Estava conseguindo ver tudo com perfeição: os cenários, o posicionamento dos atores no palco e o modo de eles interpretarem seu texto. Estava criando um mundo em três atos.
Havia energia em tudo aquilo, dentro de cada um daqueles personagens que se formavam nas páginas de seu roteiro e que já criavam vida no palco, dentro de sua mente. Conhecia cada um deles e a maneira como seus corações iriam se entregar e se desiludir.
O tênue fio de esperança que permeava suas vidas ainda não havia sido planejado, mas se encontrava lá, em algum recanto da mente de Christopher, e pronto para ser expressado.
Escreveu até sentir-se zonzo. Então olhou para a sala, meio desorientado. Estava escuro, exceto pela pouca luz oferecida pela luminária sobre a mesa e pela tela do computador. Não tinha idéia de que horas eram e nem mesmo da data, para dizer a verdade.
Seu pescoço e ombros estavam doloridos, seu estômago vazio e seu café havia sido esquecido na xícara sobre a mesa.
Ficando de pé, massageou a nuca e foi até a janela, onde afastou as cortinas. Somente então notou que havia uma tempestade se preparando para castigar a cidade. Os flashes de alguns relâmpagos anunciavam que ela não tardaria a chegar, fazendo os pedestres acelerarem os passos, devido ao receio de serem apanhados pela chuva.
Um camelô na esquina não perdera tempo em anunciar seus guarda-chuvas, objeto do qual todo mundo em Nova York só parecia se lembrar no último instante em que precisava dele.
Imaginou se Dulce também estaria olhando a cidade através da janela e vendo aquela mesma cena. Então começou a devanear, vendo em sua mente a imagem de Dulce interpretando um fato simples, como uma chuva na cidade, sob um aspecto todo engraçado e gozador.
Provavelmente ela criaria "O Homem do Guarda-Chuva", concluiu ele, com um sorriso se insinuando nos lábios. Criaria toda uma biografia para ele, vestiria o sujeito de preto, daria-lhe um nome esquisito e criaria uma série de histórias com ele. Então ele passaria a fazer parte do mundo de Dulce.
Sem dúvida, ela tinha o dom de trazer as pessoas para seu mundo. Ele próprio estava fazendo parte dele no momento. Não conseguira deixar de passar por aquela porta colorida que dava acesso à vida de Dulce e entrar naquele universo confusões, alegrias e muita energia. Dulce parecia não compreender que Christopher não pertencia àquele mundo.
Quando se encontrava dentro dele, cercado pela energia contagiante de Dulce, era como se pudesse ficar ali para sempre. A vitalidade de Dulce fazia tudo parecer simples e extraordinário ao mesmo tempo.
Como uma tempestade sobre a cidade, pensou ele. Mas tempestades passavam.
Ele quase se deixara levar naquela manhã. Quase se rendera ao desejo de continuar naquela cama quente, junto àquele corpo perfeito que se aninhara ao seu durante o sono.
Dulce era tão carinhosa, tão receptiva... O que lhe invadiu a alma enquanto ele a olhava sob a luz suave da lua entrando pela janela, fora um tipo diferente de desejo. Um desejo que ameaçava ficar e, perigosamente, estabelecer território. Por isso, fora mais seguro para ambos ele sair e deixá-la dormindo sozinha.
Fechou as cortinas com um gesto decidido e desceu para o andar de baixo. Preparou café fresco, procurou algo para comer e pensou em tirar um cochilo. No entanto, as lembranças da noite que passara ao lado de Dulce não lhe saíam da mente e ele sabia que os efeitos disso não o deixariam descansar por algum tempo.
O que ela estaria fazendo naquele momento? Não iria bater à porta do apartamento dela e interromper seu trabalho só porque o dele estava terminado. Só porque a visão daquela chuva o fizera se sentir inquieto e sozinho. Só porque ele a queria.
Gostava de ficar sozinho, lembrou a si mesmo, enquanto atravessava a sala. Necessitava da solidão para realizar seu trabalho.
Ainda assim, o desejo de se sentar ao lado de Dulce para observar aquela chuva continuou a torturá-lo. Sentiu o corpo esquentar ao se imaginar fazendo amor com ela com o barulho da chuva batendo contra a janela do quarto. Perfeito.
Ele a queria, admitiu, e com intensidade demais para seu próprio conforto. Quando uma mulher entrava tanto assim na vida de um homem, mudava-o inevitavelmente, deixando-o vulnerável a cometer erros e a expor partes de si que seria melhor serem mantidas na obscuridade.
Mas Dulce não era Pamela. E ele não era nenhum idiota que acreditava que toda mulher fosse mentirosa e manipuladora. Se conhecia alguém sem nenhum potencial para a crueldade e o fingimento, esse alguém era Dulce Saviñon. Mas isso não mudava o fator principal.
A distância entre querer ter por perto e amar era muito curta. Quando um homem passava por isso e sofria uma grande decepção, aprendia a manter o equilíbrio entre ambas as coisas, para seu próprio bem. Não queria aquela sensação de desespero e de vulnerabilidade que andava de mãos dadas com a verdadeira intimidade.
Mas já se acreditava incapaz de sentir tais coisas, o que significava que não havia com que se preocupar. Tomando um gole de café, olhou para a porta como se pudesse enxergar através dela. Dulce não estava pedindo nada além de paixão, companheirismo e prazer. Exatamente como ele. Estava ciente de que o envolvimento entre eles era temporário. De que ele iria embora dentro de algumas semanas e que suas vidas retomariam a rotina de antes, seguindo por caminhos diferentes. Ela com sua multidão de amigos, ele com sua segura solidão.
Colocou a xícara sobre a pia com mais ímpeto do que o necessário, e foi somente então que se deu conta de que a idéia não o agradara.
Poderiam continuar se vendo de vez em quando, disse a si mesmo, andando de um lado para outro. Sua casa, em Connecticut, era um refúgio seguro, longe de toda aquela loucura da cidade. Não fora justamente por isso que a escolhera?
Já passara tempo demais na cidade, e não havia motivo para continuar ali além do necessário. Além disso, havia também a possibilidade de Dulce acabar encontrando outra pessoa, concluiu, enfiando as mãos nos bolsos. Afinal, por que uma mulher maravilhosa como ela iria ficar esperando suas visitas esporádicas?
Mas isso não o incomodava, pensou ele, sentindo as têmporas latejarem. Quem estava pedindo a ela que o esperasse? Claro que Dulce tinha a liberdade de se envolver com o primeiro idiota que a procurasse, provavelmente por indicação de alguma amiga ou vizinha abelhuda.
Ah, mas isso não, concluiu. Não mesmo.
Sem hesitar, foi até a porta do apartamento dela com a intenção de deixar algumas coisas bem claras. E a abriu bem a tempo de ver Dulce caindo nos braços de um homem alto e atlético.
- Continua sendo a garota mais bonita de Nova York - disse ele, fitando-a com um olhar carinhoso. - Agora me dê um beijo.
Dulce se mostrou mais do que disposta a obedecer, segundo Christopher pôde notar de onde estava.
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Um Vizinho Perfeito
Roman d'amourO amor ainda era o maior legado dos Macgregor Fazer parte da família MacGregor era o mesmo que estar destinado a encontrar um grande amor. Sim, porque para os descendentes daquele poderoso clã escocês, não havia como escapar do olhar carinhoso e ma...