Beatrice Santos Miller
Hoje é meu primeiro dia na faculdade e eu não poderia estar mais feliz!Não segui a carreira de meus pais, direito me dava sono, só de imaginar o tanto que eu teria que ler e pedagogia não é comigo, não suporto crianças. As únicas crianças que eu tenho que ter paciência, obrigatoriamente, são minhas irmãs com treze anos, meu "primo" Renato com catorze, sua irmã Joanne de dois anos e Inácio, com treze anos também.
Eu, sinceramente, não aguento quando vou as férias na casa de praia de meus pais em Búzios, porque é muita criança, e isso significa muita gritaria. Paloma, mesmo com vinte anos, às vezes brincam com eles, eu fico apenas rindo e gravando vários snaps dela, que depois me xinga.
Fiz o Enem durante 3 anos seguidos, desde os meus dezenove anos e, só apenas com vinte e um consegui passar na prova. Vou fazer engenharia. Sou de exatas, sempre tirei notas altas em matemática e física e, português era a minha pior matéria.
Quando chego na faculdade com meus pais, minha mãe me olha com lágrimas nos olhos e sei que vou chorar.
- Ai meu Deus, minha bebê tá crescendo!
- Mãe...
- Fica quieta! Vou te abraçar e chorar muito sim, e se reclamar, volta a morar comigo, seu pai e suas irmãs!
Meu pai apenas riu, pois ele sabe o quanto eu esperei para morar sozinha, apenas com minha melhor amiga.
- Agora ela deixa você agarrar ela até acabar o ar dos pulmões, Thaina.
Eu e mamãe gargalhamos descendo do carro.
- Beatrice, por favor, sem confusões.
Revirei meus olhos.
- Mãe, eu não posso prometer isso. Se vierem implicar comigo por causa da minha cor, eu vou brigar.
- Tá certa.
- Henry!
Papai me abraçou rindo e eu retribui o abraço, rindo também.
- Não sei o que eu faço com vocês, sério. Calliope também é assim!
- Amor, entenda que elas não são obrigadas a ouvir piada racista pra cima delas e ficarem caladas. Elas estão mais do que certas.
Mamãe bufou e eu apertei mais o abraço que estava dando em meu pai, por ele saber claramente como eu penso.
- Eu odeio quando você está certo.
Eu e ele sorrimos e ela me abraçou também, me deixando no meio dos dois.
- Vou sentir sua falta, minha princesa.
- Também irei mãe.
- Com quem eu vou irritar Thaina agora? Minha cúmplice tá indo embora!
Gargalhei alto, atraindo atenção das pessoas ao redor.
- A Calli vai ser uma ótima substituta, mas relaxa que todo final de semana eu estarei lá!
- Eu sei que não vai Bea. Você não irá resistir as festas da Faculdade. Espero que esteja com o anticoncepcional em dia.
- Pai!
Eles gargalharam, me deixando ainda mais constrangida. Um sinal dentro da Faculdade tocou, me fazendo suspirar. Peguei minha bolsa com papai e os olhei.
- Até sábado.
- Até. Amamos você.
- Também amo vocês.
Eles se abraçaram enquanto eu me afastava e, antes de passar pela entrada, olhei pra trás e acenei, vendo mamãe chorando e papai a consolando e acenando de volta.
O amor deles superou toda essa sociedade de merda, que quer colocar rótulos em tudo. Se a pessoa tem a pele escura, é preta. Se a pessoa gosta de uma pessoa do mesmo sexo, ou é viado ou é sapatão. Se a pessoa tem o cabelo crespo, tem cabelo duro. Eles tem que parar de se meter na vida alheia e cuidar da própria, que talvez esteja pior do que a das outras pessoas. O amor deles me encoraja a acreditar que um dia eu terei também, mesmo com meus cabelos cacheados e minha cor bronzeada. Quando era criança, eu chorava quando me xingavam, mas hoje, ou eu xingo de uma coisa pior, ou eu já começo a gritar, dizendo o quanto a pessoa é nojenta e deplorável. No ensino médio, fui várias vezes a diretoria, já que me irritavam de propósito.
Quando ando pelos corredores da faculdade, uma garota loira me cerca, com outras ao seu redor. Isso me lembra até um filme, mas eu não sou uma garotinha indefesa.
- Uma escurinha na minha área? Ah, não.
Eu tento ignorar para não arranjar problemas para mim no primeiro dia como minha mãe pediu, mas as mascotes dela me cercam, me dando a certeza de que isso não vai prestar.
- Eu falei com você. Além de preta, é surda?
- Eu estou ignorando você. Além de vadia, é burra?
As pessoas que já estão ao nosso redor começam a gritar e eu sorrio debochada, a empurrando com meu ombro e continuando meu caminho pelo corredor tumultuado.
Não ligo para o que falam de mim, e nunca irei ligar. Sabe por quê?
Eu aprendi a me amar mais.
FIM
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Felicidade Não Tem Cor
RomantizmO que você faria se o amor da sua vida é rico, dos olhos verdes, loiro, morador da Zona Sul do Rio de Janeiro, que pode ter qualquer mulher aos seus pés? Esse é o problema de Thaina, que é negra, dos olhos pretos, que mora na Comunidade da Providênc...