capítulo 6

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Satisfeita, Dulce apoiou o queixo sobre a mão mais uma vez e continuou ouvindo a música. Ficou surpresa quando Delta voltou com dois copos de uísque e sentou-se à mesa, a seu lado.

- O que está fazendo em um lugar como este, minha cara Dulce?

Ela abriu a boca para responder, mas, no mesmo instante, deu-se conta de que não poderia revelar que seguira seu misterioso vizinho até ali.

- Moro perto daqui, e acho que apenas segui um impulso. - Levantou o copo de uísque e in­dicou o palco com ele.

- Estou contente de ter vindo - disse e tomou um gole da bebida.

Delta apertou os lábios. A garota podia até parecer inocente, mas tomava uísque como um homem.

- Se continuar andando sozinha pelas ruas, à noite, pode acabar tendo problemas, minha cara.

Um brilho de sagacidade surgiu nos olhos de Dulce, acima da borda do copo.

- Não se preocupe, minha cara - respondeu ela, no mesmo tom.

Delta assentiu, considerando a resposta.

- Talvez não seja mesmo preciso eu me preo­cupar. Sou Delta Pardue - acrescentou ela, to­cando o copo no de Dulce, em um brinde. - Este é meu clube.

- Gostei do seu clube, Delta.

- Ora, que bom - admitiu ela, com outra de suas ricas risadas. - Mas vejo que também gostou do meu homem, logo ali. Não tirou seus olhos felinos dele desde que chegou.



Dulce moveu o uísque no copo, pensando em como deveria atuar naquele jogo. Mesmo sabendo que poderia se cuidar nas ruas, ou em qualquer outro lugar, calculou que Delta era muito mais forte do que ela. Além disso, estavam no território de Delta, e sua desvantagem era mais do que evi­dente. Aquele modo de dizer "meu homem" dei­xara a situação bem clara. De qualquer maneira, não havia motivo para estragar logo no primeiro encontro aquilo que poderia se transformar em uma boa amizade.

- Seu homem é muito atraente - admitiu, em um tom casual. - Confesso que é difícil não olhar para ele. Portanto, vou continuar apenas olhando se isso não a incomodar. Além do mais, aposto que ele não tem olhos para outra mulher tendo alguém como você por perto.

Delta riu, exibindo os dentes alvos e perfeitos.

- Acho que não preciso realmente me preocu­par. Sabe mesmo se cuidar, não é, menina?

Dulce sorriu, tomando outro gole de uísque.

- Sim, eu sei. - Decidindo mudar de assunto, ela acrescentou: - Gostei mesmo deste lugar. Há quanto tempo você o tem, Delta?

- Estou aqui há dois anos.

- E antes? Esse seu sotaque é de Nova Orleans, não é? -

Delta inclinou a cabeça de lado, com um sorriso.

- Tem bons ouvidos, garota.

- Tenho sim, mas foi fácil reconhecer seu so­taque. Tenho família em Nova Orleans e minha avó foi criada lá.


- Não conheço nenhum Saviñon... Qual é o sobrenome de solteira de sua mãe? - Grandeau.

Delta se encostou uma cadeira.

- Ei, conheço os Grandeau! Por acaso, é pa­rente da srta. Adelaide?

- Ela é minha tia-avó.

- Grande dama - asseverou Delta.

Dulce fez uma careta, tomando outro gole de uísque.

- Impaciente, ranzinza e fria como um iceberg. Os gêmeos e eu costumávamos pensar que ela fosse algum tipo de bruxa ou algo do gênero.

- Gêmeos? - Delta se surpreendeu.

- Sim, meu irmão e minha irmã são gêmeos - explicou Dulce.

Após uma breve pausa, Delta falou:

- Ela tem poder, mas apenas por causa do dinheiro e do sobrenome que carrega. Então você é parente dos Grandeau? Mas que agradável sur­presa. Quem é sua mãe?

- Genviève Grandeau Saviñon, a famosa artista.

- Srta. Gennie. - Delta deixou o copo sobre a mesa e levou a mão ao peito, encostando-se na cadeira com um sorriso.

- Quem diria que a filha da srta. Gennie algum dia visitaria minha boate. O mundo é mesmo pequeno.

- Conhece minha mãe?

- Minha mãe trabalhou como governanta para sua grandmère, minha cara.

- Mazie? Você é filha de Mazie? Ah, meu Deus!


- Dulce tocou a mão de Delta, comovida. - Minha mãe falava de Mazie o tempo todo. Nós chegamos a visitá-la uma vez, quando eu ainda era criança. Lembro que ela fez bolinhos maravilhosos para nós - acrescentou com um sorriso saudosista. - Sentamos na varanda da casa, tomando limonada enquanto comíamos aqueles bolinhos divinos. Meu pai fez um desenho dela.

- Ela mandou emoldurá-lo e pendurou o qua­dro na parede. - Delta riu.

- Vivia toda orgu­lhosa dele. Eu estava na cidade quando sua fa­mília nos visitou. Estava trabalhando. Minha mãe falou daquela visita durante semanas. Ela gostava muito da srta. Gennie.

- Espere até eu contar a eles que encontrei você. Como está sua mãe, Delta?

- Ela morreu no ano passado.

- Oh. - Dulce segurou a mão de Delta com mais firmeza. - Sinto muito. Muito mesmo.

- Ela teve uma boa vida. Morreu dormindo, portanto, acho que também teve uma boa morte. Seus pais compareceram ao funeral. Teve uma base familiar muito boa, Dulce.

- Sim, eu sei. O mesmo serve para você - acrescentou ela, com um sorriso.


Christopher não estava entendendo mais nada. Lá estava Delta, a mulher que ele considerava a mais sensata das criaturas, conversando com aquela maluca como se ambas fossem velhas amigas. Compartilhando o uísque, as risadas e segurando a mão uma da outra como as mulheres costuma­vam fazer quando tinham muita amizade.

As duas já estavam ali, no fundo do salão, havia mais de uma hora. De vez em quando, Dulce co­meçava um daqueles que só poderia ser outro de seus monólogos, gesticulando muito e rindo. Então Delta ouvia algumas palavras com atenção, e logo inclinava a cabeça para trás, rindo com satisfação e balançando a cabeça com ar de surpresa.

- Veja só aquilo, André - disse, inclinando-se sobre o piano.

André parou de tocar e acendeu um cigarro.

- Como velhas comadres - falou ele, após a primeira baforada. - A garota é muito bonita, Christopher. Tem uma animação fora do comum.

- Detesto pessoas animadas demais - resmun­gou Christopher, já sem vontade de continuar tocando. Em silêncio, começou a guardar o sax. - Até a próxima - despediu-se, ao terminar.

- Até - foi a resposta de André.

Christopher pensou em sair e ir direto para casa, mas sentiu-se irritado com a possibilidade de sua amiga estar sendo aborrecida por aquela lunática. Além disso, seria bom mostrar à sua vizinha abe­lhuda que também estava de olho nela, e que sua perseguição não passara despercebida.

Quando parou ao lado da mesa onde as duas estavam acomodadas, Dulce se limitou a levantar a vista e sorrir para ele.

- Oi. Não vai tocar mais? A música estava maravilhosa.

- Você me seguiu.

Um Vizinho PerfeitoOnde histórias criam vida. Descubra agora