capítulo 47

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O que sentia por ela o preenchera por inteiro, como que salvando-o de um destino solitário e desafortunado. Sim, ela o havia salvado. E, por isso, a última frase de sua peça era: "O amor cura".

Com algum tempo e certo esforço, tivera a chan­ce de construir ao lado dela o tipo de vida em que deixara de acreditar ao sofrer aquela desilu­são no passado.

Pensativo, começou a tirar os itens do segundo pacote de compras. E então, ao pegar uma deter­minada caixa, sentiu todo aquele mundo recém­ organizado cair de repente sobre sua cabeça.

- Eu ia trocar de roupa, mas decidi não perder tempo para começar nossa comemoração. - Dulce desceu a escada rapidamente, com os brincos que Christopher havia lhe dado de presente balançando nas orelhas. - Só preciso ligar para Anahí antes de sairmos, para ver se ela já voltou.

- O que diabos é isso, Dulce? - Pálido de fúria, Christopher mostrou a ela o kit para teste de gravidez. - Você está grávida?

- Eu...

- Você acha que está grávida e não me disse nada? O que pretendia fazer? Esperar o momento, o lugar e o humor certos para me contar?

O brilho de animação que Dulce trazia no olhar desapáreceu de repente.

- E isso o que você pensa, Christopher?

- O que diabos você acha que eu devo pensar? Sai por aí, toda sorridente, e depois eu encontro isso. - Ele mostrou a caixa. - E depois vem me dizer que não mente, que não brinca com os sen­timentos de ninguém. O que mais posso deduzir a seu respeito?

- Isso faz de mim alguém como Pamela, não é? - Toda a felicidade que havia preenchido o coração de Dulce ao longo do dia de repente pa­receu se transformar em cinzas. - Uma pessoa calculista e enganadora. Alguém disposta a usá-lo em, proveito próprio, é isso?

Christopher disse a si mesmo que precisava se acal­mar, antes que acabasse fazendo alguma besteira ou perdendo o controle da situação.

- Isso é entre mim e você. Não diz respeito a ninguém mais. Quero uma explicação.

- Imagino se essa questão seja mesmo entre mim e você, sem envolver ninguém mais - re­plicou ela. - Vou lhe dar uma explicação, Christopher. Comprei maçãs para você, uvas para a sra. Pee­bles, alguns itens para a sra. Wolinsky e esse kit de gravidez para Anahí. Ela acha que está espe­rando um irmãozinho para Charlie.

- Anahí?

- Isso mesmo. - Dulce continuou a sentir um aperto no peito.

- Não estou grávida. Portanto, pode ficar tranqüilo.

- Sinto muito.

- Eu também. Sinto realmente muitíssimo. -­Ela teve de se esforçar para conter as lágrimas ao pegar a caixa e examiná-la. - Anahí estava tão feliz quando me pediu para comprar isso. Tão es­perançosa. Para algumas pessoas, a idéia de ter um filho é sinônimo de felicidade, mas para você... - Ela colocou a caixa sobre a mesa e olhou para Christopher. - Para você é uma ameaça, uma lem­brança ruim do passado.

- Foi uma reação impensada, Dulce. Reconheço que fui precipitado.

- Cruel, seria a palavra mais apropriada. O que teria feito se eu estivesse mesmo grávida, Christopher? Começaria a me acusar, dizendo que montei uma armadilha para arruinar sua vida?

Ou, quem sabe, começaria a pensar que dormi com outro homem e que nos divertimos muito à sua custa.

- Não, eu não diria isso. - A simples idéia o fez estremecer.

- Não diga tolices. Claro que eu não pensaria isso.

- Tolices? Tolice sobre o quê? Se ela fez, por que eu não o faria? Por que diabos eu não faria? Você acabou de trazê-la para cá e de colocá-la bem aqui entre nós, Christopher. E foi você quem per­mitiu isso.

- Tem razão. Dulce, eu...

Ela deu um passo atrás quando ele tentou tocá-la.

- Não toque em mim! Não suportarei ser to­cada por alguém que me considera como uma mu­lher qualquer. Fui sincera com você durante todo esse tempo, Christopher, e você não tinha o direito de me magoar desse jeito. Também fui idiota por permitir que você me magoasse. Mas agora chega. Vá embora, por favor.

- Não irei embora antes de esclarecermos essa situação.

- Ela já está esclarecida. Não o culpo pelo que aconteceu. Na verdade, também tive culpa nessa história. Você foi sincero comigo. "Isso é tudo que posso lhe oferecer. Não peça nada além disso", você mesmo disse. Eu me envolvi porque quis, mas isso não voltará a acontecer. Preciso de al­guém que me respeite e que confie em mim. E não aceitarei nada menos do que isso. Portanto, vá embora. - Ela foi até a porta e a abriu com um gesto firme.

- Vá embora daqui.

Apesar da fúria nos olhos de Dulce, eles estavam marejados de lágrimas e as mãos fechadas sobre suas coxas estavam trêmulas. Apesar de a porta haver sido aberta, Christopher continuou olhando-a.

- Eu estava errado. Completamente errado, Dulce. E sinto muito por isso.

- Eu também. - Ela começou a tamborilar os dedos sobre a porta, então respirou fundo. - Eu menti. Não fui sincera com você em absolutamente todos os momentos, Christopher. Mas serei de agora em diante. Estou apaixonada por você e lamento que tudo tenha de terminar assim.

Christopher tentou argumentar uma última vez, mas Dulce passou correndo por ele e foi para o quarto, onde se trancou.

Aflito, ele passou a mão pelos cabelos e voltou para seu apartamento. Não precisava ser assim. Não precisava.

Um Vizinho PerfeitoOnde histórias criam vida. Descubra agora