Capítulo sessenta e seis.

641 52 9
                                    

Narrado por Joe.

Um mês depois.

Me remexi desconfortável pela décima vez naquela poltrona marrom de couro. Eu podia sentir o olhar da Doutora Anne Miller focado em mim, mas ignorei e olhei em volta pelo seu consultório. Era a minha primeira sessão de terapia, e eu não poderia estar mais desconfortável. Já estava ali há quinze minutos e ainda não havia dito nada. Não entendia muito disso, mas na minha cabeça, quem devia começar falando era a terapeuta, certo? Jack que havia marcado essa consulta para mim. Anne é amiga dele, da época da escola, e se formou há pouco tempo.

- Você não tem que me perguntar as coisas, ou algo do tipo? –eu perguntei depois de um suspiro e ela abriu um sorriso pequeno-

- E ele fala. –ela comentou e eu revirei os olhos- Certo, podemos começar por minhas perguntas. –ela falou e eu assenti- Você é sempre assim tão fechado? –ela perguntou e eu me encolhi-

- Não sou fechado. –eu disse e ela escreveu algo em seu caderno-

- Certo, Joseph. –ela disse e voltou a me olhar- Você chegou há quinze minutos, não respondeu meu 'bom dia' muito educado e está olhando detalhadamente o meu consultório sem dizer uma única palavra. –ela disse e eu respirei fundo- Jack me explicou a situação, Joseph. Você quer a guarda definitiva da sua irmã, mas a juíza acha que você precisa de terapia. O que você acha? –ela perguntou-

- Acho que isso tudo é uma grande merda. –eu falei e ela assentiu-

- De fato. Mas... Há males que vêm para o bem. Ou melhor, há merdas que vêm para o bem. –ela deu de ombros-

- Eu perdi minha irmã, doutora. Depois de quatro meses me apegando a ela, entende? –ela assentiu- Não há nada de bom nessa situação. Não enquanto eu não a ter de volta. –eu falei balançando a cabeça e ela assentiu, escrevendo mais alguma coisa em seu caderno-

- Você acha que fazia bem a ela, Joseph? –ela perguntou e eu assenti- Você nunca sentiu que precisava mudar alguma coisa na relação de vocês? Nunca se arrependeu de alguma atitude? –ela perguntou e eu me encolhi, pensando a respeito-

- Me arrependo de não ter passado mais tempo com ela no passado. –eu falei e ela assentiu, sorrindo de leve-

- Você tinha uma desavença com seu pai, certo? –ela perguntou e eu assenti- Me fale mais sobre isso. –ela pediu e eu respirei fundo-

- Ele era um filho da puta, literalmente. –eu disse e ela ergueu as sobrancelhas- Sem palavrões? –eu perguntei e ela riu de leve-

- Sou a favor da liberdade de expressão. Pode ficar à vontade. –ela disse e eu sorri de leve, assentindo- Você teve problemas com ele desde criança? –ela perguntou-

- Ele sempre foi complicado, mas quando minha mãe morreu, tudo piorou. –eu falei e ela assentiu-

- Algumas pessoas não sabem lidar bem com as perdas. –ela comentou e eu bufei-

- Ele apenas não quis lidar, Doutora. –eu falei e ela escreveu em seu caderno-

- Pode me chamar de Anne. –ela disse escrevendo em seu caderno e eu assenti- E o que ele fazia com você?

Eu me encolhi, lembrando da minha infância terrível com o meu pai. Hoje, adulto, eu posso admitir que não era um bom filho. Eu teimava, respondia rudemente e não respeitava algumas regras do meu pai, mas ele não era nem um pouco tolerante.

- Dois meses depois da morte da minha mãe, meu pai começou a me trancar no porão. –eu falei e me remexi, desconfortável. Anne ergueu as sobrancelhas- Ele... Ele passou a trabalhar em casa para me cuidar, e se eu fizesse algo que ele não gostasse, ele me colocava lá. Às vezes ele me deixava por pouco tempo. Outras, eu ficava até anoitecer. -eu disse, sentindo minha voz falhar-

- Isso durou muito? –ela perguntou com a expressão assustada-

- Quando eu fiz onze anos, eu fui morar com a minha avó no seu sitio. Ela fazia o mesmo, aconselhada por ele. –eu disse e Anne fez uma careta- Quando eu voltei para a casa do meu pai, ele já havia casado, e então ele parou. Clarice não aceitaria. –eu disse e ela assentiu-

- Você disse que as vezes ficava até anoitecer... –ela disse e eu assenti-

- Era escuro lá, tinha uma janela pequena que não iluminava o suficiente. –eu sussurrei e balancei a cabeça- Eu não quero falar sobre isso. –eu murmurei e ela assentiu-

- Tudo bem, Joe. Isso é um começo. –ela falou e eu assenti- As pessoas em seus primeiros dias de terapia quase não costumam falar. Eu pensei que você seria mais um que passaria uma hora inteira em completo silencio, mas você conseguiu. Eu fico feliz por isso. Trabalharemos juntos, Joseph. –ela disse e eu sorri de leve-

- Eu sou complicado, Anne. Vai ser difícil resolver meus problemas. –eu comentei olhando o tapete-

- Um passo de cada vez, Joe. Tudo se descomplica com um passo de cada vez. –ela disse e eu assenti- Quer falar sobre mais alguma coisa? –ela perguntou e eu neguei com a cabeça-

Minha cabeça doía com todas as lembranças que eu tinha desencadeado na minha mente. Meu pai me empurrando para o porão, ou me batendo, me xingando. Minha avó fazendo as mesmas coisas, e ainda ofendendo minha mãe na minha frente. Eu queria poder dizer que já superei tudo isso, mas naquele momento eu tive a certeza de que nada havia sido superado. Ainda.

Learn to love.[JEMI]Onde histórias criam vida. Descubra agora