capítulo 10

48 8 4
                                    

Quando muitas idéias a respeito de cenas e de pessoas preenchiam sua mente, Dulce era capaz de trabalhar até seus de­dos começarem a doer e se recusarem a segurar adequadamente o lápis ou a caneta.

Nos dias em que isso acontecia, geralmente ali­mentava-se apenas com biscoitos e bebidas diet, por gostar de ter a sensação de que estava equi­librando as calorias em relação aos dias em que havia abusado delas.

No papel, a cada tira cômica, Emily e sua amiga Cari, que durante os últimos anos vinha apresen­tando muitas características da personalidade de Anahí, planejavam e arquitetavam mil maneiras de descobrir os segredos do sr. Misterioso. Iria chamá-lo de "Quinn", mas não por muitos episódios.

Durante três dias, Dulce mal saiu da mesa de desenho. Anahí tinha uma cópia da chave de seu apartamento, por isso não era necessário ficar se preocupando em atender à porta quando a amiga aparecia para uma visita. E Anahí nunca fazia ceri­mônia para abrir a porta para a sra. Wolinsky, ou para algum outro vizinho que decidia visitar Dulce.

De fato, em um dado momento da terceira noite, havia tantas pessoas no apartamento de Dulce que foi possível fazer até uma festinha informal, en­quanto ela terminava de colorir a tira cômica que sairia no jornal de domingo.

Alguém havia ligado o aparelho de som, mas a música não a distraiu. Os risos e a conversação chegavam até seus ouvidos, vindos do andar de baixo, mas ela não se importava com isso. Gostava da animação de seus vizinhos, mesmo quando não podia compartilhá-la.

Sentiu um delicioso aroma de pipoca e imaginou se alguém levaria um pouco para ela. Encostan­do-se na cadeira, examinou o que já estava pronto em seu trabalho. De fato, não tinha a veia irônica de seu pai nem a genialidade artística de sua mãe, mas tinha o que poderia ser considerado como um "talento inusitado".

Tinha a mão muito ágil e precisa para o dese­nho. Sim, gostava do que fazia e do resultado final de seu trabalho. Mas gostava principalmente do fato de ele fazer as pessoas rirem.

Se Uckermann, do 3B, achava que ela ficara ofen­dida com o comentário dele, estava muito enga­nado. Dulce estava mais do que contente com seu "talento inusitado para o absurdo".

Agitada pelo êxito de três dias de trabalho in­tenso, pegou o telefone assim que este começou a tocar.

- Alô?

- Ora, ora, se não é minha neta preferida.

- Vovô! - Dulce se encostou na cadeira, com um sorriso satisfeito.

- Eu estava morrendo de saudade, mas não me venha com essa história de "neta preferida", porque eu sei que você diz isso para todos.

Tecnicamente, Daniel MacGregor não era avô de Dulce, mas isso nunca a havia impedido de considerá-lo como tal. Para ela, o amor ignorava tecnicidades.

- "Morrendo de saudade"? - Daniel repetiu. - Então por que não me telefonou ou para sua avó? Você sabe quanto ela se preocupa com você, aí sozinha, nessa cidade imensa.

- Sozinha? - Com um sorriso, ela segurou o te­lefone no alto, para que o som da festa no andar de baixo de seu apartamento pudesse ser ouvido por seu avô. -

Parece mesmo que estou sozinha, vovô?

- Está com seu apartamento cheio de pessoas de novo?

- É o que parece. E vocês, como estão? Está tudo bem por aí? Quero saber tudo.

Os dois passaram a conversar a respeito da fa­mília. Dulce ouvia tudo com um brilho de diver­timento no olhar, rindo e fazendo seus próprios comentários de vez em quando. Ficou contente ao saber que havia uma reunião familiar marcada para dali a algumas semanas.

Um Vizinho PerfeitoOnde histórias criam vida. Descubra agora