capítulo 37

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Anna MacGregor desceu a ampla escada, sor­rindo com satisfação. Os cabelos quase brancos estavam penteados para trás, em um coque ele­gante, e os olhos castanho-escuros transmitiam um brilho de sabedoria impossível de passar des­percebido. Ao se aproximar, ela abriu os braços para envolver a neta em um abraço.

- Oh, vovó... - Dulce fechou os olhos com ca­rinho, adorando sentir o familiar perfume de la­vanda da avó. - Como consegue ficar cada vez mais bonita? - disse ao se afastar.

Anna afagou o braço dela com carinho e sorriu.

- Uma mulher tem de saber manter um pouco de vaidade, menina. Mesmo se tratando de uma com a minha idade.

- Não consigo vê-la como uma mulher velha. Está sempre tão linda. Não é mesmo, Christopher?

- Sem dúvida - anuiu ele, com um sorriso.

- Ora, um elogio vindo de um lindo jovem é sempre bem-vindo, mesmo que seja por pura gen­tileza - gracejou Anna. Mantendo o braço em torno da cintura de Dulce, ela estendeu a mão para cumprimentar Christopher.

- Olá, Christopher. Não deve se lembrar muito bem de mim. Acho que você não tinha mais do que dezesseis anos da última vez em que o vi.

- Isso mesmo - confirmou ele, apertando a mão dela. - Mas lembro-me muito bem da se­nhora. Estávamos em um baile de primavera em Newport, e a senhora foi muito compreensiva co­migo, quando eu a cumprimentei e disse que pre­feriria ter ido a outro lugar.

- Ah, então você se lembra. - Anna sorriu. - Agora fiquei mesmo lisonjeada. Venham se aquecer, meninos. Devem estar com frio depois de haverem tomado essa garoa.

- Onde estão vovô e Matthew? - Dulce quis saber.

- Ah. - Anna riu baixinho enquanto os con­duzia ao aposento que a família costumava cha­mar de "Sala do Trono". - Daniel levou o coitado para nadar com ele na piscina. Disse que Matthew estava precisando se exercitar um pouco, e você sabe como seu avô leva a sério esse negócio de nadar diariamente. Vive dizendo que é isso que o mantém jovem.

- Tudo o mantém jovem. - Dulce riu.

A melhor palavra para definir aquele aposento era "apropriado", pensou Christopher. Uma cadeira de espaldar alto, com certeza pertencente ao velho Daniel, dominava a sala forrada por um felpudo tapete vermelho-escuro. Os móveis eram antigos, feitos de madeira maciça e trabalhada. As luzes do lustre antigo se encontravam acesas, assim como a lareira de pedra, cujo calor deixara a sala com uma temperatura extremamente agradável.

- Vamos tomar o chá da tarde. Imagino que Da­niel vá insistir para acrescentarmos uísque ao chá e que usará o fato de termos visitas como desculpa para isso. Sentem-se e fiquem à vontade - acres­centou Anna, indicando as poltronas. - Se eu não o avisar que vocês estão aqui, ouvirei reclamações por semanas - explicou, com um gesto de mão.

- Sente-se a senhora, vovó - falou Dulce. - Pode deixar que eu avisarei vovô e servirei o chá.

- Oh, continua prestativa como sempre, não é, minha querida? - Anna afagou a mão da neta, enquanto se sentava. - Sempre foi. - Indicando a poltrona ao lado da dela, continuou: - Sente-se aqui, Christopher. Daniel e eu assistimos à sua peça, em Boston, há alguns meses. Achei o roteiro po­deroso, contestador. Sua família deve se sentir muito orgulhosa de seu talento.

- Na verdade, acho que eles ficaram mais sur­presos do que orgulhosos.

- Às vezes, essas reações levam ao mesmo re­sultado - disse ela, com sabedoria. - Na verdade, nunca esperamos que nossos parentes, por mais que os admiremos, demonstrem genialidade. Isso sempre nos espanta e nos leva a pensar: "Como não notei isso durante todo esse tempo?".

- A senhora conhece minha família - falou Christopher. - Então deve ter notado que abordei vários comportamentos deles na minha peça.

- Sim, eu notei. Mas, às vezes, é bom desabafar por meio da arte. Além de facilitar o processo de catarse, permite a alguém de talento, como você, criar uma bela obra artística. Sua irmã está bem?

- Sim, apesar dos filhos. - Ele riu. - Eles são o centro da vida dela.

- E quanto a você, Christopher. O trabalho é o centro" de sua vida?

- Creio que sim.

- Oh, desculpe-me. - Aborrecida consigo mes­ma, Anna tocou o braço dele. - Estou sendo bis­bilhoteira, e geralmente deixo isso a encargo do meu marido. Estou interessada em saber mais detalhes porque me lembro muito bem da maneira como você olhava para sua irmã naquela festa, em Newport. Lembrou-me a maneira como Alan e Caine sempre olharam para Serena, e de como isso sempre pareceu aborrecê-la, como pareceu aborrecer... Jenna, é isso?

- Sim - confirmou Christopher, com um sorriso. - Ela ficava mesmo muito brava. - O sorriso logo desapareceu. - Se eu tivesse agido com mais cautela nos anos que se seguiram, ela não teria ficado magoada.

- Christopher, você não a magoou. E, na verdade, eu não pretendia fazê-lo recordar esses fatos do passado. Agora me conte no que está trabalhando, ou será que isso é segredo por enquanto? - acres­centou ela, com um sorriso gentil.

- Não, não é segredo. - Ele sorriu com charme. - É uma história de amor que se passa em Nova York. Pelo menos, é nisso que está se transformando.

- Ainda não serviu um uísque para o rapaz, Anna?

Daniel entrou na sala com passos firmes e, como sempre, sua presença logo dominou o ambiente. Os responsáveis por isso eram sua postura, seu porte elegante e aquela voz firme que se negava a enfraquecer com a idade. Os olhos muito azuis continuavam com um brilho sagaz e os cabelos completamente grisalhos lhe atribuíam um char­moso ar de sabedoria.

- Isso é maneira de receber um homem que andou nessa garoa fria e que conseguiu trazer nossa neta preferida até aqui?

- Oh, que ótimo - resmungou Matthew, vindo atrás dele. - Quando quis ter sua piscina con­sertada, eu era seu neto preferido.

- Bem, ela está consertada agora, não está? - falou Daniel, com uma piscadela para todos e um sorriso afetuoso para o neto.

- É muito bom revê-lo, sr. MacGregor.

Christopher ficou de pé e cruzou a sala com a mão estendida, para ir cumprimentá-lo. Mas para Da­niel isso não era suficiente quando havia algum tipo de interesse de sua parte em um "pretendente em potencial". Por isso, enlaçou Christopher em um abraço que pareceu deixar o rapaz sem fôlego por um instante.

- Está com uma aparência ótima, Uckermann. Só está faltando mesmo uma boa dose de uísque escocês para pôr um pouco de cor em seu rosto.

- Terá uma gota de uísque em seu chá, Daniel, se é isso que está querendo - Anna interveio, indo buscar a bebida.

- Uma gota? - Para um homem daquela idade, Daniel ainda sabia choramingar como um bebê. - Anna...

- Duas gotas - corrigiu ela, com um sorriso que parecia querer dizer: "Estou sendo mais do que generosa, portanto, não me provoque".

- Diga-me uma coisa, Christopher, você fuma charutos?

- Não por hábito - respondeu ele.

Anna virou-se e olhou para Daniel com ar de aviso.

- Então, se eu chegar em algum lugar e o vir com um charuto entre os dedos, saberei quem o passou para você.

Um Vizinho PerfeitoOnde histórias criam vida. Descubra agora