Epílogo - Primeira Parte

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DANIEL

Quando você estava em pé no meio da devastação, quando você estava esperando na beira do desconhecido e com o cataclisma desabando, chorando por dentro: "salve-me agora". Você estava lá impossivelmente sozinho.

(Iridescent Linkin Park)


A vida é feita de escolhas. A não ser que você tenha uma arma apontada para sua cabeça, você pode escolher. Ou você pode não se importar com sua vida, priorizar outras coisas, e aí você também tem uma escolha mesmo com a arma apontada para sua cabeça. Você pode se dar terrivelmente mal com suas escolhas, mas você sempre tem essa opção. Nem todo mundo escolhe bem, nem todo mundo sabe escolher, nem todo mundo gosta de escolher. Eu, por exemplo, sempre tomo a escolha errada.

A primeira coisa que faço depois que Alissa vai embora é pegar meu caderninho preto, aquele onde costumo escrever. Abro uma página aleatória e o que acho é um trecho de algo escrito por Charles Bukowski, alguém que já foi meu escritor preferido. "A única coisa que fiz até agora foi fugir, fugir de mim mesmo, do meu nada, e agora não tenho mais para onde ir". Nunca essa frase fez tanto sentido como faz agora.

Eu ligo o notebook e coloco minha playlist mais obscura para tocar, a playlist que eu criei para os momentos tristes. Folheio o caderninho desde o início, lendo cada trecho de texto ou poema que copiei ali, cada poema e texto que eu mesmo escrevi, desenhos e rabiscos bobos que começaram a marcar o papel há dois anos.

Penso em escrever uma carta, deixar um bilhete, algo que provoque raiva e remorso. Mas não consigo ser cruel a esse ponto. Eu estou infeliz, e estar onde estou, sentindo o que sinto, me deixa totalmente consciente de que não desejo isso a ninguém mais.

Mas, ainda assim, resolvo escrever. Não é algo para justificar minhas atitudes ou culpar pessoas por escolhas que fiz, por fraquezas que tive. É um pedido de desculpas e um desabafo. O mínimo que eu posso fazer depois de tanto silêncio e fugas constantes da minha própria realidade.

Pego uma caneta na primeira gaveta da mesa do notebook e tento firmar a mão sobre o papel, mas estou tremendo.

Preciso de três tentativas até conseguir segurar forte e firme o bastante para que minha letra se torne legível. Não preciso me esforçar para pensar ou escolher as palavras. Como sempre, elas simplesmente fluem, escorregando de mim para o papel, me dando a voz que, sozinho, não consigo ter.

Quando termino, a métrica está mal feita e esta costuma ser minha maior preocupação. Era. Agora não me importo tanto. Destaco a folha e a coloco em cima do caderno aberto na página com a frase do Bukowski que li primeiro, com uma borracha servindo de peso sobre ela para que não voe.


DOR

De dentro para fora

Onde não posso alcançar

Rouba meus dias, minhas alegrias, minha vontade de continuar

Depois que ela se vai, não deixa nada

O vazio que fica é solidão

Revelando marcas rudes e ardentes no frio espaço do meu coração

Deveria ser forte, cicatrizar

Olhar adiante, me levantar

Reerguer ou relevar, mas resistir

AfogadosOnde histórias criam vida. Descubra agora