Capítulo um.

763 60 6
                                    

Pisar em Ohio depois de dois anos é complicado. Ainda mais pelas circunstancias que me encontro no momento. Não vejo meu pai há dois anos, e quando o vi pela última vez, não pensei que o próximo encontro seria com ele em um caixão. Se soubesse disso, não teria partido brigado com ele. Não me arrependo de tal atitude, minha relação com ele era conturbada desde a morte da minha mãe. Ele era como eu. Não se importava! Não se importou quando minha mãe adoeceu, não se importou quando ela piorou, e não se importou quando ela partiu. Eu me importei. Me importei a cada segundo. Me importei mais a cada dia que passava e eu a via enfraquecendo. Me importei e sofri a cada instante. Hoje aprendi a ser como ele, por isso estou aqui, prestes a encontrar meu pai morto, e sem me importar. Ironicamente, ele estaria orgulhoso.

Assim que o táxi parou na frente da minha antiga casa, eu paguei o rapaz e saí do carro, jogando minha mochila nas costas e subindo na calçada. Haviam dois carros em frente à casa. Ajeitei meu boné na cabeça e passei por eles, caminhando para dentro da varanda. Hesitei antes de abrir a porta, mas afinal, a casa já foi minha uma vez, certo?

O primeiro que encontrei foi Joshua que falava ao telefone. O rapaz tinha olheiras e parecia cansado, falando baixo no telefone. Logo percebi o motivo de Joshua falar baixo no celular. Maya estava sentada em um degrau no meio da escada. Ela usava um pijama felpudo rosa claro e pantufas dos Minions. Está descabelada, provavelmente recém acordada, e parecia confusa. Senti meu coração apertar vendo aquela linda menininha, que nem tinha noção do que se passava.

Quando minha mãe morreu, eu tinha dez anos, e foi completamente diferente. Eu soube de sua morte um minuto depois do que aconteceu. Eu ouvi o médico falando para o meu pai, e então meu pai se virou para mim e me abraçou. Já faz quinze anos, e aquele foi o último abraço que meu pai me deu.

Larguei minha mochila no chão, perto da porta e ganhei a atenção de Joshua e Maya.

- Joe? -ouvi sua voz fininha e confusa e forcei um sorriso-

- Oi, pequena. -eu falei e assenti para Joshua que me olhava-

Me aproximei de Maya e sentei ao seu lado. Ela se encolheu, nem um pouco acostumada com a minha presença.

- O que tá fazendo aqui? -ela perguntou e eu soube que ela tinha muitas perguntas-

- Eu... Eu vim te ver. -eu dei de ombros e ela franziu o cenho-

- O que tá acontecendo? -ela perguntou meio receosa e olhou em volta- Cadê o papai? E a mamãe? -ela perguntou e eu suspirei-

Como se fala para uma criança de sete anos que os pais dela morreram? No caso, o nosso pai.

- Eles... Eles não estão. -eu sussurrei e ela fez uma caretinha, mexendo no cabelo-

- E quando voltam? -ela perguntou e eu vi nos seus olhos que lá no fundo ela já sabia o que tinha acontecido-

Do mesmo jeito que eu já sabia quando parei no corredor do hospital e ouvi o médico e meu pai sussurrando. Eu soube. Pelos olhares deles, pelo clima que se instalou na minha volta. Eu soube, e Maya sabe. E isso é uma grande merda.

- Maya... -eu sussurrei e mexi nos meus anéis- Eles não vão voltar. -eu murmurei e Maya baixou o olhar, olhando para suas pantufas-

- Porque, Joe? -ela perguntou e eu vi Joshua parar no pé da escada, olhando para nós com pena-

Me lembro desse olhar. Joshua me lançou esse olhar no hospital, quando minha mãe faleceu. As lembranças eram tantas que eu chegava a suar frio.

- Porque eles foram para um lugar melhor. -eu falei encarando o chão-

- Para o mesmo lugar que a sua mamãe foi? -ela perguntou e eu fechei meus olhos-

Ela sabia. Ela entendia o que era aquilo, só tinha medo. Eu também teria. Ou melhor, eu também tive.

- É, pequena, para o mesmo lugar. -eu murmurei e peguei sua mão-

Olhei nos olhos de Maya, idênticos aos meus, e os vi cheios de lágrimas. Ela soluçou e apertou minha mão.

- Eu vou sentir falta deles. -ela murmurou e desatou num choro intenso-

E eu? Eu simplesmente não soube o que fazer. Maya muito menos, por isso se levantou e correu para seu quarto. Eu fiquei na escada, me sentindo um idiota, e fitei Joshua que estava encostado no corrimão.

- Já sabe o que vai fazer? -ele perguntou e eu o olhei, confuso com a pergunta-

- Em relação à? -eu perguntei e ele suspirou-

- Maya. -ele respondeu e eu soube o que ele queria dizer-

Maya não tinha mais ninguém além de mim. Pobre Maya.

Learn to love.[JEMI]Onde histórias criam vida. Descubra agora