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D A N I E L

Eu não preciso de nada para navegar o mar. Eu não preciso de nada, mas tem algo me incomodando.
(Black Water Of Monsters and Men)


" Era uma vez, há algum tempo atrás..

Há muito tempo atrás! eu interrompi, gritando e rindo ao mesmo tempo.

Ela riu junto comigo, mas ainda assim negou.

Nada disso. Há algum tempo atrás. Eu não sou tão velha assim.

Você é. Você tem 34 anos! Isso é muito.

Ela ergueu as sobrancelhas, imitando minha expressão de espanto com exagero, e rebateu com carinho:

Você que é um neném.

Eu cruzei os braços, numa pose muito indignada para uma criança de sete anos. Ela riu, estendendo a mão até meu rosto e apertando meu nariz devagar como costumava saber quando perdia a paciência para minha fofura infantil.

E então, vai me deixar contar a história ou não?

Vou. Mas conte direito.

Ela revirou os olhos e eu revirei os meus olhos também, apenas porque sabia que a irritaria e divertiria na mesma proporção. Por fim, ela se levantou da sua posição de joelhos ao lado da minha cama e me afastou com delicadeza para abrir o espaço onde ela mesma sentaria, puxando o cobertor até a cintura, fazendo com que ele me cobrisse até os ombros - já que eu estava deitado.

Me aconcheguei abraçando suas pernas cobertas pelo jeans e tirei minha cabeça do travesseiro para apoiá-la sobre sua coxa. Bem melhor.

Era uma vez ela recomeçou com seu tom de narradora profissional. muito tempo atrás frisou o "muito" para me deixar contente. Eu sorri, mesmo que ela não estivesse vendo , uma jovem triste e solitária que não encontrava seu lugar no mundo. Ela caminhava sozinha e perdida pelo seu vasto reino, que era tão grande, mas tão grande, que ficava muito difícil lembrar dos rostos que se via todos os dias. E ninguém se conhecia, ninguém se falava, as pessoas viviam trancadas em suas casinhas e não se importavam com nada além de seus próprios problemas, pois sabiam que se parassem por um minuto seria perda de tempo. O reino era tão grande que nem tinha um rei só, mas vários, que brigavam e discutiam sem saber o que fazer com um lugar tão gigante daqueles.

Nessa parte eu imaginava um reino de verdade, com um castelo no alto de uma montanha, e ruas sinuosas e lotadas de gente, como no filme da Barbie Rapunzel que eu havia assistido no dia anterior com ela, minha mãe.

A jovem, muito triste, vagava pelas ruas sem saber direito para onde estava indo, quando bateu em alguém. Na verdade, ela não sabia se havia tropeçado na pessoa ou se a pessoa é quem havia tropeçado nela. Mas ficou brava, tão brava, que levantou a cabeça para reclamar. E no momento em que fez isso, parou.

Essa era a minha parte preferida. Eu sabia de cor. A jovem ficava sem palavras com a visão do rapaz bem na sua frente, tão desconcertado que a desconcertou também, e a braveza se transformou em surpresa, e a surpresa se tornou timidez, e os dois ficaram sem palavras. Foi exatamente isso que ela narrou a seguir, repetindo a mesma passagem sem modificar uma palavra sequer pela milésima vez.

AfogadosOnde histórias criam vida. Descubra agora