capítulo 40

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- Sim, talvez tenha razão. Mas no início não foi assim. Para mim, era uma questão de honra ter meu talento reconhecido pelo que ele era, e não por eu ter o sobrenome de meu pai. Reconheço que parte disso era orgulho - acrescentou, pen­sativo. - Mas parte também era o desejo de ser respeitado. Aquela primeira peça era muito im­portante para mim.

O fato de Christopher ficar algum tempo em silêncio levou Dulce a querer se manifestar de alguma ma­neira, demonstrando sua solidariedade.

- Não consegui dormir nem um pouco na noite anterior à estréia dos meus quadrinhos no jornal - disse a ele. - Por mais que eu adorasse meu trabalho, não teria suportado se as pessoas co­meçassem a insinuar que eu estava usando o so­brenome de meu pai para obter prestígio.

- Algumas pessoas sempre dirão isso - sa­lientou Christopher. - Mas você não pode se deixar influenciar por esse tipo de opinião. O trabalho tem de ser o mais importante e aquela primeira peça era o mais importante para mim. Eu me envolvi em absolutamente todos os aspectos: os cenários, a montagem do palco, o elenco, os en­saios, a iluminação... Tudo.

Dulce sorriu.

- Imagino que deva ter deixado todo mundo maluco, inclusive você mesmo.

Christopher também sorriu.

- Pode acreditar que sim. Os atores eram muito talentosos. A atriz que desempenhou o papel prin­cipal era, com certeza, a mulher mais linda que eu já tinha visto. Ela me deixou fascinado. - Olhando diretamente para Dulce, ele prosseguiu: - Eu havia acabado de completar vinte e cinco anos e fiquei completamente apaixonado por ela. Cada minuto que eu passava ao lado dela era um presente para mim. Vê-la no palco, encenando o texto que eu havia escrito, deixava-me encantado a cada apresentação. Durante os ensaios, após uma determinada seqüência, ela costumava sorrir para mim e perguntar se era mesmo daquela ma­neira que eu havia imaginado a cena. Quanto mais eu me envolvia com ela, menos a peça foi tendo importância para mim.

Christopher suspirou. Mesmo depois de tanto tempo, lembrar-se daquilo ainda tinha um efeito esquisito sobre ele.

- Ela era gentil - continuou. - E muito en­volvente. Chegava a ser até um pouco tímida quando estava no palco. Eu inventava desculpas para ficar com ela e logo comecei a perceber que ela estava fazendo o mesmo para ficar comigo. Nós nos tornamos amantes em uma tarde de do­mingo, na cama dela. Naquele mesmo dia, ela chorou no meu ombro e disse que me amava. Na­quele momento, eu teria sido capaz de morrer por ela se fosse preciso.

Dulce uniu as mãos sobre o colo, imaginando como seria ser amada pelo menos um pouquinho por um homem maravilhoso como Christopher. Não falou nada porque percebeu que ele ainda tinha coisas para contar. Pelo visto, coisas dolorosas.

- Durante semanas, meu mundo girou em tor­no dela. A peça estreou, recebeu ótimas críticas, mas tudo que eu conseguia pensar era que fora por causa da peça que eu a havia conhecido. Isso era tudo que importava para mim.

- O amor deveria importar mais.

- Deveria? - Christopher riu, mostrando um brilho de ironia no olhar. - As palavras têm força, Dulce. Por isso é que um escritor deve tomar cuidado com elas.


O amor também tem força, pensou ela. Queria dizer isso a ele, e quase o fez, mas logo percebeu que o amor que ele sentira acabara enfraquecendo por algum motivo.

- Comprei presentes para ela - Christopher pros­seguiu. - Gostava de ver o brilho de felicidade nos olhos dela sempre que ganhava um presente. E também a levava para dançar porque ela ado­rava ir a festas e manter contato com as pessoas. Ela era tão linda que eu achava que ela merecia ser mostrada de alguma maneira. E que precisava de roupas e de jóias adequadas para isso. Então, por que não presenteá-la com elas? E quando ela precisava comprar alguma coisa, que mal havia em dar um cheque em branco a ela? Afinal, aquilo era só dinheiro, e o que eu tinha para gastar era mais do que suficiente.

Um Vizinho PerfeitoOnde histórias criam vida. Descubra agora