capítulo 8

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Portanto, já eram quase duas horas da manhã quando ele e Dulce finalmente voltaram para casa. Continuava com aquele gosto horrível do café da delegacia na boca e com aquela dor de cabeça que começara quando o policial lhe fizera a primeira pergunta.

- Foi um bocado excitante, não foi? Todos aqueles policiais e marginais reunidos em um mesmo lugar... A certa altura, notei que a única diferença entre eles era o fato de os policiais estarem uniformizados, por que os rostos inti­midadores pareciam todos os mesmos. Por que será que eles insistem em manter aquela ex­pressão todo o tempo? Um sorrisinho não faria mal a ninguém. Foi muito gentil da parte deles me mostrar a delegacia. Você deveria ter nos acompanhado. As salas de interrogatório pare­cem exatamente como aquelas que vemos nos filmes: escuras e assustadoras.

Christopher tinha certeza de que ela era a única pessoa do mundo que se interessava em fazer ex­cursões por delegacias.

- Estou elétrica - anunciou ela. - Você não está? Acho que não vou dormir tão cedo. Quer alguns biscoitos? Ainda tenho uma porção deles.

Christopher quase ignorou o convite enquanto tirava a chave do bolso, porém a sensação de vazio em seu estômago o fez lembrar-se que não havia co­mido nada nas últimas oito horas. E aqueles bis­coitos eram um pequeno milagre.

- Acho que vou aceitar.

- Ótimo! - festejou Dulce, abrindo a porta e tirando os sapatos, antes de se dirigir à cozinha. - Pode entrar - disse por sobre o ombro. –

Vou colocá-los em um prato, para que possa comê-los no refúgio de sua casa, mas também não precisa ficar esperando no corredor.

Christopher entrou no apartamento, deixando a por­ta aberta atrás de si. Não ficou surpreso ao ver um ambiente decorado com cores alegres e com detalhes chamativos. Andou pela sala, mantendo as mãos nos bolsos, enquanto ouvia a voz de Dulce vinda da cozinha.

- Você fala demais.

- Eu sei - respondeu ela, colocando os bis­coitos no mesmo prato que emprestara antes para ele. - Principalmente quando estou nervosa ou elétrica.

- E alguma vez você já se sentiu de outra maneira?

- Sim, mas isso é raro.

Christopher viu uma série de porta-retratos sobre a estante, vários pares de brincos, um par de sa­patos a um canto da sala, um romance sobre a mesinha de centro e sentiu um leve aroma de maçã pelo ar. Tudo aquilo combinava com ela. Continuou examinando os detalhes da sala até parar diante de uma tira de jornal emoldurada e presa à parede.

- Amigos e vizinhos - leu o título impresso e observou a assinatura no canto direito inferior da tira. Lia-se apenas "Dulce". - Isto é seu? - perguntou, no momento em que ela entrava na sala.


Dulce olhou para o quadro.

- Sim, é minha tira de jornal. Não acho que você seja do tipo que lê as tiras cômicas do jornal, ou estou enganada?

Sabendo muito bem reconhecer uma pergunta pessoal quando uma lhe era dirigida, Christopher olhou-a por sobre o ombro. Devia ser o sono, con­cluiu, que o estava levando a considerá-la tão atraente àquela hora da noite.

- "Macintosh", de Grant Saviñon - Christopher leu outra tira emoldurada, pendurada ao lado da de Dulce.

- É seu pai?

- Sim - ela assentiu.

Ler o sobrenome "Saviñon" era o mesmo que ler "MacGregor", pensou Christopher. Não era mesmo uma interessante coincidência?

Um Vizinho PerfeitoOnde histórias criam vida. Descubra agora