo e disfarçando um sorriso.
Em seu lugar, claro que Emily manteria um ar de mistério, escondendo-se atrás de postes e nas esquinas, para o caso de ele se virar de repente e...
Com um sobressalto, escondeu-se de repente atrás de um poste, quando a "vítima" de sua perseguição arriscou um olhar por sobre o ombro. Levando a mão ao peito, Dulce inclinou-se ligeiramente para frente a tempo de vê-lo virar a esquina.
Aborrecida por haver decidido usar saltos em vez de sapatos mais confortáveis para o jantar, ela respirou fundo e seguiu na mesma direção onde ele havia virado.
Seu vizinho caminhou durante vinte minutos, até Dulce sentir os pés em chamas e todo aquele ânimo inicial se desfazendo como uma nuvem assaltada por um sopro insistente. Teria ele aquela mania de caminhar todas as noites pelas ruas com o saxofone?
Talvez não fosse apenas mal-educado, mas também maluco. Provavelmente fora liberado de algum hospício naqueles últimos dias, e por isso não sabia ao certo como se dirigir às pessoas de uma maneira normal.
A família abastada e cruel o mantivera em uma espécie de cativeiro, afastando-o do resto do mundo para que ele não reivindicasse seus direitos sobre a herança da avó falecida, que morrera sob circunstâncias suspeitas, deixando toda sua fortuna para o neto. Por fim, era provável que todos aqueles anos de cativeiro, tendo de lidar com um psiquiatra corrupto, haviam-no deixado meio amalucado.
Sim, seria exatamente isso que Emily deduziria, chegando à conclusão de que somente seu amor puro e dedicado seria capaz de curá-lo. Então todos os amigos e vizinhos tentariam dissuadi-la, tentando mostrar os riscos que ela estaria correndo. Mas Emily, sendo Emily, iria até o fim.
E antes que o sr. Misterioso pudesse...
Dulce parou de repente, quando ele entrou em um clube chamado Delta's.
Finalmente, pensou ela, afastando os cabelos para longe do rosto. Agora, tudo que precisaria fazer seria entrar ali, encontrar um canto escuro onde pudesse se ocultar e ver o que aconteceria em seguida.
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Um Vizinho Perfeito
RomanceO amor ainda era o maior legado dos Macgregor Fazer parte da família MacGregor era o mesmo que estar destinado a encontrar um grande amor. Sim, porque para os descendentes daquele poderoso clã escocês, não havia como escapar do olhar carinhoso e ma...